“O mundo do trabalho não está bom nem para os homens”
Para a antropóloga Mirian Goldenberg, um mundo mais justo depende da mudança de comportamento, não apenas de discursos sobre igualdade
O mundo ideal já está em gestação. Pelo menos no desejo dos brasileiros. A boa notícia é que ele será muito melhor do que este em que vivemos hoje. É o que mostra uma pesquisa realizada por Molico, marca de produtos lácteos da Nestlé, em parceria com a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois de entrevistar mil pessoas em todo o território nacional, o levantamento concluiu que a maioria gostaria de viver em um ambiente repleto de valores que foram associados ao feminino: mais gregário, empático, baseado em relações inclusivas e menos bélicas. Seis em cada dez respondentes, por exemplo, afirmaram desejar uma realidade mais honesta. E metade marcou felicidade e solidariedade como outros atributos esperados. Trata-se de um cenário bem diferente daquele que vivemos hoje, em que prevalece a violência, a desonestidade, a agressividade ou a competição, traços considerados masculinos.
O trabalho faz parte de um grande projeto intitulado O Valor do Feminino, que inclui ainda séries de minidocumentários sobre a humanidade que todos, homens e mulheres, carregamos dentro de nós. A seguir, confira o depoimento de Mirian Goldenberg.
“Algo que precisa ficar muito claro é que valores não têm gênero. Embora nossa sociedade associe alguns deles ao feminino e outros ao masculino, como mostrou nossa pesquisa, isso é reflexo de estereótipos. Valores são universais, são humanos.
Dito isso, gostaria de comentar sobre o que mais chamou minha atenção ao analisar os resultados: não são apenas as mulheres que sofrem por viver em um mundo violento, agressivo, competitivo – mundo esse, aliás, criado pelos homens. A maior parte dos entrevistados, de ambos os sexos, declarou que gostaria de viver em um mundo mais honesto, sensível, solidário, acolhedor.
A pesquisa revela ainda que o mundo do trabalho não está bom nem para os homens, nem para as mulheres. Elas afirmam que sofrem mais, sobretudo as mais jovens, pois ainda têm que provar o próprio valor, não se sentem seguras, estão exaustas com as múltiplas cobranças profissionais, familiares e sociais. Mas eles também revelam insatisfação e sofrimento.
Há ainda um outro dado muito importante: os valores que os entrevistados esperam encontrar nesse mundo ideal foram transmitidos principalmente pelas mães. Em segundo lugar por ninguém e, em terceiro, pelos pais. Aí fica evidente a discrepância. Onde está o pai no cuidado das crianças? O que nossa sociedade tem feito para incluí-lo nessa tarefa?
Caímos, então, no tema da licença-maternidade. Do jeito que a lei funciona hoje, é muito difícil pensar em um mundo mais igualitário. Se o pai não tem tempo para participar ativamente do começo da vida da criança, tudo fica mais complicado. Além disso, ainda existe a ideia de que o homem é incapaz de cuidar de um bebê. O pior é que até mesmo algumas mulheres também acreditam que eles não estão preparados para cuidar dos filhos.
Discursos sobre igualdade já estão amplamente disseminados. Mas o que queremos efetivamente é transformar a realidade. Para tanto, além do discurso igualitário, precisamos mudar o comportamento no nosso cotidiano. Os homens precisam lutar para ocupar esse espaço e as mulheres têm que enxergá-los como parceiros. No dia a dia, o que estamos fazendo para que os homens assumam esse papel?
É preciso também dizer que nem todos os valores que, na pesquisa, foram associados ao masculino são desnecessários ou negativos. Obviamente, o mundo do trabalho exige competição, eficiência, resultados. As pessoas estão infelizes porque apenas esses valores são predominantes e aqueles considerados femininos são ignorados e desprezados.
Não dá mais para ser tratado como um número. Felizmente, algumas empresas já estão se transformando – porque os jovens não querem mais ficar em ambientes assim. É um mundo novo! A pesquisa mostra, aliás, que ele já existe dentro de cada um que demonstra insatisfação com a realidade atual. Até o fato de desejarem mais os valores considerados femininos comprova essa existência. O que é necessário, agora, é legitimá-los e implementá-los no mundo do trabalho.
Acho essa pesquisa fundamental para o momento atual. Ela mostra o invisível, o que as pessoas sentem e não têm espaço ou coragem para dizer. Ainda mais em um momento de crise, de desemprego, de insegurança. É um sofrimento do qual não se pode falar. Os homens falam ainda menos e a pesquisa tornou isso visível. Colocou este tema em debate. É uma grande e necessária conquista!”
Reflita mais sobre este e outros temas em #OValorDoFeminino.