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“Quando decidimos ser mãe, pensamos apenas no lado poético e esquecemos que existem coisas que fogem do nosso controle”

Mãe de Catarina, que nasceu com uma doença rara, Priscilla Fiorin conta sobre seu aprendizado e as dificuldades de enfrentar uma UTI pré-natal

Por Fernanda Morelli
Atualizado em 27 out 2016, 23h59 - Publicado em 3 mar 2016, 16h00
Acervo pessoal
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Minha filha foi muito desejada. E muito planejada também (eu e meu marido esperamos sete anos após o casamento para decidir que era a hora certa). A gravidez foi tranquila, completamente normal. Até que chegou o dia do parto. Assim que Catarina nasceu, meu marido logo percebeu que ela apresentava um desconforto (nenhuma anomalia havia sido vista nos exames básicos do pré-natal). Ela salivava muito, pelo nariz e pela boca, e, de repente, começou a ficar roxinha, como se algo de muito errado estivesse acontecendo.

Foi então que levaram Catarina para a UTI. A enfermeira nos informou que ela ficaria em observação, mas que logo voltaria para casa. Mas, com apenas 48 horas de vida, a minha filha teve que passar por uma cirurgia de emergência – ela nasceu com uma má formação no esôfago (atresia do esôfago, problema congênito caracterizado pela interrupção do desenvolvimento do esôfago durante a gravidez) e se submeteu a um procedimento que liga o órgão ao estômago. O problema é que uma semana depois ela teve uma infecção, que a deixou um mês no hospital.

Quando soubemos que a cirurgia não deu certo, pensei que ela ia morrer. Mas não falei nada. Cheguei até a levar (sem contar para ninguém) sua certidão de nascimento ao hospital caso o pior acontecesse. Sem eu saber, meu marido fez a mesma coisa. Mas não falávamos sobre esse assunto. Estávamos desesperados, não queríamos admitir que poderíamos perder nossa pequena.Só tinha uma certeza: que eu não queria velório se ela viesse a falecer.

Por causa dessa doença rara (1 para 4 mil nascimentos), ela não poderia se alimentar normalmente, já que seu problema é justamente uma má formação no  canal que conduz o alimento até o estômago. Logo pensei: Mas se ela não pode comer ela vai morrer? Entrei em desespero.

Ela operou de novo e os médicos decidiram colocar uma sonda, para que ela pudesse se alimentar e receber os nutrientes necessários. Quando ela completasse um ano, poderia, finalmente, fazer uma nova cirurgia que a permitiria se alimentar normalmente. Hoje, Catarina tem um “buraquinho” no pescoço por onde sai qualquer alimento que ela engolir – às vezes ela sente falta de mastigar e sentir gosto das coisas, então permitimos que ela ingira alguns alimentos, mas, de modo geral, ela se alimenta somente pela sonda.

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Duas coisas, nesse tempo todo, me doíam muito: a primeira é não ter muita informação sobre a doença (é rara e pouco se sabe sobre ela). Minha sorte é que desde que a descobrimos encontrei profissionais maravilhosos, como meu pediatra, que se propôs a estudar e aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto, para me ajudar a cuidar de Catarina. E é justamente aí que entra minha segunda dor: pensar nas mães que passam por problemas assim (ou parecidos) sem a mesma condição, sem esse suporte.

Não é fácil, nada é acessível, é preciso ter uma baita estrutura, além de assistência médica em casa. Sem isso, não sei como ela poderia sobreviver, ou, pelo menos, ter uma vida próxima do normal.

Nessa minha jornada de quase um mês no hospital, indo todos os dias para a UTI Neo Natal, aprendi muita coisa. É um lugar que você jamais se imagina quando se torna mãe. Tudo que você pensa, quando está grávida, é no quartinho do bebê, nos passeios de carrinho, nas visitas de famílias e amigos, nos momentos a sós com sua filha – nunca passa pela nossa cabeça passar esse momento em um hospital. Mas assim como eu, vi várias mães outras na mesma (e dura) situação.

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Tinha casos de mães com câncer, que precisaram dar a luz antecipadamente para poder fazer quimioterapia, outra com seu bebê que fora operado dentro da barriga porque a coluna não se formou direito, entres outros vários casos que nenhuma mãe imagina passar. Doenças e problemas de diversos graus, em situações em que ninguém compete drama, estão todas as mães no mesmo barco, longe de onde gostariam de estar e da situação que sempre sonharam. Mães que se confortam, se apoiam, encontram, nas outras mães, um verdadeiro suporte emocional.

Resolvi então, que, ao invés de me afundar, iria canalizar esse sofrimento para o bem. Nunca me pergunto por que isso aconteceu comigo. No começo, era tudo desconhecido. Hoje, (eu e meu marido) já sabemos lidar muito bem com a doença. Como se sabe muito pouco sobre ela, tento ajudar outras mães que passam por isso com tudo que aprendi. Temos um grupo nas redes sociais em que trocamos muita informação e trabalho voluntariamente ajudando essas mulheres nas dificuldades do dia a dia.

Hoje, com um ano (recém-completado), Catarina está ótima, quase falando,e é supersorridente. A sonda foi substituída por um tipo button (espécie de tubinho que é acoplado à pele na barriga) que incomoda menos. Em breve, minha filha fará a tão esperada cirurgia, que, apesar de bastante complexa – o esôfago é reconstruído com partes do intestino – a permitirá ter uma vida normal. 

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