Na tarde desta segunda-feira (9) algo poderoso aconteceu no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Em um feriado de sol, com o parque lotado, centenas de pessoas se reuniam em frente ao prédio projetado por Oscar Niemeyer que se destaca em meio às árvores. Eram os cerca de 800 privilegiados que poderiam ver Malala Yousafzai pela primeira vez no Brasil. Uma audiência bastante diversa, mas com muitos, muitos jovens.
É com eles que Malala mais se conecta, e essa conexão é uma via de mão dupla. Meninas e meninos de vários lugares do Brasil foram convidados para assistir a ativista e Nobel da Paz falar sobre suas ideias sobre educação, especialmente a educação de meninas, que é cerceada e, em alguns lugares, ainda proibida. Um dos pedidos de Malala para o encontro com o público era que os jovens pudessem fazer perguntas diretamente a ela.
Mas a força de Malala atinge a todos. Até mesmo jornalistas tarimbadas, como Adriana Carranca, responsável por fazer a mediação do evento, e a fundadora e copresidente do Instituto Alana, Ana Lúcia Villela, se emocionaram diante da alegria de receberem a ativista no Brasil.
Basta lembrar da história dela para se emocionar também. Não é todo dia que encontramos uma mulher que, desde muito nova, luta pelo direito das meninas no Paquistão. Que sofreu um atentado por isso. Que ficou entre a vida e a morte, e daí conseguiu se reerguer e, a partir da tragédia, construir uma luta ainda maior, global.
Quando pensamos em Malala, pensamos na dureza e crueldade da vida das meninas no Paquistão e no Oriente Médio. Mas em sua fala de abertura, Malala lembrou que, no Brasil onde vivemos, ainda há 1,5 milhões de garotas sem acesso à educação. Somos o quarto país do mundo com mais crianças casadas. Ainda temos tanto a avançar.
Educação é investimento, poder e independência
Malala defende que a luta pela educação das meninas beneficia a todos. “Educação é mais do que ler e escrever. O empoderamento vem da educação, a emancipação, a independência. Educar garotas ajuda a construir economias, fortalecer democracias e traz estabilidade aos países”, ela afirmou, logo de cara. E, já que estávamos em um evento patrocinado por um dos maiores bancos do país, não custou nada a ela lembrar: “Educação é o maior e mais sustentável investimento de longo prazo”.
Além de Ana Lúcia Villela, mais três mulheres foram convidadas a compartilhar suas histórias com Malala e com a plateia: a escritora Conceição Evaristo, que falou sobre a força da leitura – e fez Malala contar que, na casa dela, é ela que lê para a mãe, que só está se alfabetizando agora -, a diretora da ONG Casa do Zezinho Dagmar Rivieri, que falou sobre a importância dos vínculos e o poder de disseminar a paz, e a ativista Tábata Amaral, que contou sobre sua trajetória da escola pública até Harvard e propôs à Malala um trabalho conjunto.
Com a ajuda das histórias contadas por elas – e por jovens selecionadas na plateia, entre elas a rapper paulistana MC Soffia – Malala foi engajando a plateia na luta que não é só dela. Como ela fez questão de falar para os jovens ativistas que ganharam assentos especiais ao fundo do palco: “Não sou a pessoa que vem de fora com soluções. Quero trabalhar em conjunto com movimentos locais para juntos entendermos melhor os problemas e explorarmos novas ideias”.
Malala não perde a esperança
Os jovens ativistas que foram convidados a fazer perguntas diretamente a ela estavam muito interessados em entender de onde vem a força de Malala. O desânimo com a política, com a realidade e a raiva diante da violência e da injustiça fizeram parte das indagações. Como continuar lutando? Como persistir quando tudo parece ir contra o bom trabalho?
Para elas, Malala tem uma lição. Ela conta que visita campos de refugiados e que lá conhece muitas meninas. Ela contou a história de uma, em específico, que estava prestes a se casar forçada pelo Estado Islâmico, mas antes do casamento conseguiu fugir. E que ela correu por dias até conseguir se abrigar em um campo de refugiados. Um lugar onde as instalações são precárias, mas onde ela ainda pode sonhar em estudar e ter uma vida independente. E arremata com: “se ela não perde a esperança, por que eu deveria perder?”
Atualmente, Malala estuda na Inglaterra, na Universidade de Oxford, uma das mais prestigiadas do mundo. Mesmo em uma realidade tão diferente – e tão melhor, podemos dizer – do que a que vivia no Paquistão, ela vê que a igualdade entre homens e mulheres é um sonho a ser perseguido, e não uma realidade: “eu vejo meus colegas em Oxford. Os homens são sempre tão confiantes, falam com tanta certeza sobre as coisas, acreditam neles mesmos. E as mulheres, mesmo tão inteligentes quanto eles, são mais hesitantes. Devemos ser confiantes, acreditar em nós mesmas! Nunca subestimem seu poder. Sigam falando, lutando, e nunca desistam”, ela prega, com muita convicção e confiança.
Malala não sente raiva?
Para encerrar uma tarde tão inspiradora, Malala respondeu uma questão de fato intrigante. Como ela lida com a raiva? Em um trecho famoso do documentário “Malala”, ela afirma nunca ter sentido raiva de quem cometeu o atentado contra ela. Seria possível uma coisa dessas?
A resposta dela é daquelas para anotar e nunca esquecer: “Quando você passa sua mensagem com raiva, gritando, de forma violenta, você perde energia. A força de suas palavras se perde. A mensagem pacífica tem um poder oculto. Então tente transformar a energia da raiva em uma energia positiva e pacífica. Desta forma, ninguém poderá te ignorar”.
Malala é a prova vivíssima de que uma mensagem pacífica tem muita força e não pode mesmo ser ignorada. Ao se despedir, ela lembrou que temos um longo caminho a percorrer rumo à educação para todas as garotas e a um mundo mais igualitário. Mas garantiu que seguimos juntas: “Estou com vocês, Brasil!”
Estamos com você, Malala!