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Você NÃO precisa emagrecer para se casar

Sob a ótica de mulheres gordas que celebram o próprio corpo, mostramos por que fazer dieta para o casamento pode ser mais grave do que você imagina.

Por Ketlyn Araujo
Atualizado em 16 jan 2020, 14h27 - Publicado em 9 Maio 2018, 21h44
 (Strut Bridal Salon/Instagram/Reprodução)
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“Uma indústria de um trilhão de dólares estaria arruinada se acreditássemos que já somos lindas”, diz uma passagem encontrada nas páginas do best-seller “O Que o Sol Faz Com As Flores” (Editora Planeta, 2017), segunda coletânea de poemas da escritora canadense de origem indiana Rupi Kaur.

O breve trecho é retrato inegável da nossa sociedade – até hoje marcada por velhos preconceitos como racismo, machismo e gordofobia, que há décadas promovem um ideal de beleza fabricado e, muitas vezes, inatingível. Se você for mulher, e não importa de que lugar do mundo esteja lendo este texto, sabe bem do que estamos falando. Somos reféns da pressão estética desde o momento em que nascemos, e passamos a vida inteira (com aquela ajudinha básica da mídia, da publicidade e da televisão) sendo influenciadas a odiar e modificar nossos corpos, cabelos e traços. Se você for uma mulher gorda, então, sabe que essa pressão é ainda maior.

Se a sociedade segue um padrão, alguns universos dentro dela, infelizmente, continuam pelo mesmo caminho. No âmbito dos casamentos, por exemplo, isso chega a ser chocante. São incontáveis as páginas na internet que ensinam dietas para que futuras noivas percam peso até a cerimônia – é só digitar as palavras “dieta” e “casamento” juntas, no Google, para se deparar com receitas “milagrosas”, das mais bizarras.

Além disso, modelos consideradas plus size dificilmente são escolhidas para ilustrar campanhas publicitárias de moda noiva, ao passo que encontrar o  vestido dos sonhos, em tamanhos grandes, seja para se casar ou ir a uma festa, costuma ser uma verdadeira saga: demanda paciência, dinheiro de sobra e, muitas vezes, a confecção de um modelo sob medida.

Nós do MdeMulher acreditamos que alguns padrões estão aí para serem quebrados, e defendemos que é possível, sim, amar seu corpo do jeitinho que ele é, sem ter de transformá-lo por pura estética – ainda mais para uma ocasião especial (e passageira).

Batemos um papo inspirador com duas mulheres gordas* e ativistas do movimento Body Positive, que prega a autoaceitação. Nos depoimentos a seguir, elas mostram por que você, definitivamente, não precisa emagrecer para se casar.

Juliana Rangel, 31 anos – redatora publicitária, produtora e influencer

“(…) O preconceito contra a pessoa gorda é explícito, e a falácia de que todo o corpo gordo é doente só deixa espaço para as pessoas serem ainda mais cruéis. Eu sempre fui a gorda em uma família que endeusava o culto ao corpo. Nunca tive problemas por ser gorda, sempre fui muito ativa. Porém, minha infância foi de médicos, remédios, dietas e privações, minha adolescência idem. Mas meu biotipo é esse, então eu vivia no efeito sanfona e tinha vergonha de mim – usava roupas largas, escondia o braço, evitava sair.

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Aos 21 anos me submeti a uma cirurgia bariátrica por toda essa pressão e sofrimento externos. A cirurgia me deixou magra como eu sempre quis, e com sequelas que eu nunca quis, que até hoje me me perseguem diariamente. Após 10 anos de bariátrica, estabeleci um peso onde não estava nem gorda e nem magra, e conheci aquela que seria minha esposa nesse período.

Estava trabalhando em um navio de cruzeiro com minha namorada, em 2016, e ela me pediu em casamento lá. A tripulação ficou maluca, queriam que a gente se casasse lá mesmo e fizeram tudo acontecer, nós só precisaríamos providenciar as roupas. Ela, magra, entrou na primeira loja que passou e achou – eu já estava quase desistindo. Nunca é ‘só comprar roupa’ quando se é gordo. Na mesma hora, pensei em correr para a esteira e ‘me matar’ para emagrecer. Eu casaria em oito dias e queria emagrecer só para isso! [emagrecer] Está no subconsciente da noiva, é doentio.

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Ju (segurando o buquê) e a esposa, Pillar Nunes, no dia do casamento (Ju Rangel/Divulgação)

Quando me dei conta de que eu tinha sido pedida em casamento exatamente daquele tamanho, eu me acalmei. Tinha dois dias para achar um vestido que fosse a minha cara. Foi um desespero! Estávamos na Espanha, tudo caro, nada era do meu tamanho. Vestido pra magra existe de pronta entrega, pra quem é minimamente fora do padrão não existe. Achei um lugar que era tipo um brechó, um vestido coube e, se eu alterasse aqui e ali com o costureiro do navio, daria certo. Não foi o vestido dos meus sonhos, mas foi o casamento dos sonhos – alô, lojas de noivas! Gorda também casa, viu? Gorda é amada, trabalha, paga contas, faz exercício, come direito, quer roupas da moda e… adivinha? Quer casar com um vestido lindo também!

Após o casamento tive um problema familiar, afundei em uma depressão profunda e engordei novamente. Foram dois anos tentando sair da depressão e, durante esse período, conheci uma palavra nova para mim: gordofobia. Comecei a estudar, descobri o que era o movimento Body Positive; comecei a andar com pessoas não-tóxicas e criei um canal no Instagram para ajudar mulheres a saber que está tudo bem ser do jeitinho que elas são – lembrando que o movimento não diz pra você não ter uma boa alimentação ou ser sedentário, muito pelo contrário. Queremos que você seja saudável e feliz com o corpo que você tem.

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Já fui madrinha de uma noiva que queria emagrecer 10 quilos em menos de dois meses. Ela conseguiu. Mas imagina a restrição? Toda privação de comida a deixou extremamente nervosa e fraca. A pessoa não podia provar os doces do próprio casamento! Quão doentio é isso? Quer emagrecer por algum motivo? Faça de maneira saudável. Nosso corpo muda com o passar do tempo e está tudo bem com isso. A pessoa que vai falar ‘SIM’ pra você te ama desse jeito e vai te amar ainda mais no dia do seu casamento!

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(Ju Rangel/Reprodução)

Você vai casar! Aproveite esse tempo, visite os lugares, prove as comidas, festeje com seus amigos, esteja perto dos seus familiares! Casamento é sobre amor, não sobre paranóias mil.

‘Mas as fotos são para a vida inteira’. Jura? Você mostrar pros seus filhos uma noiva magra é melhor do que contar toda uma história linda? Aproveite! Vocês se amam, os convidados te conhecem e sabem da história de vocês! Você quer ‘parabéns’ pelo casamento ou por ter conseguido emagrecer? É só refletir. Comece a seguir pessoas que são como você, olhe pros outros com carinho. Olhe pra você com amor. É difícil, não é do dia pra noite, mas o olhar realmente muda. O meu mudou”.

Para seguir já: @eujurangel

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Cristine Lore Cavalheiro, 34 anos- jornalista e influenciadora de moda plus size

“Sempre fui gorda, sempre sofri pressão estética da sociedade, da família, de amigos, para poder me enquadrar no perfil que, digamos, é aceitável e dito como bonito pela sociedade, o ‘saudável’. Na minha época mais jovem eu não soube lidar [com isso], tive vários problemas psicológicos que me acompanham até hoje. Tive depressão, síndrome do pânico e tentei suicídio.

Hoje em dia eu faço parte de movimentos de Body Positive e empoderamento feminino. Comecei a entender que a gente precisa amar nosso corpo, cada pedacinho dele, da forma que é. Claro que a gente tem partes que não gosta muito, e é natural – isso acontece até com pessoas que não são gordas. Por exemplo, eu não curto muito meu braço, acho ele muito grande, então fica um pouco estranho em roupas e tal. Porém, eu aprendi a me amar.

Aprendi, também, que amar meu corpo não é largar a minha saúde, largar a minha vida e ficar o dia inteiro deitada comendo, sabe? Todo mundo pinta que gordo é aquele cara inútil, que não levanta para nada, que é acomodado com o peso e só vai continuar ‘se matando’, comendo eternamente. Não, não é isso. Amar seu próprio corpo também é cuidar dele.

Eu moro com o meu marido, mas a gente resolveu oficializar o casamento agora, dia 26 de maio. Vou fazer uma confirmação de votos no ano que vem, pretendo estar vestida de noiva e já sei que eu vou pastar para procurar o vestido. O mercado de moda está perdendo muito não incluindo todas as pessoas, todos os gostos e todos os tamanhos – inclusive na moda noiva. Se existe uma resistência dos estilistas, acho que eles não nasceram para fazer moda.

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(Andrea Benedetti/Cristine Lore)
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Tive uma dificuldade imensa em achar um vestido comum, de convidada, para o casamento da minha sobrinha, no ano passado. Você se cansa de procurar. Dentre três opções eu escolhi uma, porque eu já estava cansada de rodar a cidade de São Paulo toda para achar um aluguel de roupa plus size, de festa, que fosse moderno, que fosse a minha cara. Esse vestido me custou mil e duzentos reais, porque eu não consegui encontrar aluguel de vestido decente para mim: todos iam até, no máximo, [a numeração] 48. É bem complicado. Gordo também casa, também se veste de noiva, também é moderno, também gosta de moda. Gordo dança, faz sexo, sabe? As pessoas não encaram dessa forma.

Só eu sei o que eu passei, sei quanto tempo da minha vida eu perdi com isso. Sei por quanto tempo eu deixei de amar pessoas, de participar de eventos, de aniversários, de tirar fotos, de ter lembranças de uma época tão boa da minha vida, porque eu me escondia. A gente tem que se amar do jeito que a gente é. Eu sei que é fácil falar, mas isso é um passo de cada vez, é um trabalho diário: hoje você coloca uma blusinha sem mangas e encara o mundo, amanhã você usa um biquíni, um cropped, uma minissaia, e assim vai indo.

Se você encontrou alguém que te ama, se você se ama mais do que tudo, se você está feliz consigo mesmo, com a vida que você vai construir com essa pessoa, eu acho que essas paranóias de gordurinha aqui, vestido marcado ali, são o de menos. Independente se a gente engordar depois, se a gente emagrecer depois, acho que o mais importante disso tudo é o momento de felicidade, em que você está firmando o compromisso com alguém que você ama, sendo gorda ou não.

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(Cristine Lore/Instagram/Reprodução)

Não se apegue às numerações de etiqueta, e nem ao que os outros estão falando, porque os outros não estão nem aí para o que você realmente sente. É claro que você quer se sentir linda, maravilhosa, no vestido dos sonhos – mas você não precisa ser magra para isso. Não há necessidade de se encaixar no padrão: as roupas é que precisam caber em você. Desencana disso tudo, seja feliz e aproveite o momento.

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A vida está passando, não vamos perder tanto tempo com números, né? Nós somos pessoas, individuais, temos gostos diferentes e toda mulher é linda por natureza”.

Para seguir já: @cristine_lore

“Gorda” não é ofensa*

Usar o termo “gorda” como ofensa ou xingamento é o mesmo que lançar mão da palavra “magra” para fazer um elogio – o que está errado e só contribui para que o padrão persista. Juliana explica que o adjetivo “gorda” tem sido usado há muito tempo em tom pejorativo, mas não é nada mais que uma característica corporal, como outra qualquer: “As pessoas acham que um determinado corpo é bonito porque estão acostumadas a ver esse único corpo sendo endeusado a vida inteira”, diz.

Cristine segue a mesma linha, e acredita que a naturalização do termo precisa acontecer, sendo que um dos jeitos de fazê-lo é permitir que as pessoas te tratem dessa forma, com respeito:

“Outro dia eu ganhei uma promoção em uma loja de jeans, que tinha pouquíssimas peças plus. A menina que me atendeu, falou: ‘Como você quer que eu te chame? Plus size, gorda, cheinha, fofinha?’. Eu falei: ‘Olha, plus size a gente usa para a moda, e fofo é meu cachorro! Eu sou gorda, não tenho problema com isso. Pode me chamar de gorda e está tudo certo’. Ela riu”, finaliza.

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