Guardiãs da Amazônia: Como o tucumã tem ajudado a preservar a floresta
Cooperativas apostam no extrativismo sustentável do fruto, transformado pela tecnologia numa linha que age na produção natural do ácido hialurônico
Quanto custa manter uma árvore de pé? Foi no Pará que fui confrontada pela primeira vez com esse questionamento. Depois de pegar um barco motorizado e um casquinho (como é chamada a embarcação a remo, usada para navegar pelas áreas inundadas mais rasas), estava aos pés de uma ucuubeira. Tombando o pescoço para trás, quase não dava para alcançar com a vista a copa. Para chegar àquela estatura, não foram menos do que 20, talvez 30 anos. Como precificar o trabalho da natureza? Chutei R$ 1.200. E errei. Um tronco daqueles custa na casa dos R$ 30. Por que, então, é tão difícil preservar espécies que chegam a entrar em risco de extinção? Num momento de necessidade, quando algum ribeirinho precisa de um remédio, por exemplo, às vezes essa é a única forma de conseguir algum dinheiro. A saída para o desmatamento precisa passar por valorizar, financeiramente, a preservação ambiental, sem deixar de garantir o sustento dos moradores. Entra em cena aqui o extrativismo sustentável, que tem impulsionado o fortalecimento das comunidades e a conservação da floresta.
A trajetória recente do tucumã, fruto que deu origem à linha Natura Ekos Tukumã, é um forte indicativo do que a inovação e a força das cooperativas, principalmente chefiadas por mulheres, podem fazer por um ecossistema. Uma palmeira cheia de espinhos, que já foi chamada de “praga do mato”, o tucumanzeiro era arrancado pelos fazendeiros ou no máximo deixado para a alimentação dos animais. Hoje, quando mantida intacta, a árvore rende por safra em média quatro cachos da frutinha alaranjada, que ultrapassam na venda os tais R$ 30 (por ano, não uma única vez, claro). Não à toa, ele ganhou o apelido carinhoso de “nosso ouro” por alguns dos grupos que enveredaram por esse negócio.
Por trás da história de sucesso, há um caminho de regeneração que começa com a própria característica da planta. Chamada de pioneira, a árvore do tucumã é uma das primeiras que volta a brotar quando um solo que havia sido desmatado começa a ganhar vida novamente. É o cuidado e a criatividade das pessoas, porém, que fazem possível a extração do óleo e da manteiga do tucumã. Como produtos de beleza, eles contêm ativos que estimulam e protegem a produção natural de ácido hialurônico na pele. O aproveitamento do fruto pela Natura garante o fortalecimento da renda de mais 702 famílias. São guardiãs da floresta, cujas trajetórias ganham contornos ainda mais emocionantes numa visita presencial, entre um cafezinho coado com macaxeira cozida e uma bela tigela de açaí com charque salgado no ponto certo.
Na Cooperativa D’Irituia, as mulheres literalmente assumiram o comando. Em 2017, a instituição atravessava um ponto crítico, com uma diretoria formada só por homens. “A mulher pode estar onde quiser. Somos bem rebeldes. Dentro dela, assumimos para fazer um diferencial. Em 2019, recebemos o primeiro pedido de tucumã da Natura, fresco. A novidade depois foi trabalhar com o fruto seco, que não sabíamos se ia dar broca. Conseguimos comprar nossa sede própria em 2020 e em 2021 passamos a trabalhar com a amêndoa do tucumã. De novo não sabíamos como fazer, mas cumprimos nosso contrato e honramos nossa palavra”, lembra, com detalhes, a sócia e fundadora Maria Valquíria Cordeiro, responsável por todas as finanças.
O processo descrito por ela demonstra as etapas de beneficiamento do tucumã — quanto mais trabalhado dentro da própria cooperativa, maior o valor agregado. E mais emocionantes os relatos das cooperadas. É a Sabrina, que diz “não tinha nada da vida, só a vida, e hoje tenho moto, tenho casa”, ou a Maria Fernanda, que se enche de orgulho para dizer que “é agricultora, filha de agricultores e mestra em desenvolvimento rural, para buscar conhecimento para ajudar a cooperativa a se desenvolver”, ou ainda a dona Iracema, que é taxativa: “A vida mudou da água para o vinho, felicidade é sobreviver e tirar nosso sustento da natureza”.
Munidas de luvas compridas, para não se ferir com os espinhos do pé de tucumã, facões e capacete, elas entram na mata para colher os cachos, deixando sempre cerca de 30% no pé, para os animais poderem se alimentar. Para retirar a polpa, é preciso secar o fruto numa espécie de estufa. A técnica ideal foi encontrada em parceria pelas famílias e pelo Gras, a Gerência de Relacionamento e Abastecimento da Sociobiodiversidade da Natura. O desenvolvimento do maquinário que ajuda a despolpar, separar o caroço e depois as amêndoas também foi feito a muitas mãos.
“Hoje, todo mundo preserva o tucumã, sabe que não pode derrubar, ele dá nosso sustento”
Maria Valquíria Cordeiro
Outras cooperativas que já estão há mais tempo em atividade, trabalhando com o extrativismo sustentável de outros frutos, como o murumuru, o açaí, a andiroba e o buriti, são a Camtauá, em Santo Antônio do Tauá; e a Cofruta, em Abaetetuba. Esse trabalho lá na ponta, com as agroflorestas, só é possível graças ao que acontece também no laboratório, com o time de pesquisa e desenvolvimento, chefiado por Roseli Mello. “Cada vez que entro na floresta, sinto uma reconexão com o propósito, que gera uma vontade de cada vez fazer melhor e aumentar esse círculo virtuoso”, afirma. No centro de pesquisa em Cajamar (SP) e também no laboratório de Benevides (PA), o objetivo é estudar a fundo um ingrediente para entender qual é a vocação e as possibilidades dos seus ativos.
Muitas das pistas de como usar um produto vêm das próprias comunidades locais, que contam se usam o produto como banho de cheiro, ou para passar no cabelo, por exemplo. A análise detalhada dos compostos químicos, do fingerprint das moléculas, também está incluída, assim como testes de estabilidade (tem até bio impressora de pele para realizar simulações precisas de interação e colher o maior número de dados possível). Antes de ir para as prateleiras das lojas e para o catálogo das revendedoras, os produtos precisam atingir os padrões sensoriais, de performance, segurança e eficácia. “Internamente, nosso organismo começa a degradar mais rápido essa produção do ácido hialurônico com o tempo. Encontramos no tucumã mecanismos naturais que têm a propriedade de aumentar a produção e diminuir a degradação, levando a essa regeneração”, completa Roseli.
Para a conta fechar por completo, o sucesso comercial precisaria voltar para as comunidades. E é assim que acontece. A Natura é certificada pela União para o Biocomércio Ético (UEBT) justamente por promover o uso de ingredientes naturais, respeitando as pessoas e a biodiversidade durante a extração. O intuito é garantir que o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado seja remunerado. Entra aqui a repartição de benefícios (RB), um mecanismo legal que consiste na divisão do que é proveniente da exploração econômica de produto — e garante bons retornos para todos os envolvidos.
“Trabalhamos com planilhas de custo abertas, uma cadeia de valor que seja de fato ganha-ganha, sem exclusividade”, afirma Mauro Corrêa da Costa, gerente sênior de suprimentos. É um trabalho construído pouco a pouco, mas que gera frutos a longo prazo. “Nada acontece de um mês para o outro. Trabalhamos com pessoas que não querem destruir a floresta, não querem fazer acordo com madeireiro, mas precisam enxergar que há um caminho de desenvolvimento para elas”, completa Mauro. Como ensina o tucumã, a “praga” que virou “ouro”, a sustentabilidade é o caminho do futuro.