Quando Kenneth Branagh começou a trabalhar em seu terceiro filme como Hercule Poirot, depois ter filmado os clássicos “Assassinato no Expresso Oriente” e “Morte no Nilo”, ele queria realmente se afastar do estilo Agatha Christie ‘tradicional’ e apostar em algo novo.
Entre as mudanças radicais estava na trilha sonora de “A Noite das Bruxas”, que, pela primeira vez, está com a oscarizada e popular Hildur Guðnadóttir, a terceira mulher a vencer um Oscar por seu trabalho em Coringa.
Até então, Branagh trabalhava sempre com seu amigo, Patrick Doyle (que já entrevistei há muitos anos e de quem sou fã de carteirinha), que inclusive é o autor da trilha de “Frankenstein”. Por que cito isso? Simples. Primeiro, “Frankenstein” foi uma das primeiras tentativas do diretor no gênero terror, e com “A Noite das Bruxas” ele flerta com uma história de sustos e fantasmas. E, confie em mim, a música é tudo para ajudar a criar o clima em mais um excelente trabalho de Hildur.
Com essa longa introdução, confesso que estava animada quando surgiu a oportunidade de bater um papo rápido com a compositora, que mora em Berlim. Ela também assinou a trilha sonora de “Tár” no ano passado (com outra indicação ao Oscar) e a personagem de Cate Blanchett faz uma referência à ela, num momento de metalinguagem.
Hildur, além de compositora, é violoncelista e cantora, e trabalha com a vanguarda do pop experimental e música contemporânea. Sua “assinatura” é, obviamente, uma música voltada para o violoncelo, o que ficou particularmente perfeito em “A Noite das Bruxas”, porque pode ser intimista e grandiosa ao mesmo tempo, exatamente como o diretor a pediu.
De seu apartamento em Berlim, Hildur conversou exclusivamente com CLAUDIA sobre seu novo desafio. Confira a entrevista na íntegra:
CLAUDIA: Oi! Temos alguns poucos minutos então vou direto ao ponto: nos filmes de Kenneth Branagh, a música sempre tem muita influência no storytelling. Como foi trabalhar com ele?
Hildur: Foi incrível porque ele é generoso, gracioso e um ser-humano maravilhoso. É ótimo também porque ele sabe exatamente o que quer e é direto. Outra coisa que adorei também é que ele transparente sobre o que está fazendo, sobre a visão que tem de seu filme. Gosto de diretores como ele, inabalável, mas aberto para sugestões. Ele me deixou realmente participar de verdade.
CLAUDIA: Como foi a essa dinâmica?
Hildur: Ele me deu um roteiro muito específico do que queria, do que era sua visão para o filme, mas depois disso ele entregou e deixou tudo nas minhas mãos. E me disse “Faça o que quiser” e isso é ter uma grande confiança e algo muito generoso. Foi realmente um grande prazer trabalhar com ele.
CLAUDIA: Branagh sempre fez uma parceria com Patrick Doyle e em A Noite das Bruxas trabalha pela primeira vez com você. Como foi essa troca?
Hildur: Nós nunca falamos sobre isso! (risos) Mas ele sempre quis, do dia 1, que esse filme fosse diferente dos dois outros filmes [os dois que ele fez Poirot], queria uma direção oposta deles e um dos elementos principais que marcariam essa mudança era a trilha sonora. Por isso musicalmente não tenho nenhuma referência dos filmes anteriores e não busquei em nada ficar no mesmo campo.
CLAUDIA: A música nos deixa bem tensos, ansiosos em A Noite das Bruxas. Quais instrumentos você considera que nos ajudam a ter “mais medo”? (risos)
Hildur: Bom, ajuda que na história há uma jovem garota que toca violoncelo e vemos o instrumento em alguns momentos. Como é justamente meu instrumento principal portanto tive uma conexão fácil com ela! (risos)
CLAUDIA: Mas há mais orquestração…
Hildur: Sim, mas Ken [Kenneth Branagh] foi muito claro que queria uma orquestração ‘pequena’, sem muitos instrumentos.
CLAUDIA: Por alguma razão especial?
Hildur: Porque ele queria uma sensação claustrofóbica, de um ambiente fechado e desde o início eu sabia que não haveria aquele momento arrebatador de uma orquestra completa. Por isso, para deixar no ambiente mais obscuro é como uma peça de câmara. (Nota: quando Hildur cita isso é porque esse tipo de composição pode ser executado em salas pequenas, sem instrumento solo, em um ambiente íntimo)
CLAUDIA: E você foi influenciada por compositor em particular?
Hildur: Tem tantos e incríveis! Mas quando trabalho faço um esforço justamente de não ouvi os para não ser influenciada! [risos], para A Noite das Bruxas busquei ouvir compositores italianos do período da história e fiquei longe dos compositores de trilha sonora [risos]. Ouvi compositores que fizeram parte desse tempo de transição no qual o filme acontece: pré e pós-guerra. E foi onde concentrei minha atenção musical.