Há quatro anos, Heloisy Pereira Rodrigues tinha muitos planos para a sua vida — mas se tornar a primeira mulher no Brasil a se formar em Inteligência Artificial definitivamente não era um deles. Ela conta que em Ceres, município de Goiás onde nasceu, a população não enxergava com bons olhos qualquer profissão que escapasse da tradicional medicina. Além disso, durante a infância, a sua afinidade com a tecnologia se resumia a “brincar com joguinhos do Orkut” [rede social desativada em 2014], como diz, e escrever em blogs.
Para tentar corresponder às expectativas sociais, prestou vestibular para se tornar médica. Os planos, no entanto, não saíram como esperado: “Minha nota não foi o suficiente para ingressar no curso. Então procurei um meio termo, que foi cursar odontologia. Por um momento, pensei que poderia gostar”, afirma. Contudo, já no primeiro semestre, Heloisy percebeu que aquilo estava longe do que queria e voltou para o cursinho.
Foi nesse período que a goiana ficou sabendo do curso de Inteligência Artificial: “Eu estava na colação de grau da minha irmã. Lá, me contaram que essa seria a primeira turma da Universidade Federal de Goiás (UFG)”. O tempo, no entanto, era curto: faltavam apenas dois dias para as inscrições do SISU se encerrarem. Ainda assim, as 48 horas foram suficientes para que Heloisy pesquisasse sobre o curso e analisasse o mercado de trabalho.
“Vi que a graduação envolvia exatas, área que possuo grande identificação. Então, parei e pensei: ‘Quer saber? Acho que essa descoberta não veio por acaso’.” Impulsionada pelo apoio de sua família, a jovem conseguiu a vaga e entrou para a nova graduação.
Heloisy Rodrigues sempre foi uma aluna exemplar
De início, Heloisy conta que ficou um pouco receosa, duvidando da sua capacidade. Contrariando as próprias expectativas, acabou fechando o primeiro semestre com nota máxima em todas as matérias. Foi nesse momento que soube, sem dúvidas, que havia se encontrado.
“A base do curso é uma tríade: matemática, computação e empreendedorismo. Não aprendemos apenas cálculo, mas também as ferramentas que solucionam as dores de pessoas e de empresas”, diz.
Notada pela instituição devido a seu alto desempenho, Heloisy logo passou a ganhar bolsas remuneradas para participar de projetos e pesquisas.
“A possibilidade de atuar enquanto estudava foi extremamente útil, pois eu não queria largar a faculdade para fazer um estágio. Muitos alunos precisam abandonar os estudos para se dedicar a áreas que, às vezes, nem correspondem àquilo que estão cursando”, explica.
Entre os projetos de Heloisy, IA para análise de sentimentos e detecção de quedas de idosos se destacam
O primeiro grande projeto de IA abraçado por Heloisy envolvia a evasão de estudantes em universidades federais: “Precisávamos prever qual aluno tinha maiores chances de abandonar o curso”. Uma vez mapeado o perfil, por meio de ferramentas de última geração, a universidade era capaz de desenvolver abordagens e monitorias mais assertivas para manter aquelas pessoas matriculadas.
Logo em seguida, o foco da jovem foi para a área da saúde: “Desenvolvemos uma câmera capaz de detectar quando um idoso ou pessoa com mobilidade reduzida sofria uma queda em casa. Assim que o acidente era identificado, o familiar ou responsável recebia uma notificação”.
Após a empreitada, Heloisy desenvolveu para o mercado de marketing um software capaz de analisar os sentimentos presentes em nossa voz. “Assim que a IA captava as emoções presentes na nossa fala, ela gerava imagens condizentes com aquele sentimento, com foco em criar propagandas que conversassem com o emocional do grande público”, diz. Como se pode ver, projetos tão diversos como esses são apenas a ponta do iceberg da capacidade da IA de resolver problemas.
Heloisy criou uma empresa para soluções criativas e de alta tecnologia
Assim que se formou na graduação, no final de 2023, Heloisy fundou uma startup chamada MaCALL, que desenvolve soluções criativas e de alta tecnologia para empresas de call center. “Estou muito honrada por chegar nessa posição. Eu jamais esperaria isso. Há quatro anos eu nem sabia direito o que era Inteligência Artificial”, conta.
Para além das próprias conquistas, a desenvolvedora enxerga um propósito maior por trás de suas ações: provar para as mulheres que é possível alcançar o que quiserem. “Não podemos esquecer que a Inteligência Artificial é feita por humanos. Para que ela não reflita apenas valores masculinos, precisamos estar lá para representar e trazer novos pontos de vista. A tecnologia precisa beneficiar todos os públicos”, lembra.