Quando tinha 20 anos, Camila Achutti recebeu a ligação de um representante do Google. Ele gerenciava o processo seletivo de estágios em programação no Vale do Silício, na Califórnia (EUA), e havia recebido a indicação de Camila por um professor da USP.
Poucos minutos de conversa se passaram e a jovem disse que não estava preparada para a vaga. Do outro lado da linha, o representante respondeu: “Se uma das melhores estudantes da principal universidade do Brasil não está pronta para o cargo, desistirei de buscar talentos no país, por que quem mais poderia estar?”. Esse comentário foi suficiente para que ela tentasse. Foi aprovada e ali começava a mudança do rumo de sua vida.
Filha de um profissional da computação, Camila descobriu muito cedo seu interesse por tecnologia. “O telefone tocava de madrugada e meu pai precisava atender. Era como se ele estivesse salvando o mundo quando estava controlando os computadores, e eu queria fazer isso também”, lembra.
Um feminismo tecnológico
Esse desejo a levou a cursar ciência da computação na USP. Era a única mulher da turma. Durante esse período, Camila sentia a necessidade de provar seu valor sendo a melhor aluna da sala. Ainda assim, viu seu professor publicar um artigo afirmando que as mulheres eram biologicamente incapazes de programar e teve sua capacidade intelectual questionada inúmeras vezes.
Não por acaso, aos 18 anos, criou o blog Mulheres na Computação. Embora não tivesse todas as respostas para explicar a pequena participação feminina na área, iniciou o projeto como uma estratégia de sobrevivência. “Fiz aquilo para não entrar em depressão, para conseguir finalizar a faculdade”, relembra.
Ao entrar em contato com o Vale do Silício, porém, Camila percebeu que a programação era uma alternativa viável à vida acadêmica. Mais do que isso: descobriu o crescente reconhecimento da diversidade nas grandes empresas. “Entendi que não era louca por me preocupar com a participação feminina na tecnologia”, diz. À época, seu chefe do Google disse: “It’s your turn to change the world [É sua vez de mudar o mundo]”.
Destaque no Women 20 e pesquisadora em IA
De volta dos Estados Unidos, ela se concentrou em seu mestrado em educação e tecnologia. Desde então, Camila tem ajudado a atualizar profissionais no setor corporativo, enfatizado a responsabilidade social no ensino superior e desenvolvido pensamento crítico e cidadania na educação básica.
Faz muito disso a partir da Mastertech, escola que co-fundou em 2015 com cursos e projetos voltados para o ensino na área de tecnologia da informação. No ano de criação da empresa, também ganhou o prêmio Women of Vision, sendo a primeira estudante latina a conseguir esse feito.
Em 2019, fundou a ONG Somas, que promove intervenções educacionais para públicos diversos, incluindo pessoas com deficiência e jovens em medida socioeducativas. Ela também lidera a pauta de mulheres em STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas) no Women 20, grupo do G20 com o objetivo de promover a equidade de gênero e o empoderamento econômico das mulheres.
Parte do perfil único de Camila está na sua capacidade de integrar diferentes áreas. “As mulheres ainda são julgadas por quererem abraçar várias funções. Ou você é mãe, ou é empresária. Só podemos ser uma coisa nessa vida? Ser mãe me tornou uma empreendedora melhor, e ser empresária me fez uma mãe melhor”, diz ela.
Apesar do caminho das mulheres na tecnologia ter avançado, Camila acredita que ainda há muito a fazer. “Quando vejo a IA sendo desenvolvida sem considerar gênero, idosos ou pessoas com deficiência, fico decepcionada. Quando se escolhe uma voz dócil e feminina para uma inteligência artificial, muitas coisas são impactadas. Mas, em vez de se preocupar com isso, há uma cultura de focar apenas no lucro”, reflete.
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