Foi preciso prorrogar a campanha de vacinação contra a poliomielite e o sarampo em duas semanas para tentar chegar à meta de 95% de imunização do público-alvo (crianças com idade entre um ano e 5 anos incompletos – ou seja, 4 anos, 11 meses e 29 dias). Marcada inicialmente para ser encerrada em 31 de agosto, a campanha irá até 15 de setembro, sábado. As vacinas são dadas gratuitamente em qualquer UBS (Unidade Básica de Saúde) de todo o Brasil.
No dia que seria o último, no fim do mês passado, apenas 85% do público-alvo havia sido imunizado. Agora, com muito esforço por parte dos profissionais de saúde, a meta está próxima: até 12 de setembro, 94% das crianças do país tinham tomado as vacinas.
O motivo desse desinteresse pelas vacinas, de acordo com especialistas, é uma soma de dois fatores: as doenças não serem mais percebidas como um problema (o que se deve justamente à ação das vacinas na eliminação dos vírus até os dias de hoje) e a propagação de fake news que associam vacinas a transtornos e doenças.
Consultamos um time de experts em imunização para esclarecer os principais mitos e verdades sobre a vacinação infantil: Bárbara Furtado (pediatra e gerente médica de vacinas da GSK), Claudio Gonsalez (infectologista do Hospital Santa Paula), Maria Zilda de Aquino (infectologista pediátrica e responsável técnica pelo Centro de Imunizações do Hospital Sírio-Libanês) e Vivian Avelino-Silva (infectologista e docente do programa de pós-graduação do Hospital Sírio-Libanês). Vamos ao que eles explicaram.
Vacinas causam autismo.
Mito. Este é um dos mitos mais persistentes quando o assunto é vacinação, mas o fato é que nunca, em nenhum lugar do mundo, foi identificada qualquer relação de qualquer vacina com o autismo. “Essa fake news é antiga e vem de um estudo clínico fraudado por um médico, que inclusive perdeu o direito de exercer a profissão”, conta Bárbara.
O caso a que a pediatra se refere é de 1998, quando o pesquisador britânico Andrew Wakefield publicou, em um artigo na revista científica The Lancet, que a vacina tríplice viral (contra caxumba, sarampo e rubéola) estava relacionada a uma síndrome intestinal e ao autismo em crianças. Doze anos depois, em 2010, descobriu-se que o médico havia forjado os dados da pesquisa e ele perdeu seu registro profissional (além de um processo criminal).
Vacinas estão relacionadas ao desenvolvimento de microcefalia em fetos.
Mito. Esta mentira ganhou força na época do surto de zika no Brasil, em 2015. As pessoas não sabiam o que estava causando microcefalia em bebês de regiões específicas e houve uma precipitação em associar a condição às vacinas que as gestantes teriam tomado. Posteriormente, com base em dados concretos, comprovou-se que a causa das microcefalias foi a infecção pelo vírus zika.
Vacinas podem causar reações, como febres e inflamação local.
Verdade. Toda vacina é um elemento estranho entrando no corpo, então é normal que o organismo reaja a elas. A reação mais comum é a febre baixa, facilmente controlada com analgésicos prescritos pelo pediatra que acompanhe a saúde da criança e com banhos mornos.
Coceiras na pele também costumam ocorrer. Neste caso, é importante observar sua severidade e, se elas piorarem ou demorarem a passar, procurar ajuda médica em um pronto-socorro para verificar se é uma reação a algum componente da vacina (evento que não é tão comum) ou à luva de quem aplicou a vacina (alergia a látex).
Não tem problema tomar a mesma vacina duas vezes.
Verdade. É raro, mas pode ocorrer de o organismo não “pegar” uma das doses de alguma vacina por causa de condições muito pontuais. Também é raro as pessoas fazerem exames sanguíneos específicos para verificar se estão imunes a todas as doenças cobertas pelo calendário de vacinação. Assim, quando ocorre uma campanha e são convocadas todas as pessoas de um determinado grupo etário, é para todas realmente tomarem a vacina em questão, mesmo que já a tenham tomado. Um repeteco não faz mal a ninguém.
Algumas doenças, como a catapora e o sarampo, não são tão graves, então a vacinação não é tão necessária nesses casos.
Mito. Se a doença faz parte das infecções preveníveis por vacina, é porque ela é potencialmente grave e pode causar desde complicações severas à saúde até a morte. Sim, sarampo pode matar, catapora pode matar.
A ideia de que são “doenças leves” vem da falta de contato com elas atualmente, uma vez que se tornaram raras, e da lembrança de que as crianças pegavam catapora e sarampo lá nos anos 1980 “e tudo bem”. Mas não estava tudo bem, não: se você teve ao menos uma dessas doenças, deve se lembrar que ficou em repouso absoluto em casa, sem poder sair de casa.
Quem é alérgico a ovo não deve tomar a vacina contra a gripe.
Verdade. Em uma das etapas da produção das vacinas contra a gripe, os vírus crescem em ovos embrionados. Isso pode levar partes proteicas dos ovos para a vacina, o que causa o risco de reação forte em quem tenha alergia a ovo.
Mas como saber se alguém tem alergia a ovo?, você pode estar se perguntando. É simples: se a pessoa come ovos ou bolos, doces e massas que tenham ovos nas receitas e não apresenta nenhuma reação, não há alergia.
Se as doenças já estão eliminadas no Brasil, não é mais necessário tomar vacinas contra elas.
Mito. Mesmo que uma doença esteja eliminada no nosso país, seu vírus pode ser trazido para cá por pessoas que venham de países que não sejam livres dele. Foi o caso do sarampo: o Brasil era certificado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como região livre de sarampo havia dois anos, mas ele voltou como “vírus importado”. Além disso, qualquer pessoa que more aqui e visite um país em que vírus que consideramos eliminados ainda estejam ativos pode pegar a doença caso não esteja imunizada.
A cobertura vacinal deve ser mantida para que as doenças ainda ativas em qualquer lugar do mundo não signifiquem um risco para a nossa saúde, independentemente de onde estivermos.
O mercúrio contido nas vacinas é perigoso para a saúde.
Mito. Para começar, o mercúrio usado como conservante é o etilmercúrio, e o que pode causar intoxicação grave é o metilmercúrio. A OMS recomenda sua utilização para proteger as vacinas contra fungos, bactérias e micro-organismos em geral por ser uma substância segura e não cumulativa, eliminada pelo organismo rapidamente.
Vacinando meu filho, ajudo a proteger também a população no nosso entorno.
Verdade. É o chamado “efeito rebanho”. Muitas pessoas não podem tomar vacinas, por motivos como gestação, imunodepressão (causada por alguma doença ou por um tratamento quimioterápico), histórico de alergia à vacina ou baixa idade. Quando a população de seu entorno que pode tomar as vacinas está imunizada, cria uma espécie de barreira de proteção que impede que o vírus entre naquela comunidade e chegue às suscetíveis.
O calendário de vacinação deve ser respeitado, mas tudo bem se alguma das vacinas acabar sendo tomada com algumas semanas de atraso.
Verdade. Claro que, em um mundo ideal, todas as mães conseguem levar os filhos para tomarem as vacinas nas datas exatas em que eles completam a idade necessária para cada imunização. Mas a vida real nem sempre permite que ocorra dessa maneira. Não precisa ter vergonha e muito menos deixar de vacinar os pequenos porque rolou um atraso; basta continuar o esquema de vacinação respeitando o atraso inicial. Vai existir um “efeito dominó”, mas o importante é continuar imunizando. Um dia, lá na frente, tudo fica em dia.