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Especialistas discutem os meios de acabar com o bullying

Já existem várias estratégias para combater essa agressão. A principal: o fortalecimento do diálogo e da confiança entre crianças, jovens e adultos

Por Bruna Nicolielo (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 01h57 - Publicado em 12 jun 2016, 07h00
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  • Quem convive com crianças e jovens sabe quanto eles são capazes de pequenas e grandes perversões. Dão apelidos, tiram onda uns dos outros, evidenciam as “imperfeições” dos colegas e, às vezes, passam ao embate físico. Esse comportamento não é novo, mas a maneira como pesquisadores e educadores o encaram vem mudando. Nas últimas décadas, esse conjunto de atitudes passou a ser visto como uma forma de violência e ganhou nome: bullying, palavra do inglês que pode ser traduzida como “intimidar” ou “amedrontar”. Sua principal característica é que a agressão (física, moral ou verbal) é intencional, recorrente e se dá entre pares. “A vítima costuma ser tímida e insegura. Quando agredida, fica ainda mais retraída, o que a torna um alvo fácil”, explica a psicóloga Sandra Trambaiolli De Nadai, formadora de pais e professores e pesquisadora do Grupo de Estudos em Educação Moral (Gepem/Unicamp), uma das primeiras instituições a investigar o bullying no país. Já o agressor, segundo a especialista, deprecia o colega a fim de se sentir mais popular e poderoso e, por fim, ter uma boa imagem de si mesmo. “É um jovem que ainda não desenvolveu a empatia pelo outro, nem aprendeu a transformar seu descontentamento em diálogo. Muitas vezes, também tem um histórico de sofrimento”, completa Sandra.

    Diferentemente do que se imagina, os efeitos do bullying atingem os dois lados. “No caso das vítimas, há um leque enorme de consequências, da queda de rendimento escolar e da dificuldade em fazer amigos ao isolamento, tristeza, depressão, ansiedade e abandono”, explica Luca Sinesi, diretor da Plan International, ONG que faz formação de professores e trabalha com governos e secretarias de Educação especialmente para criar políticas públicas antibullying – a Plan, aliás, participou do movimento que levou à criação de uma lei específica sobre o assunto, aprovada em fevereiro deste ano no Brasil, que visa prevenir e combater a prática. Entre os agressores, a lista de efeitos inclui a dificuldade de adesão a regras e, a longo prazo, maior propensão ao alcoolismo e ao uso de drogas, apontam as pesquisas. Com o agravante de que a necessidade de vitimizar o outro para reforçar sua posição dentro de um grupo pode perdurar até a vida adulta.

    Uma das pioneiras a estudar o fenômeno foi a educadora finlandesa Christina Salmivalli, em 1996. Sua investigação sobre os diferentes papéis das crianças nessas situações serviu de base para um projeto de prevenção transformado em política pública na Finlândia, país que tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo. Desde então, novos caminhos de pesquisa se abriram. Os estudiosos têm se debruçado sobre a influência dos chamados “estilos de parentalidade”: pais autoritativos, ou seja, que põem limites, explicam o porquê das regras e abrem espaço para a expressão de sentimentos, criam filhos que aderem mais facilmente a valores como empatia e solidariedade e, portanto, são menos propensos a sofrer ou fazer bullying. Já um estilo de criação mais autoritário, negligente ou permissivo contribui na direção contrária.

    A plateia é cúmplice

    Outra vertente vem discutindo a participação dos espectadores – crianças e jovens que testemunham episódios de violência. Eles podem ter uma atitude passiva, por medo de ataques, ou atuar como plateia, reforçando o ato com risadas, por exemplo. “São fundamentais para a resolução ou continuidade dos conflitos e seu comportamento é mais fácil de mudar que o dos agressores. Por isso, um dos caminhos para combater o bullying é ensiná-los a tomar a iniciativa de interromper a agressão ou ao menos deixar de endossar a prática, diminuindo as recompensas sociais que ela traz ao agressor”, afirma Raul Alves de Souza, também pesquisador do Gepem. O especialista participa de um projeto de formação de professores nas escolas municipais Maria Pavanatti Fávaro e Violeta Dória Lins, em Campinas (SP), cujo objetivo é instrumentalizar a comunidade escolar para lidar com o fenômeno. Uma das medidas em andamento é a organização de equipes de ajuda. Nelas, os alunos escolhem representantes que recebem formação para oferecer auxílio a colegas em situações de conflito, exclusão e distanciamento dos demais. “Trata-se de um trabalho de protagonismo juvenil, no qual é dada a oportunidade a esses meninos e meninas de ajudar seus pares na superação dos problemas”, explica Souza.

    Na escola do passado, a regra era ignorar as diferenças e buscar a homogeneidade. Hoje, existe um coletivo multicultural e social do qual precisamos nos aproximar

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    O mesmo mecanismo está em fase de implantação no Colégio Stance Dual, na capital paulista. Ali, os próprios alunos interessados se inscrevem e são eleitos pelos pares para receber a formação em horário extracurricular. Há também iniciativas que visam à construção de um ambiente mais harmonioso, de respeito à diversidade, em sala de aula e fora dela. “Na escola do passado, a regra era ignorar as diferenças e buscar a homogeneidade. Hoje, existe um coletivo multicultural e social do qual precisamos nos aproximar”, defende Ana Cláudia Correa, orientadora educacional da instituição. As ações cotidianas são, então, pensadas de modo a buscar uma boa convivência. Em sala de aula, numa atividade de grupo, o estudante é avaliado não apenas pelo conteúdo discutido mas também por sua postura ao escutar o outro e lidar com posições contrárias às suas. Atividades com diversas faixas etárias, por exemplo, permitem misturar grupos, de forma que o menor interaja com o maior em um clima mais amistoso, em que não há chance para intimidação.

    Essa preocupação cotidiana não deixou a escola a salvo de problemas, mas o esforço em cultivar um clima harmonioso e de confiança entre crianças e adultos tem ajudado na resolução dos conflitos. No ano passado, Julia*, hoje com 14 anos, não quis voltar à escola ao fim das férias de julho. A mãe da menina, uma empresária, já tinha notado diferenças no comportamento dela, como baixa autoestima e poucos amigos. Resolveu, então, insistir até que a garota contasse o que estava acontecendo: ela vinha sofrendo com o assédio de dois colegas, que passavam a mão em seu corpo. Um outro grupo de alunos ria. Muito tímida e insegura, a garota sempre tivera dificuldades de se expor durante as aulas, atitude que garantiu a persistência do problema por meses a fio. A orientadora Ana Cláudia já tinha notado uma alteração de comportamento da menina e a chamado algumas vezes para conversar, mas ela não dizia nada, por vergonha e medo.

    Na dúvida entre procurar os pais dos meninos e a orientadora, a empresária recorreu à segunda. “Essa conduta evita atritos desnecessários com outras famílias. Envolver a escola é sempre a melhor opção”, diz Sandra. A primeira ação da orientadora foi propor conversas individuais com os envolvidos. Ouvir as partes sem julgamento é o caminho recomendado pelos especialistas para a resolução de casos de bullying. “Escutei todos eles tentando transmitir a maior neutralidade possível. O objetivo era fazer Júlia se sentir mais segura e gerar reflexão entre os meninos, com perguntas que os fizesse se colocar no lugar dela”, explica Ana Cláudia. Em um segundo momento, todos estavam presentes e puderam falar sobre o acontecimento pela própria perspectiva. Já mais fortalecida, Júlia expôs seu incômodo. Os meninos se colocaram novamente no lugar dela, entenderam a gravidade do que consideravam “uma brincadeira” e pediram desculpas. Também aprenderam um ensinamento fundamental para a vida adulta. As famílias foram chamadas à escola para participar de uma última roda de conversa. O episódio mexeu com todos. As mães dos meninos ficaram abaladas ao observar sua postura como mulheres que criam meninos. Júlia aprendeu a se posicionar, externando o que a incomoda. “A discussão foi valiosa para todo mundo. No fim, todos aprenderam”, diz a mãe da estudante.

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    Cyberbullying

    A tecnologia é um campo minado extra dos dias atuais. Livres da vigilância do adulto, crianças e jovens fazem comentários negativos e circulam informações que depreciam uns aos outros em grupos de WhatsApp, no Instagram, Facebook, Snapchat… No Colégio Miró, em Salvador, o compartilhamento de imagens via WhatsApp já foi motivo de preocupação, mas é cada vez mwais raro. “Os alunos têm um espaço de fala garantido, o que ajuda a elaborar conflitos, nomear e expressar sentimentos. O resultado é que temos pouquíssimas ocorrências de bullying”, explica Cândida Muzzio, coordenadora da escola. A realização de assembleias e rodas de conversa mediadas por educadores e os encontros de formação para professores são parte da estratégia de evitar o problema.

    A Escola da Vila, em São Paulo, também organiza assembleias, que visam institucionalizar a discussão sobre o que incomoda, além de dar oportunidade para os alunos aprenderem as ferramentas do diálogo, da tolerância e da resolução de conflitos. Ao longo da semana, as crianças escrevem bilhetes com comentários, críticas e sugestões. Antes das assembleias, um educador elabora uma pauta de discussão com aquele material e, em seguida, os participantes sugerem encaminhamentos e estabelecem, em conjunto, normas de convivência.

    A presença do adulto é importante, pois o senso de justiça, a empatia e a solidariedade ainda estão em construção em crianças e jovens

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    Certa vez, uma aluna criticou a intervenção da instituição em um episódio em que vários estudantes, inclusive ela, haviam feito críticas na foto de uma aluna, no Facebook. O episódio acontecera fora da escola, mas a orientadora Vera Barreira tomou conhecimento e propôs conversas individuais com os autores das mensagens. A aluna resolveu levar a questão para discussão coletiva e todos concluíram que os educadores deveriam, sim, acompanhar o que se passava além dos muros. “As crianças apresentam seus argumentos e reveem suas opiniões. A presença do adulto é importante, pois o senso de justiça, a empatia e a solidariedade ainda estão em construção em crianças e jovens”, explica Vera. Outra solução para minimizar conflitos e reduzir os riscos de bullying foi a instituição do cicerone. Cada novo estudante tem uma espécie de guia, outra criança ou adolescente que o acompanha por 15 dias, e o apresenta à escola e aos amigos. Isso aproxima o recém-chegado dos demais, criando um clima de receptividade onde gozações não têm vez. Aos poucos, essas atitudes, somadas, vão ajudando a criar um ambiente mais acolhedor e protetor, menos propício à prática de agressões de qualquer tipo.

    *Nomes alterados a pedido dos personagens.

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