História real: a mulher que abriu mão da maternidade para criar o filho do irmão
Colunista da CLAUDIA FILHOS, a jornalista Chris Flores conta a história de vida de Jaqueline, uma mulher que anulou a própria realização de ter um bebê em seu ventre para criar o filho de seu irmão, um dependente de drogas.
Foto: Getty Images
Jaqueline tem 43 anos e não realizou o sonho de gerar um filho. Vontade nunca faltou, mas ela acredita não ter encontrado o pai certo. Um homem que tivesse coragem de abraçar a sua trajetória de vida. Você deve estar se perguntando por que ela está nesta coluna? Porque sua história é de maternidade. Ela anulou a própria realização de ter um bebê em seu ventre para criar, com o verdadeiro amor de mãe, o filho de seu irmão, um dependente de drogas.
A vida de Jaqueline sempre foi dura. Seu pai era alcoólatra, daqueles que batem na mulher, e ainda queimava os documentos dela para impedir que fosse embora. Até os 13 anos, Jaqueline assistiu a tudo calada e só então implorou à mãe para se separar. Nessa idade, ela arrumou um emprego numa fábrica de lingerie, colocou o pai para fora de casa e virou arrimo de família. O irmão, um ano mais novo, lidou de outra maneira com os problemas: começou a usar drogas. Ao completar 16 anos, saiu de casa em busca do vício.
Jaqueline fez várias tentativas de trazê-lo de volta à vida e levar a sua adiante. Numa fase mais feliz, namorou um empresário que até deu emprego para o cunhado. Tudo ia bem até o namoro terminar de repente e o irmão ser demitido. Maconha, cocaína, crack e drogas injetáveis voltaram à família e o pesadelo recomeçou. Jaqueline então vendeu tudo o que tinha e, com o dinheiro, internou o caçula quatro vezes seguidas. Na última fuga da clínica, ele conheceu uma moça, também dependente e, meses depois, eles apareceram na casa de Jaqueline com um menino desnutrido, com a cabeça coberta de feridas. Era Maycow. Um trato foi feito: o irmão iria novamente para uma clínica e o bebê e a mãe ficariam aos cuidados dela. Durante um ano, deu tudo certo. Mas, 20 dias após ser liberado da internação, o irmão voltou para as drogas. Ele e a mulher pegaram Maycow, com 3 anos, e o levaram para a rua.
Jaqueline e sua mãe ficaram com o coração partido ao saber que o menino, tão bem-cuidado e amado por elas, agora pedia esmola, passava frio e fome e era explorado pelos pais. Quando ele completou 5 anos, Jaqueline convenceu o casal a deixá-la criar o sobrinho e foi reunindo provas de maus-tratos para conseguir a guarda dele. Seu amor pela criança já era de mãe.
Agora, aos 9 anos, Maycow estuda numa escola particular e faz terapia para lidar com o passado. Ele se lembra das mazelas que sofreu e dos pais usando drogas. As marcas são profundas, mas o menino dá demonstrações de sua boa índole. Ele sabe que a tia é batalhadora e que trabalha muito para sustentá-lo. O pai vive na rua e não o procura. Já a mãe vive com outro companheiro, com quem teve filhos.
Quando chega o Dia das Mães e as comemorações na escola, Maycow pede para visitá-la. Na favela onde mora, ela o recebe, mas não fica nem dez minutos com o filho. Cada vez mais, Maycow entende que sua mãe agora é Jaqueline. “Ela é minha tia-mãe”, diz. Com ela, tem descoberto o afeto e com frequência já chama a tia só de mãe. Jaqueline deixa o tempo agir e tem certeza de que ele é o filho que Deus mandou para ela.
Chris Flores é jornalista, autora do livro Um Bebê Em Casa e apresentadora do programa Hoje em Dia, da Record. |