Em meio a chapéus pontudos, musicais da Broadway, voos de vassoura e reações “divertidas” no Facebook, as bruxas são, com certeza, uma parte essencial do que entendemos hoje por cultura pop. Mas você sabe dizer o que de fato representa (e, acima de tudo, o que já representou no passado) o uso deste termo?
Witch, please
Principalmente pela semelhança sonora, hoje em dia witch, “bruxa” em inglês, é uma palavra comumente utilizada como eufemismo para bitch, “puta”. A substituição, no entanto, pode também ter outros significados: ambos os termos, afinal de contas, são e foram usados ao longo da história para diminuir, perseguir e até mesmo matar mulheres.
Nada impediu, entretanto, que em 2011 a primeira mulher na história a liderar o parlamento australiano, Julia Gillard, fosse chamada ao mesmo tempo de bitch e de witch por seu opositor político, Tony Abbott. Como ela escolheu responder? Com um discurso poderoso e empoderador.
Se é verdade que Abbott usou o termo “bruxa” para agredir a então primeira ministra, ela soube usar isso a seu favor. Isso porque, ao mesmo tempo em que as bruxas de que já ouvimos falar podem ser muito diferentes entre si, uma coisa todas elas têm em comum: poder (ou poderes!).
As Bruxas de Oz
“O termo ‘bruxa’ traz um elemento de maldade sobrenatural que não tem equivalente masculino no senso comum”, opina em artigo na Bust Magazine a especialista Kristen Sollee. Ela é ativista, editora do site Slutist e professora de estudos de gênero da The New School, faculdade de Nova York. “Mulheres públicas, poderosas e controversas são comumente marcadas com este termo – e uma breve pesquisa online por “Hillary Clinton + witch” nos traz hoje uma infinidade de memes e cartuns, que a mostram com pele verde e outros aspectos que nos remetem à Bruxa Malvada do Oeste“, continua ela.
A bruxa em questão, lembrada principalmente por sua aparência em O Mágico de Oz de 1939, é fruto da imaginação de L. Frank Baum, autor do livro de 1900 que inspirou o longa-metragem. Foi principalmente por conta da irmã desta personagem – Glinda, a Bruxa Boa do Sul -, que a obra revolucionou a visão que o senso comum tinha das bruxas: elas não precisavam ser necessariamente más. Para conseguir causar tal revolução, L. Frank Baum recebeu um empurrãozinho de sua sogra, Matilda Joslyn Gage. Ela foi uma estudiosa, sufragista, feminista e maravilhosa mulher do século 19.
Historiadora e diretora executiva do Gage Center, Sally Roesch Wagner também é mencionada por Kristen Sollee no artigo da Bust Magazine. De acordo com esta especialista, Gage teve papel fundamental na desestigmatização das bruxas, com a publicação do livro Women, Church & State (“Mulheres, Igreja e Estado”, em tradução livre), de 1893. Na obra, ela fala sobre como as bruxas, perseguidas ao longo da história, não eram feiticeiras do mal – e, sim, simplesmente mulheres perseguidas pelo Estado cristão. Segundo Gage, a palavra bruxa chegou um dia a significar “uma mulher de sabedoria superior”.
Sem as provocações de Gage, nunca teríamos superado a visão de que bruxas são estas ” feiticeiras do mal” – e nunca teríamos visto Glindas, Sabrinas, Hermiones, Samanthas e nem mesmo as bruxinhas das reações que o Facebook preparou, este ano, para o Halloween.
Bruxas unidas jamais serão vencidas
A relação do feminismo com a ideia da “bruxa”, portanto, vem de longa data. O programa A Feiticeira, inclusive, que traz uma das principais “bruxas boas” da cultura pop, apareceu na televisão norte-americana em 1964 – um ano depois de o clássico feminista A Mística Feminina, de Betty Friedan, ter sido lançado.
Isso não quer dizer, no entanto, que é só com essa espécie de bruxa, a “boa”, que o movimento se relaciona.
A ressignificação do termo “bruxa” iniciada por Matilda Joslyn Gage também permitiu o surgimento do W. I. T. C. H., grupo de ativismo feminista, em 1968. O significado da sigla? Women’s International Terrorist Conspiracy from Hell, ou Conspiração Terrorista Internacional de Mulheres do Inferno, em tradução livre.
Bruxas “boas”? Com certeza não. Agora, bruxas “más”? Isso tampouco. Como é mostrado no documentário She’s Beautiful When She’s Angry, disponível na Netflix, este grupo confrontava o machismo, o capitalismo e as grandes corporações. Elas protestaram, por exemplo, em frente à Bolsa de Valores de Nova York (olá, Occupy Wall Street) e chegaram a enviar pelo correio, uma vez, unhas e cabelos a uma universidade após a demissão de uma professora feminista.
Jovens bruxas
“Eu sou realmente uma bruxa”, disse a rapper Azealia Banks no Twitter em 2015. A história causou confusão – por mais inofensiva que possa ter parecido a declaração – e chamou atenção ao fato de que o termo “bruxa” foi ressignificado mais uma vez.
De acordo com Kristin Sollee, a “bruxaria” é hoje uma prática comum, entre as jovens norte-americanas mais politizadas. As cartas de tarô, a volta à medicina herbal, e, acima de tudo, a vivência do feminismo têm papel essencial nesta retomada.
Em entrevista ao HuffPost norte-americano, a especialista comenta essa retomada. “Mulheres jovens estão procurando por um arquétipo fora do binarismo exaustivo entre ‘a virgem’ e ‘a puta’ que nos tem sido oferecido – e, nesse sentido, ‘a bruxa’ pode ajudá-las”, ela diz. “Tradicionalmente, os arquétipos femininos conseguem seu poder através de outras pessoas. Pense em coisas como ‘a mãe’, ‘a rainha’, ‘a filha’. Todos estes são arquétipos ‘adoráveis’ para as mulheres, mas eles obtêm seu poder a partir das relações com outras pessoas. Enquanto isso, ‘a bruxa’ obtém poder dela mesma“.