Mesmo aqueles que criticavam ou se recusavam a assistir ao BBB tiveram que dar o braço a torcer durante a 20ª edição do programa. O reality tornou-se palco de discussões importantes sobre movimentos e bandeiras sociais. A primeira metade do programa foi marcada, especialmente, pela luta contra o machismo, que eliminou praticamente todos os homens da casa. O único representante do sexo masculino restante é Babu Santana, ator, que agora divide a casa com quatro mulheres e é um dos favoritos ao prêmio.
Babu é negro, periférico e gordo, ou seja, reúne em si diversas identidades que foram alvo de preconceito durante os três meses de BBB. Em diversos momentos ouviu falas repletas de racismo estrutural até mesmo das “fadas sensatas” (o grupo de mulheres que lutou contra o machismo no programa), e várias vezes sofreu em provas por causa de seu corpo – em determinado momento, sequer conseguiu colocar uma pulseira no punho, por ser pequena demais. O que possivelmente fez Babu ganhar tanto a simpatia do público foi a paciência de explicar aos outros sobre seus preconceitos e privilégios e, ao mesmo tempo, reconhecer os seus enquanto homem. Uma das cenas mais marcantes da temporada foi a conversa do ator com os outros homens do grupo em meio a uma das brigas com as mulheres. “Mesmo que você esteja contrariado por dentro, peça desculpas e vai refletir. Porque é muito difícil sair da posição de privilégio”, orientou.
Mesmo se mostrando aberto ao diálogo e à escuta, ele foi visto como um homem agressivo e amedrontador por algumas das mulheres da casa, que o tornaram o próprio estereótipo do homem negro, ainda que isso não tivesse absolutamente nada a ver com a personalidade de Babu. Com a adoração do público, na reta final o ator conseguiu se aproximar daquelas que tinham “medo” dele e reacendeu mais um debate importantíssimo em rede nacional: o da masculinidade tóxica, o fenômeno que programa o homem para ser exatamente aquilo que ele, talvez, originariamente não seja. O termo se refere a características estereotipadas normalmente atribuídas aos homens, boa parte delas completamente ignoradas e repudiadas por Babu.
Babu chora e expõe seus sentimentos, sem medo de ter sua orientação sexual questionada. No último sábado (18), ele topou a ideia das sisters de maquiá-lo e vesti-lo de mulher, sem problema algum – e mais, se divertiu e se sentiu completamente confortável com isso. “Foi o maior prazer me fazer de tela para as meninas poderem pintar, criar; virar uma página em branco para elas colorirem. Nunca tive problema com isso, já fiz algumas vezes inclusive por ossos do ofício e foi muito divertido. Muito bom me aproximar de todo mundo”, disse Babu sobre o ocorrido.
O que é a masculinidade tóxica
“Isso é coisa de mulherzinha”, “engole o choro”, “vira homem”. Essas são algumas das tantas falas que reforçam o estereótipo de que homens não devem externalizar seus sentimentos. Essa é a famosa masculinidade tóxica.
Padrões comportamentais reproduzidos e associados a eles começam desde a infância. Aquele choro que surge quando a criança cai ou toma uma bronca é logo bloqueado pela frase “homem não chora”, e, então, eles são obrigados a “engolir” o choro e reprimir as emoções de forma forçada. São regras pré-estabelecidas de forma clara, mas inseridas no cotidiano da figura masculina de forma sutil.
A cobrança para ser “machão” impulsiona uma série de problemas e negligências, inclusive com a saúde. O ideal de masculinidade faz com que os homens não procurem médicos ou admitirem que precisam.
A conduta também é colocada em xeque: eles internalizam seus sentimentos e mostram para a sociedade um comportamento agressivo principalmente contra as mulheres, o que muitas vezes ocasiona os graves casos de violência doméstica e feminicídio.
Casos de depressão entre homens é algo corriqueiro e pouco discutido. Mostrar a sua vulnerabilidade não se torna uma opção quando o assunto é o homem e seus sentimentos. Dados do Ministério da Saúde mostram que homens se matam quase quatro vezes mais que mulheres. A taxa de mortalidade por suicídio é de 2,4 para as mulheres, enquanto para os homens é de 9,2. Isso acontece porque os homens acreditam e associam a depressão com fraqueza, e o que eles menos querem é mostrar que não são fortes, além da falta de informação.
O ideal do que é ser masculino e a agressividade desenvolvida a partir disso também fazem com que os homens se envolvam em brigas com mais facilidade, existindo a pressão em esconder a vulnerabilidade. E os malefícios não param por aí. As relações também são afetadas diretamente, onde há a necessidade direta de que o homem precisa ser bom de cama, mas não conhece o corpo feminino. A discussão acerca desse assunto e o reconhecimento de tais atitudes surgem com a tomada de consciência.
Como identificar as atitudes
Ouvir o que as mulheres têm a dizer sobre as atitudes nocivas é um dos passos para se autoanalisar e entender o que é a masculinidade tóxica. Caio César, 24, é estudante e professor de Geografia e acredita que o desconforto é o principal fator para gerar mudanças nesse aspecto. “Estamos falando sobre abrir mão de comportamentos que até então eram vistos como normais ou corretos. Mas os benefícios são muitos a partir do momento em que você entende que pode exercer sua masculinidade de forma mais leve e saudável, não só para os outros, mas para si mesmo”, disse. O jovem promove conversas sobre o assunto com um minicurso chamado “Entendendo as Masculinidades”, e os temas discutidos são levados pelos próprios participantes a partir de seus questionamentos, vivências e as diversas opiniões.
Questionar e falar sobre masculinidade envolve diversas questões, não apenas sobre gênero. Através dela é possível entender sobre raça e sexualidade, por exemplo. “Pautar essas questões é determinante para entender como os homens se constróem e quais as interseccionalidades em relação ao tema. Falar sobre o racismo, a homofobia e a transfobia é fundamental para se ter um debate aprofundado e honesto”, observa Caio.
O impacto das discussões é trazer aos homens um novo senso das relações, além de fazê-los entender o lugar deles enquanto homens em uma sociedade estruturalmente machista, além de repensar atitudes prejudiciais não só a eles, mas a pessoas que estão em suas vidas e no dia a dia.
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