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Caso Valentina: como falar sobre assédio sexual com as crianças?

A ameaça pode ser virtual ou presencial. Saiba como instruir o seu filho

Por Isabella Marinelli
Atualizado em 11 abr 2024, 18h16 - Publicado em 22 out 2015, 11h11
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  • Na última terça-feira, estreou na Rede Bandeirantes o programa MasterChef Júnior. No reality show, crianças entre 10 e 13 anos competem em desafios culinários sob a supervisão e o julgamento de três chefs profissionais – assim como na versão adulta da atração.

    Desde então, uma das participantes, Valentina, de 12 anos, é alvo de comentários com conteúdo sexual nas redes sociais, em um aterrorizante caso de pedofilia virtual.

    Evidentemente, esse cenário é preocupante. A insegurança das crianças e das mulheres é colocada, mais uma vez, em pauta. E nós (mães, mulheres, amigas, irmãs) devemos nos preocupar (e muito).

    Reprodução/Twitter Reprodução/Twitter

    Essas foram algumas das mensagens sobre Valentina, de 12 anos.

    A cultura do estupro e a sexualização de crianças

    “Não são apenas comentários nas redes sociais. É pedofilia. É assédio. É violência”, alerta a jornalista Juliana de Faria, autora do projeto Think Olga, responsável pela campanha Chega de Fiu Fiu, contra o assédio sexual em espaços públicos e finalista do Prêmio CLAUDIA 2015.

    Ela, que foi assediada pela primeira vez aos 11 anos, conta que, infelizmente, este é um fato comum. “Lancei uma campanha chamada #PrimeiroAssedio e descobri que muitas mulheres também passaram por isso pela primeira vez aos 9, 10 e até aos 5 anos. Isso é lamentável e muito preocupante”, diz  Juliana.

    Vivemos em uma sociedade onde a cultura do estupro e a sexualização infantil estão muito presentes. E as principais vítimas somos nós, mulheres. E meninas. “Não podemos achar que uma cantada ou um post nas redes sociais são problemas menores do que o abuso sexual em si. Tudo isso está ligado à cultura do estupro e pode ser o caminho para ele”, completa.

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    Como abordar esse assunto com as crianças?

    O psicólogo e psicanalista Luca Loccoman, especializado em atendimento infantil, dá importantes dicas de como lidar com o assédio e orientar os filhos para essas situações.

    Como explicar para a criança que ela pode ser assediada?

    Interações sexuais entre crianças e adultos acontecem, na maioria esmagadora dos casos, dentro de casa, com pessoas próximas, da família, como pai, mãe, avós e tios. A familiaridade facilita a aproximação e a experiência raramente acontece com violência física, Isso, é claro, não quer dizer que estranhos não possam ter esses comportamentos. Observo que quando o pai, por exemplo, tem desejos incestuosos por um dos filhos, é a relação de cumplicidade entre eles que permite passar ao ato. As crianças respondem por causa da vontade de agradar os adultos. É por isso que os pequenos têm o direito de saber que isso é proibido, contra a cultura, e que essa lei rege todos os humanos. Um jeito de fazer isso é explicar o vocabulário do parentesco, o lugar da mãe, do pai, do irmão, do filho. Essa interdição permite a diferenciação dos papéis dentro da família e vai se refletir nas relações fora de casa também. Quando se tratar de estranhos, a tendência da criança será se afastar, evitar os toques que incomodam. Longe dos olhos dos pais, uma alternativa é ajudar os pequenos a identificar uma figura de confiança a quem possam recorrer (como a professora), caso se sintam ameaçados.

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    A partir de qual idade essa conversa é válida e como conduzi-la em cada fase da infância? 

    Lamento que o assunto não seja abordado nas escolas. Os pequenos podem desobedecer aos mais velhos quando esses deixam de ser cuidadores e não se sentem mais investidos das proibições civilizatórias. Mas não aconselho a falar sobre o assunto antes dos 4 ou 5 anos, é muito cedo. Nessa fase, o melhor é ficar de olho. Depois disso, é nosso dever prevenir as crianças, dizendo que esse tipo de interação pode ser perigoso. Sem alardes ou repreensões.

    Como instruir os pequenos a diferenciar carinho de abuso sexual?

    A minha sugestão é ouvir as crianças. Há mais de 100 anos, Sigmund Freud já nos apresentava uma noção de sexualidade mais ampla, muito além da relação sexual, que envolve sensações de prazer nas trocas de afeto e está presente desde a infância. É difícil, portanto, estabelecer o limite nas relações entre pessoas próximas, ainda mais com idades diferentes. Uma simples carícia, dependendo de como acontece, é suficiente para que alguém se sinta transgredido. Os pequenos são seres capazes e com discernimento. São eles que vão nos dizer o que incomoda.

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    Como orientar e mediar a relação da criança e do adolescente com a internet?
    Da mesma forma que os pais criam os filhos no mundo real também podem fazer no virtual. Dicas básicas: manter o computador em área comum, acompanhar o histórico, navegar ao lado da criança, optar por programas que filtram e bloqueiam determinados conteúdos, ensinar a não divulgar dados pela internet, conhecer os amigos virtuais, monitorar contas telefônicas e cartões de crédito. O desafio é criar indivíduos autônomos. É papel dos pais instrumentalizá-los para fazer escolhas em vez de simplesmente proibi-las. Sugiro conversar em família para alinhar as regras de uso.

    Em entrevista, o pai da Valentina afirmou que alguém lê todos os comentários antes dela. Nesse momento, a proteção deve ser mais importante do que a privacidade? A criança precisa ter privacidade (na internet ou fora dela)?

    Quando uma criança é capaz de algo sozinha, o melhor é que os pais permitam que tenha essa independência. Mas os pequenos têm limites, que tem a ver com aquilo que dão conta ou não de assumir. A criança não é soberana, é o desejo dos pais que domina. Mas ela tem razão de insistir em agir por conta própria. Por isso, é importante alertarmos os filhos sobre os riscos e explicar o motivo das restrições, que, aliás, têm prazo de validade. Os pequenos confiam muito mais nos pais quando entendem que as proibições são relativas às suas capacidades e, muitas vezes, à angústia de quem é responsável por seus cuidados. É assim que, no início da vida, assinalamos os diretos e os limites.

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    Como incentivar que ela conte o que acontece com ela nas redes? E off-line?

    Querer tornar uma criança pretensamente franca é um problema, ultrapassa os limites da educação. Seria o mesmo que tentar ter poder sobre ela, não permitindo que viva fora da vigilância dos pais. Uma pessoa inteligente não revela tudo o que faz. Ao invés de dizer que nunca se deve esconder nada do pai e da mãe, é mais indicado perguntar o que aconteceu, o que o filho queria com aquilo e o que conseguiu. Isso o ajuda a aprender a ser sincero. Cabe aos pais orientar sobre os riscos, as conquistas e implicar a criança com suas escolhas.

    (Reportagem de Fernanda Morelli e Isabella Marinelli)

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