Vivemos na era da importância à estética (também chamado de aesthetic), seja na forma como organizamos a casa ou nas cores com as quais nos vestimos, tornando-se, de certa forma, a ‘marca registrada’ da nossa personalidade. Mas o debate que vem infestando as redes sociais é outro: como aplicamos nossas preferências estéticas aos pequenos. Não nos referimos à escolha do look do dia do neném, estamos falando de bebês (e crianças) que parecem ter saído de um comercial – o que ficou conhecido como Sad Beige Babies.
Os chamados sad beige babies (em tradução livre, bebês tristes e beges), sempre aparecem com roupas em cores neutras e sem desenhos espalhafatosos – o que costuma ser um clássico e favorito das crianças – brinquedos de madeira e sem cores vibrantes e, por fim, quartos que não refletem os gostos e sua personalidade.
Mas, apesar de fugir dos padrões de um visual infantil, pouco se sabe se a retirada de cores vivas por neutras pode, verdadeiramente, ter uma influência negativa nos pequenos.
O fenômeno sad beige
É inegável que estamos na época da redução dos excessos, e isso se traduz para além do fenômeno sad beige, sendo visto no movimento quiet luxury, no qual celebridades e a classe alta vêm abandonando os rótulos evidentes e vem focando em composições mais clássicas.
Mas se tornou um tema polarizante quando começou a ser levado à rotina dos pequenos e muitos começaram a questionar se esse fenômeno poderia ter um impacto em longo prazo no desenvolvimento neurológico das crianças.
Muitas mães vêm identificando a tendência como uma ramificação do Método Montessori, técnica de criação que tem ênfase na autonomia, liberdade e respeito pelo desenvolvimento natural dos pequenos.
Dentre os pilares do método está a necessidade de um ambiente que não seja hiper estimulante para a criança, priorizando a tranquilidade a partir de cores claras e neutras, o que também é levado em consideração para o entretenimento dos pequenos.
“Sempre resistirei à ideia de que a estética moderna dos pais, em tons neutros, é a ‘melhor’ para os bebês, já que essa linha de pensamento ignora o fato de que pessoas em todo o mundo estão criando bebês muito bons com uma estética muito diferente e também funciona bem para marcas de bebês”, critica Hayley DeRoche, escritora e comediante crítica à tendência, em entrevista à revista Parents.
Afinal, crianças precisam de cores?
“Embora a estética sem cores, como o movimento sad beige, possa influenciar o ambiente visual, não há evidências conclusivas de que a falta de cores vivas afete negativamente o desenvolvimento neurológico das crianças. O desenvolvimento neurológico é influenciado por uma variedade de fatores, incluindo estímulos visuais, mas a ausência de cores vivas por si só não é considerada prejudicial”, explica Tatiana Cicerelli, pediatra, neonatologista e Membro da American Academy of Pediatrics.
Mas vamos passo por passo, isso não significa que as crianças não possam se beneficiar da presença de cores e determinadas texturas.
Cores fazem bem para crianças!
“Cores vibrantes estimulam os sentidos visuais, promovem a criatividade e ajudam no desenvolvimento cognitivo. Além disso, cores podem influenciar o humor e as emoções, contribuindo para um ambiente mais alegre e positivo. Já brinquedos coloridos também podem auxiliar no aprendizado de conceitos como classificação e associação de objetos”, aponta.
Fonseca ainda ressalta que o estudo das cores na Educação Infantil tem objetivos multifacetados, dentre os quais se destacam o aprimoramento da coordenação motora, a estimulação do raciocínio lógico, a promoção da memorização e da sensibilidade.
Assim, a presença de cores vibrantes, como o vermelho, amarelo e laranja, influencia positivamente o raciocínio, a fala, a audição e outras funções sensoriais
“Cores vibrantes não apenas estimulam os sentidos, mas também são ferramentas valiosas no ensino de conceitos complexos, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo. Além disso, as cores têm associações emocionais distintas, influenciando o estado de espírito e a expressão emocional”, explica a psicóloga com abordagem cognitiva comportamental Larissa Fonseca.
A profissional ainda aponta que um ambiente visualmente monótono e carente de cores vivas pode resultar em falta de estimulação visual e pode ter efeitos no estado emocional.
Adaptando brinquedos ao sad beige
Diversos responsáveis que adotam a estética neutral acabam levando isso até os brinquedos dos seus pequenos, priorizando realizar compras em cores neutras e terrosas.
Além disso, diante do crescimento do sad beige, os brinquedos de madeira começaram a ganhar ainda mais espaço entre mães e pais, mas quando não é possível abandonar o plástico, muitos se empreendem na possibilidade de adaptá-los.
“Modificar brinquedos para materiais mais agradáveis fisicamente e sem cor pode ter impactos negativos em alguns aspectos do desenvolvimento infantil. A falta de variedade sensorial, incluindo a ausência de cores vibrantes, pode limitar a estimulação visual e afetar a capacidade da criança de explorar e distinguir diferentes estímulos”, explica a pediatra.
Além disso, a redução de cores e opções de materiais para os brinquedos dos pequenos pode acabar por reduzir a diversidade de experiências táteis, prejudicando o desenvolvimento sensorial tátil das crianças.
Essa exposição limitada aos estímulos sensoriais pode influenciar a capacidade de processamento sensorial, afetando habilidades motoras, cognitivas e emocionais.
“A privação de estímulos variados pode contribuir para desafios na adaptação a novas situações, na regulação emocional e em habilidades motoras finas e grossas”, acrescenta a pediatra.
Larissa ressalta que ao criar um ambiente rico em cores, os pequenos são expostos a uma variedade de estímulos visuais que podem influenciar positivamente sua expressão emocional, criatividade e aprendizado, contribuindo para um desenvolvimento psicológico saudável e equilibrado.
Nem sad beige, nem explosão de cores
Apesar da presença das cores ser essencial para o desenvolvimento neurológico das crianças, isso não significa que devemos lotar o espaço de cores vibrantes, podendo ter um efeito maléfico para os pequenos.
“O excesso de cores também pode influenciar aumentando a ansiedade, a agressividade e a irritabilidade. Portanto, é crucial criar ambientes equilibrados, nos quais uma variedade de cores seja incorporada, proporcionando estímulo positivo para o desenvolvimento psicológico saudável das crianças”, reflete Fonseca.
A psicóloga ainda destaca o cuidado que devemos ter ao colocar um excesso de cores estimulantes,como o vermelho, que tende a promover a irritabilidade.
“A utilização de materiais texturizados e diversos estímulos sensoriais, como brinquedos educativos e atividades artísticas, contribui para a exploração sensorial das crianças, enriquecendo sua experiência de aprendizado”, acrescenta.
A pediatra Tatiana ainda destaca que, ao dar prioridade à estética acima dos gostos individuais das crianças, é importante considerar o equilíbrio entre o estilo desejado e as necessidades de desenvolvimento delas.
“Embora a estética seja relevante, é essencial garantir que o ambiente ofereça estímulos e elementos que atendam às preferências e necessidades das crianças. Respeitar as preferências individuais delas no design de espaços e na escolha de brinquedos pode contribuir para um ambiente mais acolhedor e estimulante”, coloca.
Monte o espaço adequado para o bebê
É importante que, ao montar o espaço do seu bebê, você consiga estabelecer um equilíbrio entre a estética – afinal, você também fará parte desse espaço – e das necessidades específicas e gostosas do pequeno.
Primeiramente, é indispensável que haja exposição a uma ampla gama de cores vivas para o estímulo da criança, mas você pode fazer isso misturando uma estética mais neutra em determinados pontos do espaço.
“Tenha em mãos brinquedos e materiais que ofereçam diferentes texturas e sensações táteis, promovendo o desenvolvimento sensorial. Além disso, brinquedos que emitem sons suaves ou música podem ser benéficos para o desenvolvimento auditivo e sensorial”, aponta Cicerelli.
Agora, alguns dos motivos que levaram as mães a abandonar os clássicos brinquedinhos coloridos era o medo de serem feitos unicamente de plástico tóxico, e ninguém quer ver seu pequeno manuseando um item com qualquer tipo de toxicidade.
A pediatra explica que existem diversos brinquedos feitos de materiais seguros e variados, podendo encontrar alguns feitos de plástico não tóxico, madeira e tecidos laváveis.
“Brinquedos que permitem empilhar e construir ajudam no desenvolvimento de habilidades motoras finas, coordenação olho-mão e pensamento espacial. Ademais, livros com ilustrações coloridas estimulam o interesse pela leitura e contribuem para o desenvolvimento cognitivo e linguístico”, finaliza a profissional.
Lembre-se que a chave está no equilíbrio e na diversidade quando se trata da criação dos nossos pequenos.