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Conheça as mulheres que assumiram os negócios de suas famílias

É cada vez mais comum herdeiras assumirem as rédeas de empresas familiares. Com ideias inovadoras, elas superam conflitos e trazem resultados positivos

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 2 nov 2016, 15h18 - Publicado em 2 nov 2016, 09h50
 (Reprodução/Getty Images)
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No almoço de domingo na casa dos Hara, invariavelmente o tema da conversa envereda para… lingerie. Seria estranho em uma família qualquer, mas não na dos fundadores da Hope, uma das líderes em roupa íntima no país. Foi o patriarca, o imigrante libanês Nissim Hara, quem deu início à companhia, há 50 anos. O pai ainda mantém o cargo de presidente do grupo, mas, desde 1999, quem toca a empresa são as três filhas dele: Sandra, Karen e Daniela. Apesar do contato próximo desde pequenas, o envolvimento nos negócios da família não foi natural. Atual diretora de marketing e responsável por reposicionar a marca, Sandra Chayo, 41 anos, se formou em arquitetura e conta que nunca ouviu um pedido direto do pai para sucedê-lo. Entretanto, aos 24 anos, percebeu que ele precisava de ajuda e resolveu virar funcionária. No começo, atuava no setor de compras – atendia telefone, negociava com cliente, fazia pagamentos. Aos poucos, adquiriu conhecimentos específicos sobre matéria-prima, caimentos, acabamentos e foi evoluindo até chegar ao posto que ocupa hoje. Já as irmãs assumiram a gestão dos departamentos financeiro, administrativo e comercial. “Meu pai é corajoso e sempre delegou bem responsabilidades. Eu era novinha, mas tinha autonomia. Ele confiava nas minhas decisões”, lembra ela.

Seguiram-se desfiles com celebridades, reconhecimento do mercado, pioneirismo em franquias, aumento da produção – e um faturamento estimado em 300 milhões de reais em 2014. Se Chayo ainda pede conselhos ao pai? “Sempre.” Só que hoje conseguem separar melhor as questões familiares das profissionais. No começo da transição, os conflitos eram frequentes. “Somos muito parecidos; então, batíamos de frente. Mas, como o objetivo era o bem da empresa, resolvíamos”, diz a executiva. Para se sentir confiante, ela fez cursos de gestão e estudou empreendedorismo. Também levou para o escritório um consultor que ensinou a ponderar mais as decisões estratégicas e controlar o emocional.

O caso da família Hara é um entre os diversos de herdeiras assumindo a sucessão familiar. “O número é crescente porque as mulheres estão cada vez mais preparadas e, diferentemente dos homens, que em geral se preocupam muito mais com o agora, elas ficam de olho na perpetuação do negócio para que outras gerações usufruam”, analisa Maria Teresa Roscoe, professora da Fundação Dom Cabral, que oferece treinamento para herdeiros e acionistas familiares, em Belo Horizonte.

Profissionalizar é preciso

Manter o negócio na família e fazê-lo crescer eram os objetivos de Ana Elisa Siqueira, 45 anos, quando propôs ao pai que comprasse a parte dos sócios na empresa. “Como os filhos dos donos não podiam participar da administração, eu ficava com a atuação limitada. No entanto, sabia que, se tivesse oportunidade, poderia reformular os nossos serviços”, lembra a oftalmologista. Desde que ela assumiu a diretoria executiva do Grupo Santa Celina, que começara como um hospital, o faturamento aumentou de 8 milhões para 80 milhões. A chave do sucesso estava na inovação: a empresa foi pioneira ao oferecer aos planos de saúde do país um sistema certificado de home care, para tratamento e prevenção de doenças, com preços acessíveis.

Siqueira conta que, ao longo do percurso, ouviu muitas vezes que ela era “só a filha do dono”. “Quando comecei, eu tinha uma equipe, mas reconheço que não era verdadeiramente líder. Aprendi com o tempo.” Uma experiência de dois anos e meio fora da empresa – sendo oito meses como vice-presidente na concorrente – a deixou mais assertiva. Ainda assim, os desafios não cessaram. Em certo momento, teve de dar um passo atrás e respeitar a vontade do pai. “Eu havia entendido que precisava profissionalizar o negócio de família: montar um conselho para descentralizar as decisões e, depois, buscar capital com investidores”, explica. O pai foi contra. “Constatei que, se entrasse no embate, ia perder duas vezes. Primeiro, como sócia. Afinal, ele tem 70% das ações e eu 30%; depois, como filha”, recorda-se. Com o tempo, o também médico Otávio Correa se acostumou à ideia e compreendeu a necessidade do negócio. “Para mim, foi ali que eu assumi a presidência de fato. Ele me deu carta branca para levar adiante a estratégia desenhada lá atrás”, diz ela.

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Esse tipo de resistência é comum. “Há questões emocionais envolvidas. O fundador pode achar que está ficando velho ou que está abandonando seu legado. Por isso, é importante trabalhar essa parte mais subjetiva”, explica Wagner Teixeira, sócio-diretor da consultoria Hoft Transição de Gerações, em São Paulo. Um dos caminhos é ajudar o patriarca (ou matriarca) a encontrar outra atividade que preencha seu tempo e traga realização. Teixeira lembra de um cliente que deixou a empresa da família e abriu outra, no campo, como agricultor. “Agora, como ele está com 90 anos, já estão discutindo quem vai assumir a nova empreitada.”

O novo vem para o bem

Tanto no caso de Chayo quanto no de Siqueira, os pais mantiveram-se por perto, oferecendo conselhos e instigando as filhas. Para Manuella Curti, hoje sócia-diretora da fabricante de filtros Europa, o processo foi mais abrupto. Formada em direito, ela não tinha planos de assumir a direção da empresa. Era seu irmão mais velho quem estava sendo preparado para a função. O pai dos dois lutava contra um câncer havia algum tempo, mas dava ao filho as instruções necessárias para seguir seu caminho. Em uma virada trágica, o primogênito foi assassinado e, meses depois, o pai morreu. A advogada e a mãe se viram diante de um impasse: venderiam a empresa? “Assumi formalmente oito meses depois da morte do meu pai”, lembra ela, que tinha 26 anos na época. “Foi muito difícil. Precisei lidar, ao mesmo tempo, com a dor emocional e a gestão de um negócio que não era tão familiar a mim.” Ser jovem, mulher e advogada fez com que o desafio fosse ainda maior, já que a cultura organizacional da empresa era tradicional e conservadora”, completa. Hoje, a resistência interna foi dissipada. Curti acredita que os resultados convenceram os funcionários de que a estratégia estava correta. Ela pôde contar também com um coach, que ensinou a ela os princípios da governança e ajudou nas mudanças profundas pelas quais o negócio precisava passar – como constituir conselho, alterar processos fabris, abrir novos canais de venda e rejuvenescer a marca, que é líder em purificação de água e fatura cerca de 200 milhões de reais ao ano.

Os números comprovam a eficácia da gestão dessas sucessoras. Mas, tanto no Brasil quanto no restante do mundo, há muito terreno a ser conquistado. Nos conselhos administrativos, cuja presença feminina se restringe a apenas 7,2%, a participação de herdeiras é ainda menor, cerca de 3%, segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “Mas são inegáveis os benefícios que essas mulheres têm trazido para o mercado. Elas criam um ambiente de conciliação dentro da empresa e de harmonia na família”, defende Priscila Orlandi, diretora executiva do braço brasileiro da Family Business Network, rede de empresas familiares internacional. Passou da hora, portanto, de terem seu trabalho reconhecido.

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Transição suave

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Estabelecer acordos
A família precisa reunir os herdeiros e criar regras que delimitem quem poderá assumir cargos de gestão.
Olhar para fora
Antes de assumir, o sucessor deve ter experiência em outras empresas do ramo, o que trará repertório e visão de mercado.
Fazer uma aclimatação
É indicado cumprir ao menos 100 dias de adaptação à cultura da empresa antes de assumir integralmente.

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