O que mudou para mulheres e jovens nos 100 dias do governo de Bolsonaro?
Veja os assuntos mais polêmicos que surgiram durante o governo do representante do PSL até agora.
Nesta quarta-feira (10), faz exatamente 100 dias que o governo de Jair Bolsonaro entrou em vigor no Brasil. Para entender o impacto disso na vida dos brasileiros, o MdeMulher relembra e explica quatro tópicos importantes – e um tanto polêmicos – sobre o governo, com a visão de especialistas. Confira:
Apenas duas ministras entre 22 representantes
Durante a campanha de Jair Bolsonaro, uma de suas promessas eleitorais era de que o governo seria composto por apenas 15 ministérios em vez de 29. Porém, ao anunciar quais seriam as divisões governamentais, 22 categorias foram trazidas a público, com um representante para cada uma.
Ainda que a luta para que mais mulheres ocupem cargos públicos politicamente siga firme, como mostra a deputada federal indígena Joenia Wapichana eleita, os números são extremamente baixos quando analisamos quais foram as escolhas de Bolsonaro para os ministérios.
Entre os 22 representantes escolhidos, apenas duas mulheres foram eleitas. A primeira a ser chamada foi Tereza Cristina, responsável pelo Ministério da Agricultura, e a segunda foi Damares Alves, responsável pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Mesmo com os debates recorrentes sobre a importância de representatividade e igualdade entre os números de homens e mulheres nos cargos em geral, o recente discurso do presidente mostrou que não é esse o pensamento dele. A fala polêmica de Bolsonaro aconteceu em uma cerimônia ao Dia Internacional da Mulher, 8 de março. Ele afirmou que as duas ministras valem por dez homens cada uma, tendo um governo equilibrado quando o assunto é gênero.
Flexibilização do porte de arma e a segurança das mulheres
Outra grande promessa de Jair Bolsonaro durante as Eleições 2018 era de que ele facilitaria o acesso à arma de fogo. Diferente dos ministérios, de fato, essa foi sua primeira atitude ao ser eleito como presidente.
Como explica Ana Paula Braga, advogada especializada em violência contra a mulher, o decreto assinado por Bolsonaro flexibiliza o processo de armamento pessoal, porque um dos requisitos é “residir em área urbana de estados com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes. [Porém] todos os estados e o Distrito Federal se encaixam nesse critério”. Isso faz com que um dos filtros para decidir quem pode ou não ter direito a arma de fogo seja apenas uma teoria que apenas facilita a prática.
Outra preocupação que surge com essa manobra governamental é o possível aumento dos casos de feminicídio. Segundo o “Mapa da Violência 2015 sobre Assassinato de Mulheres”, no Brasil, 55,3% dos homicídios contra mulheres são cometidos em ambiente doméstico e 33,2% dos criminosos são parceiros ou ex-parceiros das vítimas. Fica bem claro que uma arma em casa poderá multiplicar esses números.
Há uma ideia equivocada de que ter armas em casa poderia ajudar as mulheres a se defender de abusadores, mas afirmar isto é esquecer o cenário que o Brasil está inserido, como bem pontua Ana.
“Dizer que uma mulher também poderá se proteger não considera o fato de que ela está em situação de vulnerabilidade e submissão, inserida em um ciclo de violências que lhe retira a autoestima, a coragem. Ainda por cima, as mulheres que estão em situação de violência doméstica são, em sua maioria, economicamente dependentes dos parceiros. Com que dinheiro ela vai comprar uma arma? Como ela irá aprender a manejar a arma para se defender? Se ela não consegue sair de casa porque ainda não consegue bancar a si mesma e aos filhos, comprar uma arma vai ser prioridade?”.
Damares Alves como ministra do ‘Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos’
A escolha de Damares Alves como representante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos poderia ser uma grande vitória para a luta feminina por mais representatividade nos cargos políticos, porém ela tem sido uma fonte de polêmicas e contradições.
Para começar pelo exemplo que mais gerou debate. Damares ganhou os holofotes da mídia ao se opor contra o que ela define como “ideologia de gênero”. Para mostrar o seu posicionamento, ela afirmou em vídeo que “menino veste azul e menina veste rosa”. Ter essa declaração na voz de uma ministra é problemático porque reforça a ideia de que uma pessoa só pode pertencer a um dos gêneros, ignorando completamente o fato de que existe quem não se reconhece com nenhuma das opções ou ainda que se vê dentro das duas ao mesmo tempo. Além de reafirmar a divisão por gênero, isto é, que algumas coisas são exclusivamente de homens e outras de mulheres. Isso sem falar que a discussão é rasa diante de tudo que já foi pensado e estudado sobre o tema.
Outro episódio emblemático foi o posicionamento de Damares ao escolher o maquiador Augustín Fernandez para ajudá-la na criação de políticas públicas destinadas ao combate da violência contra as mulheres referente ao Dia Internacional da Mulher. A pergunta que surgiu com essa atitude foi: por que não chamar uma própria mulher para falar sobre o assunto, já que é o foco é a proteção da própria figura feminina?
Ainda no Dia Internacional da Mulher, em um vídeo divulgado pelo G1, a ministra defendeu que a busca pela igualdade entre os gêneros só aumentará a violência contra as mulheres. “Os meninos vão ter que entender que as meninas são iguais em direitos e oportunidades, mas são diferentes por serem mulheres. E precisam ser amadas e respeitadas como mulheres. Enquanto os nossos meninos acharem que menino é igual a menina – como se pregou no passado, algumas ideologias – já que é igual, ela aguenta apanhar”.
Os prejuízos da Reforma da Previdência para as mulheres
Uma nova proposta para a Reforma da Previdência foi encaminhada por Jair Bolsonaro em fevereiro de 2019. Para entender como ela pode prejudicar as mulheres, é preciso lembrar que a Reforma Trabalhista feita em 2017, durante o governo de Michel Temer, já mudou negativamente o cenário feminino, como expõem Marina Ruzzi, advogada especializada na área do previdenciário.
“A situação das mulheres no mercado de trabalho já havia sido significativamente afetada pela Reforma Trabalhista, que em vários pontos retirou direitos ou então flexibilizou-os a tal ponto que provavelmente deixarão de existir num curto período de tempo. Por conta disso muitas pessoas, em especial mulheres, estão sujeitas a desemprego ou a empregos informais”.
Com essa realidade dura, Marina explica que esse processo favorece para que a contribuição fique ainda mais difícil e, consequentemente, o arrecadação futura também. “A Previdência Social, diferentemente da Assistência Social, é um sistema de proteção social contributivo. Isso significa que pessoas que não estão inseridas no mercado formal, isto é, com carteira assinada, dificilmente terão acesso aos seus benefícios. Em um contexto em que as mulheres estão sendo marginalizadas no mercado de trabalho, temos que elas, que hoje são as principais beneficiárias, serão marginalizadas do sistema de Previdência, que deveria agir para remediar desigualdades”.
A advogada também pontuou uma questão importante quando o assunto é a jornada feminina. Com a nova reforma, a contribuição seria de 20 e não mais 15 anos, independente do gênero. Porém, estipular essa regra é ignorar completamente que as mulheres não possuem as mesmas condições de trabalho dos homens.
“As mulheres ficam em média 5 anos afastadas do mercado por conta da gravidez e dos cuidados na primeira infância dos seus filhos. Isso significa, consequentemente, que ela costuma ficar 5 anos sem contribuir para a Previdência Social, prejudicando seu tempo de contribuição. Além disso, as mulheres ainda são as principais (senão, únicas) responsáveis pelo trabalho doméstico. Esse trabalho é essencial para a manutenção das famílias e a viabilização do trabalho remunerado de seus companheiros, que não precisam se preocupar com fazer o alimento, lavar roupas e outras tarefas indispensáveis”, exemplifica Marina.
A especialista também faz uma ressalva sobre a possibilidade de aposentar recebendo integralmente o que contribuiu. “Outro ponto da Reforma que é sensível às mulheres é o aumento de 30 para 40 anos de contribuição para o recebimento da aposentadoria integral. Atualmente apenas 30% das mulheres se aposenta por tempo de contribuição. Se esse índice já era baixo, com o aumento de 10 anos (e possivelmente ainda mais) certamente afastará ainda mais a chance de mulheres conseguirem se aposentar com dignidade!”.
As contradições do projeto “Escola Sem Partido”
O projeto “Escola Sem Partido” resultou em inúmeros projetos de lei que tramitam em câmaras municipais, assembleias legislativas e no Congresso Estadual. De acordo com o advogado e idealizador do projeto Miguel Nagib, em uma entrevista ao G1, o intuito da proposta nada mais é do que expor um cartaz nas salas de aula que determinam os direitos e deveres dos professores.
Porém, ao acessar o site em que o projeto é exposto, as abas são agressivas e constroem a imagem do professor como de um inimigo. Por exemplo, duas delas são descritas como “Flagrando o Doutrinador” e “Planeje sua denúncia”, dando a entender que o educador é possivelmente um criminoso.
É possível perceber também que a proposta é mais do que construir um guia para os professores quando há um tópico exposto no portal nomeado com “Síndrome de Estocolmo”. Nele, afirma-se que os alunos podem não perceber a relação de poder construída pelo educador por esse estado psicológico em que a vítima se identifica de alguma forma com o agressor e não o reconhece de tal forma.
Como aponta Andrea Ramal, ainda no G1, esse tipo de movimento que busca respaldo na justiça para que seja visto como lei pode acarretar em momentos caóticos, como “famílias processando escola e professor porque este mencionou determinado pensador, ou porque não deu o mesmo tempo de aula sobre o pensador ‘concorrente'”.
E assim conclui-se essa análise dos 100 dias do governo Bolsonaro. O olhar atento aos próximos passos do presidente continua para entender como suas atitudes como representante do país o impactará.