Onze anos atrás, em 2006, começava a pipocar na Câmara de Deputados um assunto até então pouco debatido: a necessidade penalizar atos homofóbicos com uma lei específica. O Projeto de Lei nº 122, popularmente chamado de PL da Homofobia (criado pela então deputada Iara Bernardi) passou anos dividindo opiniões e acabou sendo engavetado em 2013. Decidiu-se que essa medida só será revista quando o Código Penal for totalmente reformado, coisa que está bem longe de acontecer.
Há quem acredite que uma lei dessa natureza seja desnecessária, por uma série de razões. Inicialmente, quando pensamos em atos homofóbicos logo nos vem à cabeça a violência física. Nesse caso, já existem leis que penalizam homicídio e lesão corporal, então por que a lei deveria tratar as vítimas LGBT de maneira diferente?
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“A questão não é que a gente não tem lei nenhuma para punir esse tipo de crime, temos sim. Homicídio por homofobia, por exemplo, é crime torpe [com motivo fútil, o que agrava a pena]. Mas nós precisamos dar esse passo [tipificar a homofobia na legislação] para que a gente possa se posicionar em relação aos crimes motivados pelo ódio“, aponta Marcelo Gallego, advogado que trabalha junto à Coordenação de Políticas para LGBT da Prefeitura de São Paulo.
E a violência física motivada por LGBTfobia – para usar um termo mais atual e amplo – ainda é um problema muito sério no Brasil. Segundo levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia em 2014, a cada 27 horas um brasileiro é morto por ser LGBT. Muita gente relativiza o problema, alegando que esse é um número irrisório frente ao total de homicídios que ocorrem diariamente no país. Acontece que precisamos ter em mente o seguinte: como qualquer pessoa, os LGBTs estão expostos à falta de segurança que, de fato, assola o Brasil, mas também correm o risco de serem feridos e mortos pelo simples fato de existirem e serem quem são. Para se ter uma ideia, o Brasil é líder mundial em número de assassinatos da população trans, segundo a ONG Transgender Europe.
Para além da aplicação de penas mais severas a quem agride e mata LGBTs motivado pelo ódio puro e simples, a criminalização da LGBTfobia também teria outro papel importante: coibir declarações com teor ofensivo. “O direito penal tem um efeito inibitório. Ainda que não seja amplo e absolutamente eficaz, ele pelo menos vai conter algumas coisas que hoje em dia se praticam sem freio algum. A gente vê esse discurso de ódio sendo proferidos com muita simplicidade. Então [a lei] tem esse efeito de desnaturalizar a violência, isso de achar que há uma permissão para esse tipo de violência. Não há! A pessoa ser do jeito que é não justifica esse ato [de ataque]”, diz a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat.
Então magicamente o ódio deixará de existir? Do dia para a noite as agressões, a discriminação e as ofensas farão parte do passado? Não. Mas, ao menos, uma lei contra a LGBTfobia marcaria o posicionamento do Estado contra a naturalização do ódio. Não é apenas sobre punição, é também sobre oficializar legislativamente que o ódio não será mais tolerado.
No mundo ideal isso nem precisaria ser debatido, mas a nossa sociedade ainda é assolada pela discriminação e, consequentemente, pela violência e pelo sofrimento que essa discriminação gera. “Enquanto essa conduta não for penalizada fica essa percepção de que se pode fazer isso sem maiores consequências”, acrescenta Duprat.
Mas ainda dá para esperar que a criminalização da LGBTfobia vire realidade?
De fato, o PL 122 está praticamente enterrado, mas uma outra proposta parecida tramita no Congresso. O PL 7582 foi lançado em 2014, pela deputada Maria do Rosário, e prevê que os crimes de ódio sejam penalizados de uma maneira mais ampla do que a proposta de 2006.
A ideia dessa lei é coibir a discriminação e a violência praticadas não só contra a população LGBT, mas também a outras minorias, como os refugiados, por exemplo. Desde 2015, o PL aguarda o parecer da Comissão de Direitos Humanos e Minorias para que o processo de aprovação possa seguir adiante.