Contrariamente ao que muita gente pensa, o racismo não existe só através de episódios pontuais de preconceito – como o caso recente de ódio contra Titi, filha adotiva de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank. Ao invés disso, ele está incrustado na base da nossa sociedade, afetando diariamente (muitas vezes, de forma silenciosa) a vida de mais da metade dos brasileiros e brasileiras.
É diante deste cenário que selecionamos falas de 14 mulheres negras, vindas das mais diversas áreas de atuação, para esclarecer como o racismo se faz presente no Brasil do dia a dia. É necessário que ouçamos estas vozes – e que, da maneira como pudermos, ajudemos a ampliar cada vez mais o seu alcance.
“Percebi o racismo com porta batendo na minha cara. Não tinha rede social. Aí você se pergunta, mas por que bateram a porta na minha cara? Não fiz nada. Fez, sim. Você nasceu negra. E é assim”.
Elza Soares, cantora, em entrevista à EBC.
“Criança negra já nasce podendo ser presa. É gerada sem direitos, sujeita à uma educação falida, que não prepara ninguém para um futuro digno. Há uma lógica terrível, mantida pelo sistema político corrupto, que coloca pobre contra pobre, matando-se uns aos outros. O Estado não se faz presente com políticas sociais e transforma a periferia em um depósito de suspeitos para mostrar que existe uma segurança pública atuante. Mas atuar matando nossos filhos?”.
Débora Maria da Silva, criadora do Movimento Livre Mães de Maio, em entrevista à revista CLAUDIA.
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“Meus pais me colocaram num pedestal a partir do momento em que eles viram que tinha um problema em casa: uma criança de 7, 8 anos molhando a pele num balde com água sanitária para descolorir a pele. Meu pai ficou tão indignado, ele falava ‘você é tão linda’, e eu falava: ‘mas só vocês falam isso! Eu chego na escola e até a professora fica me xingando – ela zomba do meu cabelo, diz que eu nasci amaldiçoada porque sou negra’. (…) Eu só me lembro do nome de duas professoras – que foram as duas de que eu gostei. O resto, eu esqueci tudo porque eu peguei asco delas. Elas falavam muita asneira, desde ‘você não tem raciocínio porque você nasceu negra’, e eu achava que aquilo era real – eu pedia para o Papai Noel, falava que queria ser branca”.
Karol Conka, cantora, em entrevista ao programa Saia Justa, do canal GNT.
“Tive a ideia da série de cordéis com heroínas negras na História do Brasil porque essas referências me faltaram; na escola e na faculdade, nunca me falaram de nenhuma mulher negra que criou algo importante ou marcou a história. Tive que pesquisar sobre isso por conta própria e com muita dificuldade, então se eu tinha em mãos uma literatura acessível, barata e didática, nada melhor do que contar as histórias dessas mulheres nos meus cordéis”.
Jarid Arraes, escritora independente, em entrevista ao Suplemento Pernambuco.
“As mulheres negras na televisão brasileira oscilam entre o papel da empregada, pobre esforçada, pobre interesseira e escravizada. São esses papéis em que mulheres maravilhosas, que são verdadeiras rainhas da atuação, como Zezé Motta, ainda estrelam. Lembro-me de como a protagonista Helena da Tais Araújo foi mal vista pelo público e, para mim, tem tudo a ver com o fato dela ser uma mulher bem sucedida e rica, mesmo negra. O público não está se acostumando”.
Stephanie Ribeiro, estudante e ativista do feminismo negro, em entrevista à revista CLAUDIA.
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“Eu já passei por isso de não aceitar meu cabelo e de ser zoada na escola. Então a mensagem que eu quero passar é para as meninas que ainda sofrem com isso, para que elas estejam conscientes e saibam o que falar nessas horas. (…) O meu cabelo não é duro, ele é cacheado. Duro é o seu preconceito”.
MC Soffia, rapper, em entrevista ao MdeMulher.
“Até pouco tempo, estava olhando a página da L’Oréal, que publicou uma foto de uma modelo de cabelo crespo, e a menina foi atacada na página. As pessoas não entendem que é racismo ao apelarem para o gosto. Falar: ‘meu gosto pessoal é que seu cabelo parece um guarda-chuva’ é racismo, pois não aceita a qualidade da outra pessoa”
Tássia Reis, cantora, em entrevista à revista ELLE.
“A literatura brasileira – acompanhada por sua crítica – desde os textos formadores até a mais recente contemporaneidade, retratou (quando não invisibilizou) as mulheres negras principalmente sob a égide da dominação e criou categorias de representação estereotipadas que persistem até hoje: ora o corpo-objeto ultrasexualizado da mulata; ora a passividade submissa, generosa e auto-sacrifical da mãe-preta; ora a bestialização da negra escravizada”.
Fernanda Rodrigues de Mirana, mulher “negra, migrante e feminista”, em entrevista ao suplemento Pernambuco.
“Nos Estados Unidos, estão acontecendo esses confrontos, mas lá, a coisa é muito diferente. Quando negros são assassinados pela polícia, como aconteceu em Ferguson, a população vai para as ruas mesmo. Aqui no Brasil, a gente ainda naturaliza [a morte de negros]. Lá existe o ‘Black Lives Matter’ e tantos outros movimentos. Tem um enfrentamento mais direto. Lembrando que os negros nos Estados Unidos são 15% da população e aqui no Brasil, somos 52%. Lá, de fato, os negros são minorias. Mas existe outro entendimento do movimento negro nos Estado Unidos, porque lá o racismo era constitucional. O negro sempre soube que tinha um problema, sabia que não podia entrar em tais lugares, que ia ser morto se fosse para determinado bairro. Então, como [o racismo] era extremamente declarado, não existia outra maneira a não ser o enfrentamento. Aqui no Brasil, como se criou esse mito da ‘democracia racial’, de que todo mundo se ama e todo mundo é legal, muitas vezes o próprio sujeito negro tem dificuldade para entender que nossa sociedade é racista”.
Djamila Ribeiro, filósofa, em entrevista à Vice Brasil.
“Eu queria ser juíza, mas, quando meu avô morreu, percebi que era só sonho de criança. Que o pobre, o negro, pra chegar até juiz é um mar sem barco“.
MC Carol, cantora, em entrevista à BBC.
“A escola não tinha heróis e personalidades negras pra me apresentar. E eu cresci me vendo escravizada nos livros didáticos. Eu cresci vendo meus coleguinhas falarem dos negros escravizados como criaturas irreais. E essas ‘criaturas’ eram toda a referência que eu tinha do meu passado. Lembro do trecho do livro de história que contava, ‘passandinho’, sobre o quilombo dos Palmares. Terminava com ‘e todos os negros foram EXEMPLARMENTE assassinados ou presos’. Exemplarmente. E-xem-plar-men-te. As religiões de matrizes africanas nunca foram nem citadas na minha época escolar. Na minha escola, tinham grandes feiras de cultura anuais, mas nelas nunca falaram muito bem dos países africanos, que os professores consideravam apenas ‘África’ e, dos trabalhos que me lembro de fazer sobre países, eu, a única eterna aluna negra da sala, só tive oportunidade de fazer Itália e Alemanha. Também teve um ano de religiões, com apresentações sobre Hinduísmo e Judaísmo, mas nunca vi o candomblé. Hoje, como professora, eu sei a falha gigantesca dos meus professores de me afastarem consistentemente do estudo das minhas origens”.
Nayara Garófalo, editora do TW: Preta!, em texto no Medium.
“Acontece até hoje. Quando eu chego a um restaurante no Brasil, as pessoas que são iguais a mim só estão limpando e servindo. É o Brasil me dizendo que meu lugar é servir e limpar, quase falando que não tenho o direito de estar ali comendo. Ser Taís Araújo ameniza, mas não isenta. No nosso país, o preconceito está presente no momento em que saímos de casa”.
Taís Araújo, atriz, em entrevista ao MdeMulher.
“Não posso me calar. Se meu trabalho me permite alguma expressividade, usarei minha voz por muitos que sofrem esse tipo de ataque racista diariamente e voltam para casa calados, cansados de não serem ouvidos, para chorar sozinhos”.
Cris Vianna, atriz, em texto no Facebook.
“A Taís Araújo, quando foi protagonista de uma novela: podia ter crítica a favor, crítica contra, gostar ou não gostar, mas o que veio em cima da Taís, 90% era por preconceito. ‘Como uma negra pode estar sendo a protagonista de uma novela do horário nobre?’. Eu, quando fazia o Fantástico, volta e meia recebia uma cartinha dizendo: ‘você não tem vergonha de estar aí sentada apresentando esse programa com tantas brancas querendo estar nesse lugar?’. Eu cansei, cansei de receber [mensagens assim]. Então o racismo é uma coisa muito mais violenta e muito mais forte porque ele pode te paralisar. Se você não tiver uma estrutura sólida, você paralisa e você deixa de viver”.
Glória Maria, comunicadora, em entrevista à Marília Gabriela, no GNT.