Nando Reis lança álbum com músicas de Roberto Carlos
O repertório embalou momentos românticos de vários casais, inclusive do cantor e da mulher, Vania, que estão juntos há 34 anos
As notas do violão e da flauta saem com meiguice enquanto Nando Reis harmoniza sua voz com os instrumentos para fazer uma declaração – às pessoas, à mulher dele, aos filhos, ao mundo, a tudo de bom que nos cerca – em De Tanto Amor, uma das faixas de seu último álbum, Não Sou Nenhum Roberto, Mas às Vezes Chego Perto.
A música é de Roberto Carlos, como todas as outras do repertório escolhido pelo paulistano para seu mais recente trabalho. “É um artista consagrado, ao qual eu quis associar a minha sonoridade”, diz. “Mas o motivo das escolhas é sempre misterioso, um pouco como a vida.” De enigma em enigma, Nando vai construindo um enredo que inclui ombros amigos, chamas acesas, lembranças, as plantas na varanda, as distâncias, os planos destruídos, saudades e o grande amor, território já conhecido pelo Rei. Nando modula a voz e sai relatando as dores humanas, o apego, as ausências e a esperança.
É a vida. Bem vivida, no caso do compositor, que conheceu Vania Reis, hoje sua mulher, aos 15 anos, na escola. Ele admite que se encantou assim que a viu; e estão juntos até hoje. “No começo éramos amigos, mas eu já tinha me apaixonado por ela.” Alguns anos depois, estavam namorando. Aos 20 e pouco anos, se casaram.
Os filhos foram nascendo. Veio a separação. E a reconciliação. Nando e Vania, psicóloga e escritora, passaram quase oito anos afastados. “Mas nunca deixamos de nos falar. Sempre havia alguma coisa que queria contar para ela – algo que tinha visto, pensado ou sentido. Também conversávamos sobre os filhos.” Daí, voltaram.
O compositor não gosta de entregar muitos detalhes sobre o assunto, diz que é uma questão de respeito. Vania é mais avessa aos holofotes, não gosta de aparecer. Deixa esse espaço para o marido. “Valorizo a fraternidade e as relações amorosas, todas elas, com amigos, com a natureza, e todos os vínculos que temos capacidade de criar”, prossegue o cantor. Ele afirma que isso está acima de qualquer baque pelo caminho.
Nando já se ralou um pouco. Na época dos Titãs, uma das bandas de sucesso mais estrondoso no país, que ajudou a fundar nos anos 1980, a dor e o amor eram sorvidos, em goles quase iguais, com drogas, álcool e, claro, rock’n’roll. Em 2001, teve a morte de Marcelo Fromer, guitarrista do grupo, atropelado por uma moto em São Paulo. No mesmo ano, perdeu a amiga e parceira em tantas cantorias Cássia Eller. A carga foi pesada – de saudade, dor e veneno. O mergulho nas drogas impressionou a filha, Sophia, 28 anos, que hoje é atriz. Mas passou. As feridas cicatrizaram e o carinho prevaleceu. “Sofria vendo eu me destruir sem conseguir me parar”, reconhece o cantor em Só pra So, composição do disco Nando Reis & Os Infernais, também de 2001, quando saiu dos Titãs.
Muita coisa ficou para trás, inclusive a vida louca. Hoje, aos 56 anos, José Fernando Gomes dos Reis, filho de um engenheiro e uma fonoaudióloga, olha para os filhos com um misto de agradecimento, amor e admiração. “Não gosto de me autoelogiar, mas observo quanto meus filhos compartilham uma visão de mundo em que prevalecem os sentimentos de justiça e generosidade”, diz.
Eles são cinco – além de Sophia, tem Theodoro, 32 anos, Sebastião, 24, Zoe, 19, e Ismael, 13 anos, este último fruto da relação com a ex-namorada Nani, quando estava separado de Vania. “São muito amorosos”, emenda o pai, orgulhoso. Theodoro e Sebastião são músicos; e Zoe cursa artes plásticas. “Não sei dizer exatamente qual é a influência dos pais na criação dos filhos, mas todos incorporaram o respeito que sinto por eles”, afirma.
Uma questão de equilíbrio
Nando tem fé na evolução do ser humano. Ele sabe reconhecer os fluxos de sentimentos inerentes a nós. Os negativos também – raiva, inveja, competição, rivalidade. Mas enxerga confiança, admiração, cuidado e perseverança para seguir em frente com um olho nas estrelas e outro aqui entre nós. “Não sou cético, tenho esperança”, explica.
Talvez o Segundo Sol, que dá título a uma das músicas mais conhecidas do compositor, gravada por Cássia, possa chegar, afinal de contas. A canção surgiu de uma desavença de Nando com uma amiga que acreditava nas forças ocultas do firmamento. “Fiquei pensando na minha reação, que foi um pouco agressiva em relação à crença dela, e cheguei à conclusão de que não existe uma só verdade.” Em época de intolerância, a frase é um ato de amor.
Nando enxerga na complementaridade a chave para as relações amorosas felizes. Com Vania, pelo menos, é assim. Ele é mais idealista, ela nem tanto. As diferenças os aproximam quase tanto quanto as semelhanças, em um vínculo emocional que muda, cresce, se expande, se reafirma e desabrocha outra vez, mais límpido e forte.
O novo álbum brotou de um momento a dois. Nando e Vania foram passar duas semanas de férias no sítio da família no interior de São Paulo, em 2016, levando um violão, uma caixa com 12 discos de Roberto Carlos e uma mala com algumas roupas. Ali, na natureza, ele ficou ouvindo as músicas e percebeu algumas conexões que o aproximavam melodicamente do Rei. Nando acompanha desde a infância o líder da Jovem Guarda. As letras embalaram parte da história com Vania também. “Tanta gente se esqueceu que o amor só traz o bem”, canta Nando em Todos Estão Surdos, mais uma do novo álbum. Agora, é ouvir e lembrar.
Leia mais: Fundador do Papo de Homem traz novo olhar sobre a questão de gênero
+ Vote e escolha as vencedoras do Prêmio CLAUDIA