“Talvez ela tenha sido anjo da guarda, muito antes de partir”. Assim descrevem Vanessa Pupys, 27 anos.
“Se você quisesse sorrir, era só se juntar a ele”, falaram os amigos de José Germano Pereira, 69 anos.
“Belo, porque lá na Bahia, dizem, era o mais bonito da sua vila”, lembram de Manoel Chaves, 86 anos.
Essas são algumas das 222 homenagens às vítimas da Covid-19 no projeto Inumeráveis Memorial (no Instagram, @inumeraveismemorial), criado na última semana. São frases curtas, mas que descrevem com delicadeza quem era cada uma das vítimas. “É para lembrar as histórias por trás dos números frios que vemos na mídia diariamente”, descreve a jornalista Alana Rizzo, uma das colaboradoras do memorial. “Não há quem goste de ser número. Gente merece existir em prosa”, diz o manifesto do site.
E assim Alana e uma equipe de voluntários (que se multiplicaram nas últimas 48 horas) editam as homenagens recebidas aos montes e as transformam nas tocantes declarações que resgatam o melhor das pessoas. “É menos sobre o processo da doença, de onde pegou, como foi, e mais sobre quem era aquela pessoa. O que a tornava tão única e especial na vida de quem cruzou com ela. Todo mundo importa, todo mundo tinha uma rede que foi impactada pela sua partida e os números crescentes sem rosto não refletem o que eram essas vidas”, afirma Alana.
Os organizadores se conheceram no início do ano em uma tarefa profissional, mas se uniram para desenvolver, em apenas três semanas, a ferramenta. Nenhum deles têm históricos na família, mas encontraram em comum a angústia da doença rápida, altamente contagiosa e que é tão numerosa que impede os rostos de aparecerem. “É uma forma de tentar ajudar quem está diretamente envolvido com a Covid-19. Nesses últimos meses, nossos ritos de passagem mudaram com a doença. Os rituais não acontecem mais. Velórios, quando acontecem, são restritos a poucas pessoas, o enterro mudou. As missas de sétimo dia, para quem é católico, não ocorrem como era antes. Fica um buraco, um vazio no processo”, explica a jornalista. Não poder lembrar o ente querido torna toda a situação ainda mais dolorida. “Falar tem efeito curativo. Você pode contar para todo mundo quem era o João, a Ágata, a Eunice, o Edgar… Além de homenagear quem foi vítima do novo coronavírus, também se conecta com outras pessoas passando pelo mesmo sofrimento, pela mesma dor. É uma forma de construir uma rede de apoio, mesmo estando isolados”, completa.
O desejo do projeto é contar o máximo de histórias possíveis por todo o Brasil e, em algum momento, tornar esse memorial em uma homenagem física. Quem desejar fazer uma homenagem precisa ir ao site e preencher um formulário com um texto ou descrevendo o ente querido para que um jornalista possa escrever uma homenagem. Logo ele será exibido na página e aparece também no perfil do Instagram.
Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva