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Filhos do coração: histórias emocionantes de quem adotou

Como se preparar para essa gestação diferente e cheia de surpresas que começa com papéis e termina no coração.

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 28 out 2016, 08h47 - Publicado em 4 nov 2014, 22h00
Denise Bobadilha
Denise Bobadilha  (/)
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Este texto faz parte da nova edição da CLAUDIA Filhos!. Nas páginas da revista, você encontra mais matérias sobre comportamento, saúde, alimentação e educação.
Foto: Aruivo Pessoal / Reprodução CLAUDIAFILHOS

“Depois de 3 anos, 5 meses e 12 dias de espera, eu estava prestes a ver meu filho pela primeira vez. Nem conseguia ouvir o que a diretora do abrigo falava. Cheguei em uma sala e ele estava dormindo num berço, na mesma posição em que durmo, e vi seus pezinhos. E então eu caí em um choro tão copioso que pari aquela criança naquele momento. Uma emoção que não existe maior. Todos no abrigo ao redor choravam também. E então eu vi os olhinhos dele e disse:

− Filho, que bom que você me encontrou, eu não aguentava mais te esperar.”

O emocionado depoimento da comissária de bordo Adriana Mariani não é único. Tornar-se pai ou mãe é um momento espetacular, mesmo quando não acontece em uma sala de parto. Para milhares de pais, a gestação pode se estender por muito mais do que nove meses, às vezes durar anos, e o pré-natal é feito com advogados e assistentes sociais.

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O censo do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) apontou, em 2010, 33 390 crianças disponíveis para adoção em 2 268 unidades de acolhimento institucional (nome atual do antigo abrigo). “Mas nós estimamos entre 55 e 60 mil as crianças e adolescentes em quase 4 mil unidades”, afirma o advogado Antonio Carlos Berlini, presidente da Comissão Especial de Direito à Adoção da OAB SP. Os adultos cadastrados no Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) somavam, em agosto de 2014, 31 857 pessoas. É um número atualizado todo dia, que pode ser pesquisado por qualquer pessoa no site do CNJ – assim como os dados de crianças disponíveis para adoção. Mas a relação crianças disponíveis/pais dispostos nunca fecha, sobretudo por causa do perfil buscado por muitos candidatos. “Menina branca, menor de 3 anos, sem problemas de saúde e sem irmãos é o perfil pretendido por 80% desses candidatos”, diz Berlini.

A adoção tardia (acima dos 3 anos), a de irmãos e a de crianças com problemas de saúde é tabu. “As pessoas não são preparadas para adotar com esse perfil, daí a importância dos grupos de apoio à adoção, que existem em todo o país”, opina o advogado. “A adoção é um instituto jurídico legal que atende ao direito da convivência familiar da criança”, detalha. “É um processo feito para a criança que não tem família”, enfatiza.

O casal de executivos Marcus e Fabiana Clark, de São José dos Campos (SP), mudou o perfil da criança que pretendia ao se envolver com o tema adoção. “Queríamos um filho ou filha até 2 anos de idade, sem problemas de saúde”, conta o pai. Aos poucos, se encantaram com as histórias que ouviram no grupo de apoio e abriram o perfil. “Quando ligaram avisando que havia um casal de gêmeos, ambos com deficiências, pensei ‘então eles precisam ainda mais de uma família'”, lembra Marcus. A identificação do casal com Benjamin e Raíssa, que tinham então 3 anos e são portadores de paralisia cerebral, foi imediata. O menino abraçou o pai. A menina puxou a mãe pela mão e foi mostrar o abrigo.

A rotina dos Clark não foi nada fácil – o primeiro ano foi de exames, médicos e terapias praticamente todos os dias. A perspectiva é de que alguns tratamentos, como a fisioterapia, sigam até a vida adulta. Mas nada se compara à satisfação de ter dois filhos felizes em casa e cercados por uma grande família, com avós, tios e primos. Raíssa e Benjamin, nascidos prematuros de 7 meses e criados no abrigo desde que deixaram a UTI neonatal, têm hoje 6 anos e superaram dificuldades imensas. “Meus filhos recuperaram a autoestima e evoluem fisicamente dia a dia”, conta o pai.

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Desde que chegaram em casa, Raíssa e Benjamin podem ver e rever o álbum de fotos, montado desde o abrigo. “Eles veem as fotos, fazem perguntas, e nunca tratamos o tema como tabu”, revela o pai. Todos os especialistas em adoção são unânimes nesse ponto: a criança deve saber da verdade desde pequena, de acordo com seu nível de compreensão. A psicóloga Susana Ório afirma que os pais têm de ajudar a preencher a lacuna que o filho pode sentir em sua história. As unidades de acolhimento normalmente têm o histórico da criança e podem oferecer detalhes de sua vida até aquele momento. “Se a criança não tem fotos do passado, a mãe ou o pai podem fazer desenhos, usar uma linguagem diferente para trabalhar essa insegurança”, aconselha.

Filhos do coração: histórias emocionantes de quem adotou

O casal Marcus e Fabiana Clark com os filhos Raíssa e Benjamin
Foto: Arquivo Pessoal

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De repente, cinco

A empresária carioca Lourdinha Bacci Gayoso e o marido Pepe também tentaram ter filhos naturalmente – ele já tinha um filho quando se casaram -, mas não aconteceu. Adotaram uma menina em 1999 e, em 2002, visitavam um abrigo no interior gaúcho quando se encantaram com um menino de 1 ano. Ele tinha outros quatro irmãos. O casal sequer pensou em separar a família. Entre o caçula de 1 ano e o mais velho de 10, estavam duas meninas de 3 e 4 anos e um menino de 8 anos.

Criar os sete filhos foi trabalhoso – “como é em qualquer família numerosa”. Mas, ao mesmo tempo, Lourdinha nem imagina sua história de outra forma. A família morou um tempo na Espanha e hoje vive nos Estados Unidos. Os seis adotivos sabem tudo que passaram. “Não existe história feliz por trás de uma adoção – há sempre abandono. Mas, como pai, você tem obrigação de tentar construir uma história feliz, um futuro para os filhos.”

A psicóloga Bernardete Malatesta conta que a chave para uma adoção tardia bem-sucedida está no diálogo. “Uma criança mais velha terá um período de adaptação maior, e a família precisa fazer um esforço para entender essa pessoa e sua história”, diz. “É preciso conversar muito com ela, com os outros filhos, se eles existirem, pois essa criança vai se sentir diferente e terá de aprender novas regras e costumes e desenvolver afetos”, enumera.

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A decisão

Muitos recorrem à adoção depois de tentativas malsucedidas de engravidar naturalmente. Foi o caso da comissária de bordo Adriana, que abre esta reportagem. “Eu fiz sete tentativas, sempre sozinha, pois tinha o desejo de ser mãe, mas não necessariamente de me casar e ter um companheiro”, conta. Outros o fazem quando já têm filhos biológicos e desejam outros. “Mas é importante lembrar que adoção não é caridade”, alerta o advogado Berlini. “É uma atitude que deve ser preparada. Adoção é vocação.” Há casos de mães que conseguem amamentar bebês adotados ainda recém-nascidos, normalmente com a ajuda do médico ginecologista, que indica a lactação induzida.

A psicoterapeuta Susana Ório lembra que toda paternidade começa muito antes de ter o filho. Para casais que já vivenciaram o luto de tentativas frustradas de gestação, a adoção precisa ser encarada como paternidade plena. “Eles precisam ter em mente que vão ser os pais daquela criança. Nunca podem achar que serão menos pais por não terem filhos biológicos. Se conseguirem ter isso firme na cabeça, vão conseguir transmitir isso também para o filho.”

O pré-natal

Decisão tomada, é hora de procurar a Vara da Infância e da Juventude mais próxima de casa para dar entrada no processo de habilitação à adoção. Depois de muitos documentos, entrevistas, cursos e pareceres, sai a sentença de habilitação à adoção. Esse processo leva de quatro a seis meses. Daí, então, o candidato entra na fila, na qual ficará mais ou menos tempo, dependendo do perfil que escolheu. Pode levar dias ou anos. Normalmente, durante essa espera, o candidato já mantém laços com algum grupo de apoio à adoção e vai conhecendo casos semelhantes ao seu. É um grande processo de reflexão – como é também a gestação biológica.

Além do apoio dos grupos, pode ser interessante a ajuda psicoterápica. “Os futuros pais precisam refletir sobre a real motivação para a adoção”, opina a psicóloga Bernardete Malatesta. “Muitos idealizam uma criança linda, inteligente e com uma perfeição que criança alguma poderia alcançar. Quando descobrem o filho real, se decepcionam não pela criança, mas por não saberem por que queriam ser pai ou mãe.”

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A chegada

Quando entra uma criança “no sistema” com as características solicitadas por alguém, o candidato é avisado e pode optar por conhecê-la ou não. A executiva Mariana*, de São Paulo, recebeu o chamado e viu a filha, um bebê de 6 meses, em uma foto. “Quando a encontrei, ela apertou meu dedo com tanta força que parece que sabia que eu era sua mãe”, conta. Do telefonema à chegada da filha em casa, passaram-se apenas nove dias. “Estávamos casados há 15 anos, tínhamos passado por tentativas frustradas de gravidez e, de repente, tivemos uma gestação relâmpago”, relata.

A realização

Criar um filho é tarefa difícil. Quando muito pequeno, vai ter choro e noite maldormida, garganta inflamada e fralda que vaza. Os maiores vão exigir seus direitos (nem sempre se lembrando dos deveres), fazer cara de paisagem e dar sustos e palpitações. Se forem especiais, terão de passar por acompanhamentos e exigir dos pais um envolvimento em assuntos que, provavelmente, nem conheciam. Mas vão dar alegria, preencher a casa, dar e receber amor, testar seus valores pessoais e levá-los adiante. Isso independe de esse filho ser biológico ou adotado. Como diz a psicóloga Bernardete Malatesta, “o amor, afinal, não tem laços genéticos”.
 

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