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A culpa por não fazer mais

Em tempos de pandemia, com as vulnerabilidades sociais mais ressaltadas, a culpa por não ajudar a todos pode aparecer

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 Maio 2020, 21h06 - Publicado em 30 Maio 2020, 20h01
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  • Mais do que o cansaço de sair de casa de manhã para receber e distribuir doações para os moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, todos os dias, o peso que a pedagoga Priscila Emanuelle, 32 anos, mais sente é o da culpa. “Estava falando disso ontem com a minha amiga Camila. Disse a ela que me sinto a pior mãe do mundo, mas ela prontamente me corrigiu”, contou por telefone.

    Antes da pandemia, a professora já fazia trabalho voluntário na comunidade por fazer parte do projeto social Mulheres em Ação, que auxilia mulheres e seus familiares. Mas, com a criação do gabinete de crise por conta do novo coronavírus, a demanda aumentou. “Meu contrato foi suspenso, já que a creche não recebe mais as crianças. Por isso, passo ainda mais tempo auxiliando os moradores que não tem o que comer e nem pagar suas contas. Não posso ver isso e ficar parada olhando”, explica.

    Priscila Emanuelle
    (Bento Fabio/Reprodução)

    Mesmo assim, a sensação de que está deixando a desejar ainda bate na porta. “Quando deixo minha filha em casa, a culpa vem. Só que ao ficar em casa, sinto que estou deixando de ajudar. Afinal, são mulheres que precisam sustentar suas famílias”, revela Priscila, que passou o Dia das Mães em casa com a mãe e a minha filha, mas atendeu moradores na varanda.

    A ajuda não precisa ser só com dinheiro e colaborações materiais. Até me sinto mal por não ter tempo de fazer isso como gostaria, mas ligar para um parente e amigo e deixar uma palavra de carinho também uma forma de contribuir.

    Priscila Emanuelle
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    Assim como um jogo, a sociedade também é regida por um conjunto de regras de valores, normas e ideias do que é definido, com forte interferência religiosa, de um certo e errado, que conhecemos como moral. Ao não atingir a expectativa desse ideário, a culpa pode aparecer. “Esse sentimento, em certa medida, é um recurso civilizatório, pois é uma maneira em que, já na infância, os pais acabam internalizando nos filhos ao imporem limites. Daí o fato de culpa estar ligada à ideia de consciência moral”, diz Célia Ferreira Carta Winter, doutora em Psicologia Clínica e professora de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

    Em tempos de pandemia, com as vulnerabilidades sociais mais ressaltadas, consequentemente, o senso de coletividade se faz mais necessário. A nutricionista Mariana Gaspar tem uma culpa que muitos de nós já sentimos em algum momento desta quarentena. “Sinto culpa quando me pego reclamando de alguma situação, quando na verdade deveria ser imensamente grata por todas as oportunidades que tenho”, explica.

    Trabalhando em um hospital particular de São Paulo, Mariana sentia a necessidade de ajudar ainda mais na pandemia, principalmente pessoas que têm condições escassas. “ A realidade dos moradores de rua é desumana desde sempre, mas nos últimos meses fiquei pensando em como ajudar. Uma amiga me mandou mensagem, porque também queria fazer alguma coisa e, juntas, montamos uma vaquinha online para arrecadar doações entre amigos e familiares. Foi surpreendente como todos abraçaram a causa”, conta a nutricionista.

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    Segundo a doutora Célia, a culpa é algo subjetivo e não está ligado a um ato em si, mas assim como a Priscila e a Marianna, agir dentro das suas possiblidades, é o recomendado. “Dentro desse sentimento, há uma responsabilidade que nos auxilia na avaliação real do que é possível e do que é impossível. Então, quando você (e sua autoridade interna) avalia ter feito algo que não gostaria, que não está de acordo com o que gostaria, responsabilizar-se e ir atrás, é não recuar do desejo e se implicar efetivamente com o possível, no sentido de fazer alguma coisa”, considera a especialista.

    Abrir uma garrafa de vinho, assistir a uma live, fazer um churrasco em casa na sua própria companhia ou na de quem já mora com você. É possível ter momentos leves e de felicidades, como esses, em meio a um cenário delicado e caótico sem se culpar? Para o psicólogo e professor Celso Athayde Neto, a resposta é sim. “Diria que o autoconhecimento é uma ferramenta de libertação. Conhecer o quanto se é vulnerável à culpa é, em certa medida, conhecer a história que formou uma pessoa generalizadamente culpada. Entender e conhecer essa história individual, coloca a pessoa em uma posição melhor de entender que felicidade pode ocorrer sem culpa quando ela não vem de ações que causem sofrimento para o outro. Se faço festas remotas e isso não prejudica ninguém, então que sejamos felizes e brindemos remotamente: ‘Tim-Tim’”, aconselha.

    Aqui, falamos de um contexto em que ninguém prejudica diretamente alguém, mas que o não fazer para melhorar as condições do outro gera um incômodo. Segundo Celso, não existe tipo de culpas diferentes, mas sim intensidades e trajetórias pessoais diferentes. “A intensidade será uma função da história de reprovação social por atos que, ao nos beneficiar, produz danos aos outros. Tal história de vida também pode ditar os contextos em que uma pessoa vai se sentir culpada”, finaliza o psicólogo.

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