Na capa: Astrid Fontenelle e a alegria de experimentar cada fase da vida
Celebrar 62 anos, ousar na moda, desafiar preconceitos, falar sobre absolutamente tudo que o filho adolescente perguntar, cuidar da saúde e muito mais
Não há assunto que não renda uma conversa boa com Astrid Fontenelle. Aberta ao novo e disponível para a troca — características consolidadas também ao longo da carreira —, ela abraça todos os assuntos, dá risada, se emociona, nos emociona e deixa o papo com vontade de quero mais. Ser uma pessoa múltipla lhe abriu portas, mas também exigiu coragem. “Há muitos anos, um diretor da Band falou que essa era a minha grande qualidade, porque eu podia apresentar o telejornal, fazer entradas ao vivo com precisão, estar no programa de fofoca, no de debate… Daí por causa disso ele não sabia onde me encaixar. Respondi: ‘Cara, se você não sabe o que fazer comigo, eu sei. Vou sair’. E foi assim que me demiti.”
Prestes a estrear no Fantástico (TV Globo) um quadro do seu aclamado programa “Chegadas e Partidas” — originalmente exibido pelo canal fechado GNT—, Astrid dá valor ao tempo. “Para mim, é o mais sagrado”. Enquanto se preparava para realizar a sessão de fotos que ilustra a matéria da edição de aniversário, essa entrevistada camaleoa fez questão de segurar ela mesma o celular que usamos para gravar nosso papo, salvaguardando a qualidade de som da interferência externa de secadores e do vai e vem da equipe de produção. Indaguei como lidava com as tantas demandas da vida, e ela foi categórica: “Eu falo ‘não’ pra caralho!”. Assim, mantém uma agenda de compromissos criteriosa e sem atropelos para economizar energia para o que realmente importa.
Os finais de semana, por exemplo, são dedicados ao filho Gabriel, agora com 15 anos. A relação entre eles segue como prioridade e ter tempo juntos faz parte disso. Recentemente, Gabriel a convidou para uma conversa “sobre a vida”. Pediu para ler alguns textos que escreveu e disse: “Mãe, eu quero começar a trabalhar”. No que ela respondeu prontamente: “Demorou!”. Sem esconder a admiração, completou com seu bom humor característico: “Meu amor, se eu postar, é sucesso garantido ou seu dinheiro de volta”.
O conflito de gerações passa longe. “A adolescência é um período lindo e eu tive essa conversa com ele sobre a beleza da adolescência, a delícia da masturbação, do primeiro amor.” A convivência tem sido tranquila e, mesmo quando os hormônios se manifestam, ela resolve na brincadeira e diz: “Vamos tomar uma água com os hormônios da alegria e da felicidade”. Ele ri. “É muito alto astral”, comenta, orgulhosa. Como todo jovem, obviamente, Gabriel tem suas questões e desafios. “Claro que tem! Ele é preto, adotado. E a gente vai falando à medida da curiosidade, da necessidade, do assunto. Vou pela demanda dele.”
A cumplicidade e a alegria da dupla podem ser confirmadas nos posts que costumam publicar juntos nas redes sociais. “Ele adora fazer resenha comigo. É orgânico”. Astrid destaca ainda a forte relação que o filho tem com a moda. E eu pergunto, ironicamente: De onde será que vem esta influência, né? Ela se diverte: “Ele também se comunica muito bem e gosta de mediar conflitos! Sou eu!”. A escolha pela maternidade veio de uma espécie de tristeza ao pensar que havia acumulado tanto conhecimento e que não teria um legado direto a quem pudesse transmitir essas experiências. “A televisão só não me bastava.” E, às gargalhadas, brinca: “Quem ia herdar as minhas bolsas Chanel!?”.
O jeito despachado combina com sua imagem autêntica dentro e fora das telas. “Aqui é tudo natural. Nunca botei cabelo. Só fiz unhas de gel uma única vez, para um trabalho. Não tem mais botox na minha cara.” Mesmo nas postagens pela internet, não usa nenhum filtro – desafio, inclusive, previsto em contrato com uma marca. As aparições de cara lavada foram resolvidas em parceria com a boa luz do sol que ilumina a varanda do seu apartamento, transformando a experiência também em um exercício poderoso de relação com a própria imagem. “Nas primeiras semanas, não foi fácil. E eu ia procurando a melhor luz, né?” Mas garante que logo passou a se gostar. “Quando eu me olhei no espelho hoje de manhã, falei assim: olha como eu tô bonita hoje! Imagina produzida? E se eu não estivesse satisfeita, eu ia pintar o cabelo, por exemplo, que é uma questão bem marcante na minha relação com o tempo.”
Há muitos anos Astrid tem uma pasta no Pinterest chamada “Pra quando eu envelhecer”. Lá, já se imaginava deixando os cabelos brancos desde antes. Mas a ideia nem sempre foi bem recebida. Certa vez uma diretora da TV lhe falou: “Branco jamais! Pode ser da cor que você quiser, menos branco”. E foi o que ela fez. “Eu tive [cabelo] azul, rosa, estava sempre pensando na próxima cor. Quando veio a pandemia, fiz o clássico: ‘de um limão, uma limonada’. Fui olhando para o espelho e gostando. Aquilo não me trouxe sofrimento, tanto que recusei a proposta de uma grande indústria de cosméticos para pintar. Falei: ‘Não quero, porque essa não vai ser a minha verdade’.” Meses depois, um novo convite, desta vez para uma campanha de um shampoo para cabelos grisalhos. Topado.
“É uma imagem muito forte uma pessoa na televisão passar pela transição”. Para que se sentisse bem durante o processo, cuidou do visual de outro jeito: “Tive o cuidado de não ficar em casa de pijama, me maquiava todos os dias antes de sair do quarto”. Procuro saber de onde ela tirou forças naquele momento tão delicado para tamanha disposição. “Do espírito de sobrevivência”, ela diz. “Eu tenho uma condição física que é o lúpus, mas o que mais me preocupava era a saúde mental.” Desde então, a repercussão a respeito dos cabelos só cresceu e é sentida na rua. “Mulheres me dizem: ‘Deixei meu cabelo branco graças a você’.” Sobre a inevitável associação dos fios brancos com o envelhecimento, Astrid não é de meias palavras: “Envelhece a imagem? Envelhece. Portanto, meu amor, não saio de casa sem rímel, um batonzinho e um blushzinho. Não fique de pijama se olhando no espelho, porque vai dar ruim”.
Sem fugir dos desafios, lembra que a vida aos 60 anos “tem muita merda também”. E cita: a dor no joelho, a tal “vista cansada”, que para muitas mulheres chega a partir dos 40 anos, e até a diminuição da estatura. “A coluna vai dando uma achatada. Eu já diminuí dois centímetros.” Como de costume, faz questão de enfatizar, no entanto, as “pequenas alegrias da pessoa 60+”. Rindo, pontua: “Eu tenho o cartão do idoso. Posso estacionar naquela vaga especial. É minha!”. Astrid dá crédito à sorte por viver no tempo em que o mundo começa a valorizar o envelhecimento. “Eu mesma, quando tinha vinte e poucos, me imaginava uma senhora aos 40. Quando cheguei aos 40, fiquei amarradona com a liberdade conquistada.”
O olhar para o futuro, o pioneirismo e a linguagem moderna são marcas indistinguíveis também em sua carreira profissional. No final dos anos 80, apresentou o programa TV Mix (TV Gazeta) e tais características, que já estavam ali, só se ampliaram ao longo dos anos em que esteve na MTV Brasil, como a primeira VJ brasileira. “O TV Mix foi um programa revolucionário na televisão que serviu de exemplo para muitos outros formatos. Se você me der o espelho deste programa tal e qual ele era, eu faria hoje, de tão moderno”, conta.
Confortável com o posto de mulher à frente do seu tempo, ela comanda há 10 anos o programa Saia Justa no GNT, que atualmente conta ainda com as parceiras de sofá Larissa Luz, Bela Gil e Gabriela Prioli. “Eu não tenho medo do novo, gosto de novidade.” Sobre o pioneirismo, no entanto, faz questão de destacar que “se você capinou o mato, alguém plantou”, lembrando a importância de mulheres desbravadoras e que a inspiraram como Rita Lee, Gloria Maria, Hebe Camargo e Marília Gabriela.
“Nunca imaginei que aos 62 anos eu fosse estrear no Fantástico, ser capa da CLAUDIA. As possibilidades continuam acontecendo e agora já não é mais sorte, é competência”. Astrid demonstra um tipo de confiança serena que só a maturidade parece ser capaz de ofertar. A retomada do Chegadas e Partidas, por exemplo, era um dos sonhos altos que ela almejava e demandou resiliência. Inicialmente veiculado no GNT, o programa já teve dez temporadas e foi interrompido pela pandemia. “As pessoas me pediam muito [para retomar]. O tempo todo. Eu já estava meio descrente da possibilidade e aí veio o convite. Eu nem acreditei que não só vai voltar como vai voltar em um quadro na tv aberta!”. Ela celebra a expansão do alcance que a exibição em um dos programas de maior audiência da TV brasileira trará, mas não esconde certa preocupação: “Construí minha carreira para ser uma pessoa livre. A liberdade é o que me move, meu amor. Se eu não puder ir num show e andar no meio da galera, ter que andar cercada de segurança… Ah, eu não vou ser feliz, não! Então, calma lá com essa fama!”.
Sucesso de público e já premiado como melhor programa pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), o Chegadas e Partidas traz histórias dos encontros e das despedidas vividos pelas pessoas comuns, personagens do grande conto da vida que diariamente circulam pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), onde acontecem as gravações. Ouvir sobre os amores que vão e vem e que carregam consigo memórias, expectativas e, muitas vezes, saudade, foi um grande aprendizado para Astrid, acostumada ao ritmo ágil e pouco contemplativo da televisão. “Eu tenho um carinho imenso com o Chegadas e Partidas, porque tinha muito nervoso com o silêncio na televisão. Como sempre fiz TV ao vivo, estava sempre pronta para ocupar o espaço, emendar, e já fazer outra pergunta. Ali, fui obrigada a aprender a ouvir”, relata.
A retomada das gravações veio acompanhada de muito choro. “Eu estava com saudade das pessoas, dos abraços, das histórias”. Ela diz que tem, sim, grandes expectativas para a estreia do quadro, marcada para dezembro. “Só uma mulher da minha idade tem a sensibilidade de olhar pro outro e sacar que ali é uma mãe, uma amante, uma namorada, só de olhar. É a maturidade mesmo, a experiência de vida. Já vivi um monte de coisas que aquelas pessoas estão contando.”
Outra característica pessoal que parece revelar um grande segredo é acreditar na sua própria visão de mundo: “Sou programada com o chip da felicidade”. Isso não significa que não fique triste ou chateada e nem que coisas ruins não aconteçam com ela, claro. No entanto, Astrid destaca: “Tenho um mecanismo de superação que é incrível. Eu prefiro ver a vida desse jeito”. Tanto é assim que ela foi escolhida para uma campanha publicitária de uma empresa de tintas como embaixadora de uma paleta de cores chamada “Contentamento”. E amou a associação. “Quando li, falei: ‘Realmente sou eu’.” E de onde vem essa sensação? “Do meu filho, do bem-estar dentro da minha casa, do prazer que eu tenho em trabalhar, de achar que eu sou remunerada, não tanto quanto eu mereço, mas mais do eu preciso. E vamos aí!”
Astrid parece ter mesmo um talento especial para a alegria. “Acho que é por isso que eu não tenho medo do tempo. Sou amiga dele”. E estar na sua presença é testemunhar isso. Não apenas observando a relação orgânica que demonstra ter com a própria beleza ou diante dos tantos acontecimentos pessoais e profissionais de sua história, mas, acima de tudo, pela maneira que nos inspira a ver a vida, através de um olhar curioso de aprendiz. Ao sair de nosso encontro, uma música surgiu em minha cabeça. É ela que escuto, agora, enquanto escrevo para vocês. Eternizada na voz de Nana Caymmi, a canção vem me soprar: Astrid, assim como seu amigo tempo, “no fundo é uma eterna criança” que sabe brincar de ser feliz.
TEXTO: Dani Moraes
FOTOS: Caia Ramalho
STYLING: Bruno Pimentel
EDIÇÃO DE MODA: Paula Jacob
BELEZA: Leo Ferreira
DIREÇÃO DE ARTE: Kareen Sayuri