“Nunca fui bom nas coisas em que os meninos supostamente teriam de ser bons”, rememora Guilherme Nascimento Valadares, 35 anos, sobre sua infância e adolescência vividas em Belo Horizonte. Achava-se feio, estranho. Não sabia jogar futebol e não se dava bem com as meninas. A inadequação ao universo masculino que o cercava fez com que ele se sentisse excluído.
“Não me encaixava, me sentia de fora, tentava me inserir, mas não dava certo.” Foi criando um mundo de fantasias dentro dos jogos de RPG e dos livros, que adorava. Um típico nerd. Só que, aos 18 anos, a sensação de não pertencimento aumentou. “Não sabia com quem falar sobre isso, era um silêncio enorme e não encontrava locais seguros para me expressar.”
Foi por volta dos 19 anos que o jovem introspectivo viu uma nova galáxia descortinar-se à sua frente por meio do computador. Guilherme mergulhou na internet no tempo em que a rede “era só mato” e usou sua suposta falta de masculinidade para criar um fórum sobre o assunto.
Não demorou a perceber que suas angústias eram partilhadas por muitos outros caras de todo o Brasil, que passaram a usar o espaço privado para discutir suas fragilidades. No início, as conversas giravam em torno de garotas – as paqueras, os foras, os corações partidos…
Todos queriam entender como se relacionar com o sexo oposto, como ser vistos como mais homens e, principalmente, como deixar de se sentir menos homens. “Havia bastante frustração, insegurança, rejeição e confusão. Criamos uma comunidade de confiança.” Foi o início de uma jornada.
Para levar a discussão à esfera pública, Guilherme fundou, em 2006, o blog Papo de Homem, espaço pioneiro que abordava temas voltados ao público masculino de forma mais humanizada. “As revistas da época nos apresentavam basicamente mulheres, carro e dinheiro, como se ser homem se resumisse a isso.” No blog, o debate era ampliado e falava-se também sobre saúde, família, trabalho e vida financeira.
Comprando a briga
O criador foi amadurecendo juntamente com a criatura, e o público também aumentou. Com a página aberta na web, Guilherme viu o tráfego de seu site crescer e as críticas não demoraram a chegar. Uma delas foi de Vanessa Guedes, que escrevia para o blog Blogueiras Feministas.
“Em 2011, fiz um texto horroroso em que defendia que era possível passar uma cantada na rua sem ser deselegante, ou seja, machista pra caramba. Fui dissecado por ela, escrevi uma resposta e a briga repercutiu. Depois de muita reflexão, cheguei à conclusão de que eu não sabia nada sobre o que estava falando”, conta.
Guilherme decidiu ligar para a então rival e a convidou para um café. “Eu disse: ‘Vanessa, eu claramente não sei o que é machismo nem feminismo. Você pode me ajudar?’ ” Foi o início de um processo de colaboração, e outras mulheres passaram a escrever para o Papo de Homem. O que tinha tudo para ser um período de ebulição, no entanto, acabou em leite derramado.
De um lado, os leitores fiéis o acusavam de trair o movimento; do outro, as feministas sentiam certo cheiro de oportunismo na aproximação. “A cultura da internet tem se tornado cada vez mais sensacionalista, histérica, reativa e ansiosa”, analisa. “Foram uns três anos de pauladas, mas, depois que a gente entendeu o que é feminismo, o que as mulheres passam de verdade e como isso nos afeta, voltar atrás já não era uma opção para nós.”
A determinação vingou, e o Papo de Homem conseguiu se estabelecer como um espaço de luta do que chama de transformação das masculinidades e, consequentemente, da equidade de gênero. Pela sua atuação na área, Guilherme recebeu o convite para integrar o Comitê Brasil ElesPorElas da ONU Mulheres.
O site ganhou status de negócio e, além dos textos publicados, realiza eventos, consultorias para empresas e pesquisas encomendadas por marcas e instituições que querem se aprofundar na questão. O propósito é melhorar a relação entre homens e mulheres. Um dos trabalhos mais recentes foi feito em parceria com o Instituto Avon e ousou tentar responder à pergunta “Como conversar com quem pensa muito diferente de você?”.
Budista, Guilherme leva como bússola da vida pessoal e profissional a espiritualidade. É com base na vontade de propagar valores como compaixão, alegria, equanimidade, altruísmo e amor que luta contra visões estereotipadas do masculino.
Apesar dos privilégios, ele pontua, os homens também estão sofrendo com o aprisionamento emocional que lhes foi ensinado, o que acarreta índices crescentes de depressão e ansiedade. “Para os meninos, as conversas sobre o que é ser homem passam por agressividade, bebedeira, sexo. Faltam exemplos de masculinidades saudáveis”, sustenta. Nesse caminho, ainda escuro, Guilherme está com a lanterna nas mãos.
Escuta ativa
O Papo de Homem realizou a pesquisa “Como conversar com quem pensa muito diferente de você”, em parceria com o Instituto Avon. Participaram 9 mil pessoas de todo o país com idade entre 18 e 59 anos, e os dados foram apresentados no Fórum Fale sem Medo, promovido no final de março.
Constatou-se, por exemplo, que, enquanto 70% dos brasileiros acreditam que ter conversas sobre temas de gênero com quem pensa muito diferente é positivo, apenas 20% buscam ativamente quem tem ideias opostas para dialogar. Veja mais aqui.
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