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ONGs enfrentam dificuldade para sobreviver durante a pandemia da Covid-19

Dirigentes de ONGs falam sobre o drama da falta de dinheiro e sobre os desafios enfrentados no período de isolamento social

Por Júlia Warken
Atualizado em 22 abr 2024, 12h25 - Publicado em 31 Maio 2020, 10h30
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  • Se já não estava fácil antes, com a pandemia da Covid-19 as coisas ficaram ainda mais complicadas para as ONGs no Brasil. O isolamento social traz dificuldades operacionais, mas o maior problema é de ordem financeira para inúmeras instituições. A verba captada junto ao governo está cada vez mais escassa e as doações feitas por pessoas físicas também, especialmente para ONGs que prestam serviços tidos como “não essenciais” nesse momento.

    CLAUDIA conversou com dirigentes de três ONGs que prestam serviços às mulheres para entender melhor os desafios que elas estão tendo que enfrentar atualmente.

    A Turma do Bem e o atendimento odontológico a vítimas de violência doméstica

    A Turma do Bem é uma ONG que visa dar atendimento odontológico a quem não tem condições de pagar por esse serviço. A instituição existe formalmente desde 2002, conta com milhares de dentistas voluntários ao redor do país e já atendeu quase 80 mil pessoas. Através do projeto Apolônias do Bem, a ONG passou a dar atenção especial a mulheres vítimas de violência doméstica.

    Por conta da pandemia e da dificuldade em conseguir equipamentos de proteção individual (EPIs) os atendimentos odontológicos do Apolônias do Bem encontram-se suspensos. Atualmente, a Turma do Bem está dedicando-se a outro tipo de auxilio, distribuindo cestas básicas à população carente. “Temos uma relação próxima com as mulheres atendidas por nós. Então estamos cuidando destas famílias”, explica Fábio Bibancos, o fundador da ONG. Máscaras e material de higiene também estão sendo doados.

    É a primeira vez que a Turma do Bem distribui alimentos às pessoas, afinal, trata-se de uma ONG focada no tratamento dentário. “Na situação de isolamento, de falta de dinheiro e de falta de trabalho – muitas são diaristas e autônomas e não estão conseguindo trabalhar – a gente achou que as cestas básicas ajudariam. E, de fato, estão ajudando”, diz Bibancos.

    Durante a pandemia, a Turma do Bem também está envolvida em uma campanha voltada a denúncias de violência doméstica. Batizada de Sinal Vermelho Contra Violência Doméstica, a ação será lançada nacionalmente no dia 4 de junho. A pedido da organização da campanha, os detalhes ainda não podem ser divulgados, mas essa é uma ação de apoio efetivo a mulheres que têm dificuldade de denunciar agressões sofridas dentro de casa.

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    Apolonia1
    (Duda Rizek/Turma do Bem/Divulgação)

    Bibancos é muito direto em dizer que, atualmente, a ONG luta para sobreviver e, por isso, não há previsão de quando os atendimentos odontológicos voltarão a acontecer. “Todas as ONGs estão na penúria. Já vinhamos [tendo dificuldades], porque o atual governo federal odeia as ONGs e se posiciona sempre muito anti-organizações sociais. Então a gente já vinha sentindo uma grande repulsa, uma grande rejeição. Agora então… sem as pessoas podendo ajudar, as empresas sem fazer aporte. Está muito difícil”.

    Nos áureos tempos, a ONG chegou a ter 32 funcionários, hoje há apenas cinco. Bibancos explica que muitas pessoas são contratadas para atuar em projetos específicos e que tais projetos dependem de verba pública. “Quando o projeto acaba, a gente precisa mandar todo mundo embora. É desesperador”. Para ajudar a ONG é possível fazer doações através da plataforma Kickante. A campanha recebeu o nome de “Salve a Turma do Bem” e o valor mínimo é de 10 reais.

    Thing Olga: a informação como ferramenta de luta contra a desigualdade de gênero

    Criada em 2013, a Think Olga tem o “objetivo de empoderar mulheres por meio da informação”. A ONG visa produzir conteúdo jornalístico gratuito, com muita pesquisa sobre assuntos relevantes às mulheres, e também toca diversos projetos ligados à informação. Um dos mais recentes envolve a capacitação de policiais para compreender o que é importunação sexual, a fim de que as vítimas desse delito sejam atendidas da maneira correta. 

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    Nana Lima, uma das diretora do Think Olga, explica que, mesmo em tempos “normais”, ONGs voltadas a questões de gênero acabam recebendo muito menos apoio financeiro do que outras instituições. Um levantamento feito em 2018 pelo Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE) mostra que apenas 5% das empresas que realizam investimento social apoiam ONGs focadas em mulheres e meninas. Num cenário de pandemia, a situação se complica ainda mais, pois os recursos foram congelados e cortados, e o foco está voltado para ações de assistência emergencial.

    Assim como aponta Fábio Bibancos da Turma do Bem, Nana também chama a atenção para o fato de que, normalmente, as ONGs recebem verba por projeto. “As pessoas esquecem que você pode receber o apoio para uma ação, para um projeto que a gente faz – por exemplo, para a continuidade da campanha ‘Chega de Fiu Fiu’. Então, a gente recebe um financiamento para essa campanha, mas as organizações também precisam do apoio institucional para manter a ONG viva. Precisamos manter a equipe, que é a nossa prioridade, pagar o aluguel, dentre outros gastos”.

    Think Olga
    (Think Olga/Divulgação)

    Por conta do isolamento social, grande parte dos projetos da Think Olga estão em stand by, mas há também aqueles que vêm sendo adaptados para funcionar de maneira virtual. Em contrapartida, um novo projeto está intimamente ligado ao momento atual. “Na segunda semana da quarentena em São Paulo, lançamos um report chamado ‘Mulheres em Tempos de Pandemia – Os agravantes da crise e os catalisadores de mudança’. Ele tem três eixos: saúde, economia e trabalho, e violência contra a mulher. A gente entendeu que muito estava sendo falado sobre a pandemia, mas sem recorte de gênero”, aponta. A partir desse report, a Think Olga vai criar um laboratório de investigação e uma plataforma online, a fim de achar soluções para os problemas referentes ao três eixos tratados. Atualmente, a ONG busca apoio financeiro para dar continuidade ao projeto.

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    Nana também explica que a Think Olga recebe apoio financeiro de empresas estrangeiras e diz que isso está ajudando a manter a ONG de pé. “A maioria dos nossos financiadores são internacionais e a gente sente que eles têm isso um pouco mais claro. Mas no Brasil a gente sentiu muito esse congelamento do apoio”. Quanto às doações feitas por pessoas físicas, Nana diz que elas acontecem só a partir de campanhas pontuais – como no Mês da Mulher, por exemplo.

    Para tentar contornar a crise, a ONG precisou renegociar com fornecedores, abrir mão do espaço físico e o salário das três diretoras foi reduzido. “A gente fez uma superanálise para ver o que poderíamos cortar, a fim de manter a equipe. Essa é a nossa maior prioridade”, garante. Contando com as diretoras, a equipe tem dez funcionárias, cujos empregos estão garantido até o fim do ano.

    O Instituto Maria da Penha e a assistência a mulheres vulneráveis

    Fundado em 2009, com sede em Fortaleza e representação em Recife, o Instituto Maria da Penha é uma ONG voltada a mulheres. O IMP visa contribuir para a aplicação da Lei Maria da Penha e também monitorar a implementação e o desenvolvimento das melhores práticas e políticas públicas para o seu cumprimento.

    Regina Célia Barbosa, a vice-presidente do Instituto Maria da Penha, explica que, felizmente, a ONG ainda não viu o volume de doações diminuir. Ela também comemora o fato de que o IMP conseguiu arrecadas centenas de cestas básicas junto à Procuradoria do Trabalho e ao Ministério Público. “Estão sendo distribuídas para as famílias em situação de vulnerabilidade social, principalmente as famílias de mulheres vítimas de violência e que ficaram desempregadas ou não puderam mais atuar no mercado informal”.

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    Instituto Maria da Penha
    (Instituto Maria da Penha/Divulgação)

    Por outro lado, o instituto precisou interromper diversas ações importantes, por conta do período de quarentena. “A nossa assistente social, por exemplo, tinha o hábito de ir três vezes por semana ao Hospital da Restauração (Unidade Pública Hospitalar do Estado), para saber das mulheres vítimas da violência física que são atendidas. É uma forma de nós sabermos, além da saúde, a situação jurídica, psicológica. Assim podemos prestar assistência social à vítima”, explica Regina.

    As rodas de conversa com mulheres – feitas em comunidades, escolas, empresas, igrejas, entre outros locais – também tiveram que ser suspensas, bem como as atividades do projeto Homens pelo Fim da Violência. Além disso, a pandemia dificulta o atendimento jurídico e psicológico às vítimas – feitos na sede da ONG. Agora, esse trabalho está sendo feito de maneira virtual. O curso de formação de voluntários também foi adaptado e agora funciona em formato EAD.

    Paralelo a isso, o aumento da violência doméstica durante a quarentena fez com que o instituto pensasse em ações especialmente voltadas ao momento atual. “Estamos promovendo Web Conferências Nacionais sobre diversas temáticas ligadas à violência doméstica contra a mulher: questões sobre relacionamentos abusivos, identificar quais as vulnerabilidades, estratégias e ações que as políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher dos Estados têm desenvolvido atualmente”, diz Regina.

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    Em parceria com as agências F.biz e Vetor Zero, o IMP também lançou uma campanha cujo pano de fundo é uma reunião por videochamada. No vídeo da campanha, uma mulher percebe que sua colega de trabalho pode estar sendo vítima de violência doméstica. Assista:

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