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Tinha a doença do ‘preciso comprar’

Superei essa compulsão com a ajuda de uma amiga, de um filme e de uma boa terapia

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 20 jan 2020, 21h05 - Publicado em 11 jul 2010, 21h00
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  • Viviz cheia de sacolas. Agora
    me trato e consumo com consciência.
    Foto: Arquivo Pessoal – Sou Mais Eu!

    Meu vizinho avisou que tinham chegado roupas novas em sua lojinha. ‘’Eveline, mandei trazer algo especialmente pra você!’’. Fiquei louca! Me arrumei toda e corri pra lá. Ainda no caminho, não aguentei de ansiedade e liguei pra perguntar do que se tratava. ‘’É uma blusinha linda!’’, me animou a vendedora. Passei, então, na casa de uma amiga, a Grazi, e a convidei pra ir junto. Preocupada, ela não se conteve: ‘’Se você for até lá, nunca mais fale comigo! Chega, Eveline! Não posso ser conivente com isso. Você não tem onde guardar mais roupa!’’. Voltei pra casa e passei o resto da manhã chorando de raiva.

    Eu só comprava 

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    Apesar da minha revolta, a Grazi estava certa. Eu tinha 516 pares de brincos, 50 pares de sapatos, cerca de 60 pulseiras e 40 colares. Maquiagem, então, nem se fale: 80 lápis para olhos, 90 sombras, 40 batons… Meu filho tinha 32 mamadeiras, de todos os tipos: pequenas, grandes, redondas, quadradas, com bichinhos… Eu vendia produtinhos de revistas, mas sempre que as encomendas chegavam, não conseguia entregá-las. Pegava tudo pra mim. Eu já não sabia mais o que fazer com tanta coisa. Então, doava para minhas amigas peças que eu sequer tinha usado ou pago. Depois, comprava tudo de novo. Quando eu chegava em casa cheia de compras, me desligava do mundo. No entanto, além das sacolas, carregava também os inúmeros carnês com parcelas a perder de vista. 

    Toda endividada 

    Tem gente com problemas envolvendo cigarro, álcool, drogas. Bom, a minha compulsão é diferente. Sou viciada em compras. Você pode até pensar: “Que frescura de Patricinha!”. Na verdade, venho de família humilde. Eu batalho desde os 13 e meus salários nunca ultrapassaram os R$ 500. Mesmo assim, se deixar, eu compro sem parar. Minhas dívidas, em um mês, já chegaram a ultrapassar quatro vezes o que ganho no mesmo período. Quando criança, tudo em casa era racionado. As roupas eram super aproveitadas e usávamos os tênis até a sola furar. Eu ficava triste, mas entendia. Meus pais faziam o que podiam. Por isso, desde meu primeiro salário, nunca consegui me controlar. Levava tudo que minha imaginação adolescente desejasse. Eu me sentia o máximo!

    Minha compulsão era uma doença 

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    Certa tarde, a Grazi foi até minha casa: ‘’Amiga, sua situação é crítica. Se você quiser, eu te ajudo a tomar uma providência’’. Então, ela tirou da bolsa um filme para vermos juntas. Chamava- se Os Delírios de Consumo de Becky Bloom. Ao assistirmos, comecei a rir, mas era pra disfarçar a vergonha. Eu era igual à protagonista. Em determinada cena, a atriz diz: ‘’Eu compro para ficar feliz. Mas logo aquela euforia passa e vem um vazio, uma tristeza. Então, compro de novo’’. Ali, eu percebi que estava doente. Ao me dar conta disso, apenas deitei e chorei. A Grazi me aconchegou e disse: ‘’Você não está sozinha, Evi. Estou com você’’. Então, com a ajuda dela, comecei a me policiar.

    Congelei os cartões 

    Tinha a doença do 'preciso comprar'

    Passei três semanas bem. Então, confiante na minha melhora, parei, despretensiosa, em frente a uma vitrine de calçados, só pra espiar… No entanto, assim como um alcoólatra não pode ter bebida por perto, eu não podia frequentar lojas. Aí, não resisti. Experimentei uma bota e, pasmem, levei três iguais, uma de cada cor. Juro, a vendedora me olhou com uma cara de ‘’Que mulher louca!’’. Realmente, estava demais. Então, a Grazi me ajudou a montar um plano de ação: recolhemos todas as contas pra saber quanto eu devia — quase caí pra trás quando vi! —, diminuí meus limites nos bancos, congelei meus cartões de crédito (veja foto acima) e passei a freqüentar um psicólogo.

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    Eu preciso disso? 

    Não foi fácil. Às vezes ainda me pego olhando para algo super dispensável com aquela sede de consumo. Mas desvio a atenção e, assim, esqueço. Já faz dez meses que está tudo controlado. Faço trabalhos no computador para aumentar minha renda mensal, que recebo como servente de uma escola. Assim, já paguei 90% das contas. Agora, com mais consciência, planejo meus gastos e, antes de adquirir algo, sempre me pergunto: ‘’Eu realmente preciso disso?’’.

    Meu plano de ação 

    Aceitei que comprar descontroladamente é uma doença.
    • Coloquei todas as contas e despesas do mês no papel.
    • Diminuí todos os limites das contas bancárias.
    • Evitei comprar a prazo. As parcelas dão a falsa impressão de que se está gastando menos, mas os juros são tão altos que eu acabava pagando por dois produtos.
    • Não saio mais de casa com cartões de crédito.
    • Pedi socorro para uma amiga e procurei auxílio com um psicólogo (também pode ser um grupo de ajuda).
    • Criei metas de economia de dinheiro e estipulei datas para alcançá-las. 

    DA REDAÇÃO

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    Reconheça a doença

    Com a popularização do cartão de crédito, o acesso aos bens de consumo aumentou. As pessoas foram tomadas por uma compulsão generalizada pelo comprar. ‘’A busca externa para preencher um vazio interno acontece com a maior parte da população. Possuir cada vez mais coisas é algo que remete à felicidade, ao sucesso, ao poder, à sensualidade…
    E quando o indivíduo percebe que a euforia gerada pela nova aquisição dura pouco, repete o mecanismo’’, revela a psicoterapeuta Léa Michaan, de São Paulo. Mas o hábito de comprar compulsivamente pode não resultar apenas em uma crise financeira temporária. Se viver com a conta no vermelho já se tornou algo normal, fique atento, pois pode ser uma doença. ‘’A oneomania é a vontade exagerada de comprar coisas, mesmo sem ter dinheiro ou sem que exista necessidade’’, explica a especialista. 

    Segundo o Serasa, maior banco de dados de créditos do Brasil, cerca de 6% da população mundial sofre com a doença. O problema é tão comum que já existem grupos de ajuda para tratá-lo. Um deles é o Devedores Anônimos (D.A.), presente em cinco cidades do país: São Paulo (SP), Londrina (PR), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Fortaleza (CE). A recuperação é feita por meio de reuniões e trocas de experiências. Os participantes mais antigos ajudam a desenvolver planos de ação. No entanto, a qualquer hora é possível contatar um membro do grupo. Basta acessar o site https://www.devedoresanonimos-sp. com.br. O portal também disponibiliza um questionário para que a pessoa descubra se sofre ou não da doença. 

    Os delírios de consumo de Becky Bloom

    O filme, uma adaptação do livro de mesmo nome, conta a história de Rebecca Bloomwood, uma garota cheia de humor, sonhos e… Dívidas! Ela é uma consumista compulsiva que vai parar no fundo do poço financeiro por causa do seu vício. Para conseguir pagar suas contas, a personagem precisa arranjar um emprego novo. Por ironia do destino, ela começa a trabalhar como colunista de finanças pessoais de uma revista.
    Na trama, Becky precisa conciliar a quitação de todas as suas parcelas com o segredo que revela seu passado aos colegas da nova empresa.

     

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