ense no último filme que você assistiu e responda três perguntas sobre ele. Entre os personagens, havia duas ou mais mulheres? Elas tinham um diálogo entre elas? O papo era de outro assunto que não homens ou romance? Caso todas as respostas tenham sido positivas, saiba que o título passou no Teste de Bechdel. Criado nos anos 1980, o questionário voltou a ganhar popularidade recentemente por ser uma forma de denunciar preconceitos de gênero.
Dá pra dizer que, por mais básico que seja, o Teste de Bechdel continua sendo essencial depois de quase quatro décadas – avisamos desde já que, a partir de agora, ele estará sempre com você, para avaliar cada filme ou série que você for assistir.
Os números demonstram que ainda estamos longe da equidade de gêneros na área. Uma pesquisa de 2020 feita na Universidade de San Diego, na Califórnia, mostrou que as mulheres representaram 16% do total de diretores trabalhando nas 100 maiores bilheterias daquele ano.
Nos filmes on demand, o número caía para 10%. Além disso, em quase 70% dos filmes analisados, menos do que cinco mulheres ocupavam cargos de destaque – como de roteirista, produtora executiva ou cinegrafista. “Já temos resultados expressivos se olharmos para o passado. Desde meados dos anos 2010, vemos esse movimento das mulheres ganhando terreno tanto nas carreiras do audiovisual como no papel de consumidoras desses produtos”, explica Barbara Sturm, diretora de conteúdo na distribuidora Elo Company e curadora do Selo ELAS.
Trabalhando na área e fanática por filmes e séries, ela tem vasto repertório, mas admite só ter se sentido representada numa trama de super-herói quando assistiu Capitã Marvel, em 2019. “Era inteligente, engraçado, real, tinha a ver comigo”, diz.
“No Brasil, já é difícil uma mulher fazer o primeiro filme, mas o segundo é quase impossível. Ela se especializa em outra função mais acessível na área”
Há quatro anos, Barbara decidiu fazer algo sobre a ausência feminina na área e criou o ELAS, incubadora de filmes nacionais dirigidos por mulheres. Ela seleciona projetos que ganham apoio de um conselho de 23 profissionais de diversas áreas – outras diretoras de cinema, advogados, atrizes, apresentadores, especialistas em marketing –, empoderando-os no processo de produção, dando estrutura e abrindo caminhos numa indústria muito fechada e também resolvendo o problema de solidão das mulheres na direção.
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“O que entendemos é que, no Brasil, já é difícil uma mulher fazer o primeiro filme, mas o segundo é quase impossível. Ela geralmente acumula funções, é diretora e produtora ou cenógrafa, roteirista. É comum que ela se especialize nessa segunda atividade, por ser um pouco mais acessível, e, por fim, abandona a direção. O apoio do ELAS supre a falta de experiência, dá um gás pra ela acreditar que é capaz muito antes de chegar no set, e continuar lá, claro”, completa Barbara.
Para ela, um set acolhedor é aquele em que uma mulher pode amamentar um bebê sem se sentir desconfortável, por exemplo, ou que tenha outras mulheres em posições-chave, – e tudo isso começa com uma mulher na direção.
A escolha dos projetos passa pelo crivo do apelo comercial e de tendências. Barbara estuda o que vai impactar qual público e de que forma até o filme ficar pronto. Segundo ela, há grande variedade de temáticas e de percepções.
“Tem a ver com a experiência dela, suas vivências, olhares. E também buscamos mulheres de regiões diferentes do país. Hoje, entre nossos projetos em andamento, tem diretoras de São Luís, Brasília, Porto Alegre, Florianópolis, entre outras.” Barbara cita dois exemplos fortes e bem distintos.
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O selo lançou, em 2019, Torre das Donzelas, documentário que retratou a vida das presas políticas sobreviventes da ditadura e mostrou como a unidade feminina formada por elas foi fundamental para a resistência. “É catártico”, descreve.
Outro filme, lançado em festivais em 2017 e que chegou aos streamings em 2020, foi Aos Olhos de Ernesto, a história de um idoso que começa a perder a visão e faz amizade com uma adolescente. “É sobre ser visto e ouvido, não ser invisibilizado”, fala. “Isso combate estereótipos de que filmes de mulheres são sempre leves, falam de grupos de amigas ou fazem bullying contra os homens. Os projetos são plurais, como são as mulheres”, diz Barbara.
Até hoje, 37 projetos foram selecionados, cinco filmes foram lançados e nove estão em pós-produção. “As artes, a cultura, são um reflexo da sociedade e vice-versa. As influências da vida aparecem rapidamente nos filmes. Portanto, é provável que vejamos personagens mulheres e protagonistas cada vez mais reais e reconhecíveis. A transformação que acontece agora cinema já está nas ruas, e ela não tem mais volta”, completa Barbara.