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Precisamos falar a língua de nossos bichos?

Um dos principais pesquisadores brasileiros do comportamento animal, o veterinário Mauro Lantzman explica as consequências da relação cada vez mais íntima que estabelecemos com nossos cães e gatos

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 27 out 2016, 21h15 - Publicado em 27 nov 2011, 22h00
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    A maior parte das queixas, como xixi fora do lugar e a destruição de objetos, tem solução simples
    Foto: Getty Images

    Você sabia que muitas pessoas que se queixam de não conseguir controlar seus bichos acabam se desfazendo deles?. Por dia, só no Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo, cerca de 60 cães (30% deles de raça) são abandonados pelos donos sob alegações do tipo “destrói os móveis” ou “late muito”. Caso não encontrem um novo lar em poucos dias, o destino deles é a morte. Muito triste, não é mesmo?

    O que está dando errado? O que faz o melhor amigo do homem se tornar um fardo? “Há um problema sério de má comunicação entre as pessoas e seus bichos porque elas desconhecem as necessidades e características próprias de cada raça”, afirma o veterinário paulista Mauro Lantzman. “Daí elas entram em conflito com eles, e isso provoca desvios de comportamento.” Um dos principais pesquisadores sobre comportamento animal do Brasil, Lantzman se dedica a estudar e a entender o bicho com base em uma perspectiva não só física, mas também pelo tipo de interação que mantém com os donos e o ambiente. “Vi que muitas queixas em meu consultório tinham origem no contexto familiar, o que me fez investigar as bases psicológicas da relação.” Lantzman chega a levar duas horas em consulta – realizada, geralmente, na casa do cliente – para encontrar a solução de problemas como a agressividade ou de hábitos estranhos, como a automutilação. Confira a entrevista :

    Por que gostamos tanto da companhia de animais de estimação?

    Buscar contato com outros animais é uma tendência natural do ser humano. O curioso é que, segundo algumas teorias, essa necessidade teria origem biológica, já que nossa espécie, Homo sapiens, aprendeu muitas técnicas de sobrevivência, como a caça e a construção, ao observar os animais. Outro traço que nos aproxima deles é nossa tendência de sermos cuidadores: somos automaticamente cativados por filhotes. Não é à toa que esse traço influenciou o desenvolvimento das diversas raças de cães que conhecemos hoje: embora todas sejam descendentes dos lobos, nós, inconscientemente, fomos selecionando e privilegiando cruzamentos entre aqueles cães que, além de nos oferecer proteção e ajuda em diferentes tarefas, conseguiam reter, depois de adultos, mais características infantis, como traços arredondados e temperamento dócil, transformando o cachorro numa companhia cada vez mais popular.

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    O lugar do bicho na família moderna mudou?

    Sempre tivemos uma ligação afetiva com nossos animais. Mas uma coisa é ter um cão de guarda no quintal e a outra é permitir que ele viva dentro de casa e participe intimamente da vida da família. Quanto mais perto, maior o vínculo e a intimidade – e não há como negar que a redução do espaço das moradias nos centros urbanos favorece esse contato mais próximo. Além disso, nossa cultura hoje valoriza a troca afetiva com o animal. Várias pesquisas mostram como a presença dos bichos diminui o stress em períodos de crise, como divórcio, doenças terminais e solidão, entre outros benefícios. A simples instalação de um aquário no refeitório de clínicas de doentes mentais, nos Estados Unidos, foi suficiente para aumentar em 27% a ingestão de alimentos e melhorar o índice de satisfação no trabalho entre seus funcionários. Já há, portanto, um certo consenso de que essa é uma relação que nos faz bem tanto física quanto emocionalmente.

    E na prática, estamos sabendo ser “o melhor amigo” de nossos bichos?

    Estamos, sem dúvida, olhando de forma diferente para os animais. Quanto mais parecidos e próximos de nós eles estão, é natural que nossa preocupação com o bem-estar deles aumente. Mas ainda há um longo caminho. O principal empecilho hoje é a falta de informação das pessoas e dos próprios profissionais. Os distúrbios de comportamento são ainda a principal razão que leva as pessoas a abandonarem seus animais. Mesmo gostando de bichos e estando bem-intencionados, temos cometido erros graves, que causam muito sofrimento e até a morte deles.

    Que erros?

    O principal é trazer um bicho para casa por impulso, sem pensar direito se a família está preparada para adotar uma mascote ou mesmo se há condições financeiras para mantê-la e tempo para dedicar atenção e cuidados. Avaliar esses fatores, o tempo de vida de um animal e até desistir de adotar um bicho por um desses motivos é um ato de respeito e de responsabilidade. Outro erro comum é não escolher direito a raça. É fundamental pesquisar antes sobre as características e necessidades do animal que você está pensando em adotar e ver se elas se encaixam em seu estilo de vida. Você tem crianças? Mora em apartamento? Há restrições legais no seu condomínio? Tem paciência para brincar? Tudo isso influencia no tipo de animal ideal para você.

    Não é estranho falar no bicho como um produto a ser avaliado? Se o resultado da avaliação não for o esperado, o que se faz?

    Não, não se trata disso. Estou falando aqui das condições ideais. É claro que os bichos entram em nossas vidas das mais variadas maneiras. Mas minha mensagem é: se você tiver a chance de escolher, escolha direito. É melhor escolher agora e evitar, assim, uma série de problemas e frustrações. Para alguém que não tem experiência, a adoção de um cão agressivo ou dominante pode resultar em desastre. Nesse caso, por mais estranho que possa parecer, recomendo que, se ainda estiver dentro do prazo de “garantia” oferecido pelo criador, que, em geral, é de 15 dias, a pessoa troque o animal. É um cuidado capaz de decidir o destino de uma vida.

    E quando a paixão é por um vira-lata ou por um cão “não recomendado”?

    Até onde for possível, investigue o histórico de comportamento dos pais do filhote. Caso não consiga, é importante estar com o coração aberto e preparado para, possivelmente, ter um pouco mais de trabalho e aprender a conviver com o animal do jeito que ele é. Por mais que seja treinado, não se pode esperar que o cachorro seja exatamente como você quer se essa não for a natureza dele. Você é totalmente responsável pelo animal que adota e é preciso ter consciência de que esse é um compromisso para toda a vida dele – que pode durar até 15 anos para um cão ou gato, dependendo da raça.

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    Que cuidados podem ajudar o relacionamento a dar certo?

    Dos dois aos quatro meses de vida, é fundamental que o filhote tenha contato com pelo menos três pessoas, de diversos aspectos físicos e idades, e que seja acostumado a freqüentar lugares com diferentes ruídos, cheiros, movimentação e iluminação. Isso requer certo esforço do dono. Leve-o à casa de amigos, em passeios pelo bairro e a outros lugares onde a presença de animais seja permitida para que ele perca o medo de situações novas. Após essa fase, vem a educação propriamente dita. Há livros sobre o assunto que podem servir de base, mas o ideal é que a aprendizagem seja orientada por profissional, com a presença do bicho e do dono.

    Precisamos falar a língua de nossos bichos?

    Nossos olhos e gestos valem muito para nossos animais, e eles precisam transmitir autoridade
    Foto: Dreamstime

    O que fazer com um bicho difícil?

    A maior parte das queixas, como xixi fora do lugar e a destruição de objetos, tem solução simples com a orientação de um especialista. Outros distúrbios mais complexos, como ansiedade de separação, na qual o bicho não consegue ficar longe do dono, e lambedura compulsiva, que leva à automutilação, podem requerer até o uso de medicamentos. O importante é saber que a maioria dos comportamentos indesejados ocorre porque o animal se adaptou a determinada condição do ambiente ou da família. Pode ser que ele esteja só, pode ser que esteja reagindo a uma mudança na rotina. Meu trabalho é justamente o de investigar, na dinâmica da casa, a origem do problema e desenvolver estratégias para intervir e buscar soluções. Muitas vezes, por exemplo, basta mudar a caixa de areia para que o gato volte a fazer xixi no lugar certo ou passear mais vezes com o cachorro para que ele destrua menos os móveis.

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    Não estamos, então, sabendo entender nossos bichos?

    A forma como você vê e trata o animal pode gerar conflitos, especialmente se você interpretar seus sinais e necessidades com base em um referencial humano – como imaginar que um cão está sorrindo quando mostra os dentes ou que vai te morder quando abana o rabo. Acreditar que um bicho precise de sapatos, roupinhas e perfumes e exagerar no uso desses acessórios é outro hábito comum que compromete o bem-estar dele.

    O que podemos fazer para melhorar essa comunicação?

    É preciso, em primeiro lugar, ter consciência de que um cachorro não é capaz de compreender frases. Bicho não fala português. Tudo o que ele faz é associar determinadas palavras-chave a certos eventos, como passear”, e aprender por meio de estímulos positivos ou aversivos, aplicados na hora certa. Digamos que seu cão esteja roendo o pé do sofá: se você der uma bronca em puro português, vai demorar para ele entender. Mais eficiente, por exemplo, é bater palma bem forte, produzindo um som desagradável que o assusta. Roeu, levou um susto; roeu de novo, levou outro susto. Isso vale também para os gatos. Assim, em pouco tempo, eles perceberão que não é interessante mexer ali. Outro ponto importante para se fazer entender é passar a prestar mais atenção na linguagem corporal, na nossa postura e nas expressões. Nossos olhos e gestos valem muito para nossos animais, e eles precisam transmitir autoridade.

    Como transmitir autoridade?

    Com gestos e tom de voz firme, sendo enfático ao dar ordens, fazendo com que ele perceba que é submisso a você. Não há crueldade nisso. Muita gente se sente desconfortável em agir assim, mas é importante entender que no mundo canino não há espaço para democracia. Numa matilha, que é como o cão enxerga sua família, a hierarquia é clara: ou você domina ou é submisso. Evidentemente, para o bem geral, o melhor é que o homem esteja na primeira categoria.
     

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