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Mulheres com deficiência discutem os 5 anos da Lei Brasileira de Inclusão

O que mudou (ou não) na vida dessas pessoas no Brasil após a norma entrar em vigor

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 jul 2020, 20h05 - Publicado em 6 jul 2020, 18h32
Nathalia Santos, Carla Faria, Fabiola Pedroso e Thaiane Stracke compartilharam suas histórias e opiniões sobre como a sociedade trata as demandas do movimento no país (Reprodução/CLAUDIA)
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“É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”. Essa é a primeira frase da histórica Lei que instituiu garantias à uma população marginalizada e que completa cinco anos nesta segunda-feira (6). Mas o trajeto até a aprovação, em grande medida resultado da luta do movimento de pessoas com deficiência (PCDs) por garantias, começou quinze anos antes.

Nomeado inicialmente como Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2000, o texto foi apresentado pela primeira vez pelo então deputado federal Paulo Paim, passando posteriormente por uma revisão para atender às recomendações da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Em 2013, pedido da deputada Mara Gabrili, relatora do projeto na Câmara dos Deputados, a medida foi disponibilizada para consulta pública e, só em 2015, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff.

Para garantira a inclusão, a norma atende pontos como acessibilidade, educação, recursos tecnológicos, moradia para a vida independente da pessoa com deficiência, comunicação, entre outros. Além de incluir deveres, como a de Contratação de Deficientes nas Empresas, em que a empresa com cem ou mais funcionários deve preencher de 2 a 5% das vagas com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência. 

Além de abordar os direitos das pessoas com deficiência, a determinação também é um marco por mudar o conceito de deficiência, que deixou de ser considerada como uma condição estática e biológica e passou a ser interpretada como resultado da intersecção de barreiras impostas por limitações de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.

Porém, mesmo com a norma em vigência há cinco anos, na prática, os mais de 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência não têm pleno acesso a seus direitos. Para entender os impactos da Lei na vida de pessoas com deficiência e também os pontos em que ela ainda é insuficiente, Nathalia Santos, Carla Faria, Fabiola Pedroso e Thaiane Stracke compartilham suas vivências e percepções. Elas apontam por quais caminhos a sociedade poderia avançar no assunto.

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Nathalia Santos, 28 anos, jornalista, do Rio de Janeiro (Reprodução/Acervo pessoal)
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Nathalia Santos, 28 anos

“Ficar cega foi um divisor de águas e, de certo modo, até me deixou feliz, porque a cada dia deixava de fazer uma coisa e precisava aprender com uma perda diferente. Quando perdi totalmente, já sabia com o que teria que lidar. Nunca vi a deficiência visual como um problema, tenho limitações, mas que não foram e não são determinantes. Nunca achei que o problema era meu, mas sim da sociedade que não está preparada. Não sou exemplo de superação apenas por fazer o que faço sendo cega.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência é um marco, principalmente por ser implementada em um pais em desenvolvimento. Ela perpassa tantas áreas, que, mesmo com ambiguidades que deixam lacunas, ainda acho importante por sermos um dos primeiros países a adotar algo semelhante. Até então, os direitos das pessoas com deficiência estavam dispersos em diversas legislações e a determinação consegue reuni-los, além de promover a discussão na sociedade. Mas, ao mesmo tempo, não temos fiscalização para o cumprimento dela. Então, se você não conhece e não tem um órgão para regulamentar, ela está apenas no papel. Os termos também são pouco acessíveis, por isso já tive que recorrer a profissionais para entender os meus próprios direitos.

Embora ela dê muito respaldo quando se trata de educação, também ficamos descobertos sobre o acompanhante do aluno com deficiência. Ela garante que a escola coloque um auxiliar para acompanhar alguém que tenha autismo, mas não determina a formação desse profissional. Então, a escola pode pegar qualquer pessoa, que não tenha um preparo para atender aquele estudante.

Antes de 2015, não escutávamos falar sobre nossos direitos. Somos mais de 45 milhões só no Brasil e era como se não existíssemos, não éramos vistos nos lugares. Agora, estamos nas ruas, nas escolas, nos trabalhos, mesmo que em número pequeno. Também vejo pessoas falando da determinação mesmo sem saber direito e cumprindo nem que seja por obrigação. Posso deitar a cabeça no travesso e saber que vou criar meu filho sozinha e a lei garante que não vão tirá-lo de mim.

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Precisamos desse tripé e da ajuda da sociedade. Daqui a cinco anos, provavelmente, vou responder a essa mesma pergunta de modo bastante semelhante. Pra mim, é muito difícil ter que lutar pelo óbvio, mas me dá forças para seguir. Não quero que esqueçam da minha deficiência, mas que também não me coloquem num pedestal. Quero ser vista como ser humano.”

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Fabiola Pedroso, 34 anos, desenvolvedora de software (Reprodução/Acervo pessoal)

Fabiola Pedroso, 34 anos

“Sou defensora dessa lei, porque foi um grande avanço, já que não éramos inseridos em diversos setores da sociedade. Isso ampliou nossa chances de aumentar o poder aquisitivo e também fez com que as pessoas compartilhassem o nosso dia a dia. Tenho Mielomeningocele [malformação congênita da coluna vertebral] e sou cadeirante. Trabalhei muitos anos no mesmo lugar e os colegas que conviveram comigo conseguiram se conscientizar e entender a importância de adaptações, como banheiros, rampas, filas preferencias, que alguns ainda enxergam como privilégios, mas que são nossos direitos.

Pensando nas cotas, devemos questionar também como essas pessoas estão sendo incluídas. O que vejo é que as vagas são sempre para assistente ou jovem aprendiz, sendo rara a presença de pessoas com deficiência em cargos de gerência ou até presidência. Os profissionais chegam lá, mas a empresa não dá importância para que tenham plano de carreira. Somos vistos ainda como cotas de maneira negativa. E eles têm que cumprir essa cota, não importa como. Então, é comum que se passe 15 anos fazendo a mesma coisa, sem progredir para outras vagas. Não conseguimos evoluir na carreira e, consequentemente, comprar carro, casa ou equipamentos melhores para os nossos tratamentos. 

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Todos os dias da minha vida eu tenho dificuldade para chegar em qualquer lugar. Comenta-se muito ultimamente sobre o conceito de lugar de fala e vejo que, no próprio movimento feminista, o lugar de fala das mulheres com deficiência é inexistente. Não há consciência coletiva de que é necessário ter acesso a restaurantes e calçadas com rampas – no meu caso, a cada 300 metros, preciso da ajuda de alguém para transpor algum obstáculo na rua. Ah, e não é só rampa. Todos os deficientes têm demandas diversas, não dá para colocar tudo em um caixinha. Escuto muito das pessoas que não imaginavam que eu pudesse fazer tudo o que consigo. Então sei que é difícil quando não termos um exemplo próximo. É urgente uma mudança de mentalidade e a busca por consciência coletiva de pessoas que não têm nenhuma deficiência. Só vão olhar de fato para as nossas questões quando estivermos inseridos em todas as esferas da sociedade.”

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Thaiane Stracke, 23 anos, psicóloga (Reprodução/Acervo pessoal)

Thaiane Stracke, 23 anos

“Nasci assim, com uma parte do braço amputada, então não tive dificuldade para me adaptar. Na infância, estudei apenas em duas escolas e por bastante tempo, o que fez com que as pessoas ao meu redor vissem a questão da deficiência com certa naturalidade. Porém, recentemente, umas amigas me contaram que, quando éramos pequenas, pessoas diziam que eu tinha sofrido um acidente com o meu pai. Ela preferiram inventar uma história em vez de me perguntar diretamente sobre a minha deficiência.

Já para ingressar no mercado de trabalho não sofri muito, pois isso aconteceu depois de 2015, quando a lei estava em vigor. E é nítido como faz diferença essa proteção judicial. Sou formada em psicologia e trabalho na área de recursos humanos, na qual tive experiência em empresas nacionais e internacionais de grande porte, e, infelizmente, vejo que muitos só nos contratam para cumprir a cota. O desconhecido dá medo. Com isso, infelizmente, alguns gestores já optam por não contratar pessoas que tenham deficiências mais complexas ou visíveis. 

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No meu caso, uma das dificuldades é que as pessoas não percebem muito a minha deficiência. Por exemplo, no transporte público, quando saía de ônibus com a minha mãe, ficávamos de pé e, ao aparecer um assento, ela me colocava pra sentar. Nisso, escutávamos julgamentos e críticas por nem repararem na minha deficiência. Quando ia para a faculdade sozinha, também preferia não me sentar no preferencial. Além das pessoas que já brigaram em fila preferencial de supermercado. Outro problema é que, mesmo com a Lei, nem todos os restaurantes têm suporte para apoiar o prato no self-service. Então, se estou sozinha, preciso dar um jeito de apoiar a bandeja ou esperar a ajudar de alguém, já que não consigo segurar o prato e me servir ao mesmo tempo

Hoje, estou feliz com a minha vida, mas, enquanto pessoa com deficiência, ainda falta muito. As pessoas vivem idealizando um corpo perfeito e isso começa ainda na infância, quando crianças não têm referências de pessoas com deficiência. Quando era mais nova, tudo era muito diferente, eu não fazia nenhum tratamento, então não tinha ninguém com realidade parecida para trocar figurinha. Então, agora temos mais acessos para compartilhar nossas experiências tanto na internet quanto presencialmente.”

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Carla Faria, 48 anos, assistente administrativa (Reprodução/Acervo pessoal)

Carla Faria, 42 anos

“Minha de deficiência visual é congênita. No olho esquerdo, tenho mais de 30 graus de miopia, que é diagnosticado como visão monocular, enquanto que, no direito, com a ajuda do óculos, enxergo parcialmente. Mesmo tendo a deficiência desde o nascimento, só fui ter o laudo e ser considerada PCD há cinco anos, com a implementação da Lei, quando o assunto começou a ser mais divulgado.

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Cheguei a fazer concurso público há 10 anos com uma prova em que a letra era convencional, o que dificultava muito pra mim. Hoje, com a Lei, a prova já vem com a letra ampliada, por exemplo. Mas ainda há situações em que não somos lembrados, como no caso dos letreiros dos ônibus. Só quando ele chega perto consigo identificar o nome da linha, mas muitas vezes o motorista não para ou até xinga, já que a deficiência não é visível. Em shoppings e estabelecimentos, também não percebo nenhuma diferença para garantir inclusão.

Na empresa em que trabalho, lutei muito junto com outras pessoas com deficiência para pressionar o RH a ampliar os cargos disponíveis para os PCDs, porque eles demonstravam não acreditar na nossa qualificação. Isso foi muito importante, porque vejo pessoas com deficiências trabalhando, mas ainda falta uma inserção completa. E a população no geral precisa se conscientizar. Fico constrangida de cobrar por adaptações as quais tenho direito por medo de ser hostilizada.”

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