Era 1970, quando a brasileira Marília Guimarães chegou ao Aeroporto Internacional de Carrasco, em Montevidéu, com uma clara missão: sequestrar o avião Caravelle, rumo ao Rio de Janeiro, para fugir da Ditadura Civil Militar (1964-1985) junto de seus filhos.
A professora levava fraldas, mamadeiras e brinquedos para os pequenos Marcelo e Eduardo, então com 3 e 2 anos, respectivamente. Mas não só: escondia seis revólveres por baixo do vestido.
Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Marília estava na clandestinidade há um ano. Ela precisava mudar o local em que dormia todos os dias com as crianças para não ser capturada pelos militares.
Acontece que a professora era dona de uma escola em que aconteciam reuniões clandestinas da VPR e fazia cópias de panfletos políticos. Quando o mimeógrafo foi levado para a casa de um companheiro, porém, os militares o prenderam.
Pouco tempo depois, eles descobriram o envolvimento de Marília. Ela foi presa por apenas 72 horas, mas corria o risco de voltar à prisão a qualquer momento.
Foi então que o plano de sequestrar o avião surgiu. Numa equipe de seis guerrilheiros, concordou em levar a aeronave para Cuba, lugar em que ela e seus filhos poderiam viver livremente, sem a ameaça de morte ou tortura.
Antes do sequestro, eles se reuniram em Porto Alegre e foram de carro até o Uruguai, onde ajustaram os últimos detalhes do plano.
Não havia detector de metais no terminal de Montevidéu na época, o que possibilitou o embarque dela e dos militantes Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, James Allen da Luz, Athos Magno Costa e Silva, Isolde Sommer e Luiz Alberto da Silva.
No avião, ela distribuiu as armas aos companheiros, que anunciaram o sequestro assim que o voo começou. James era o comandante, portanto o responsável por dizer o local para onde iriam e ler um manifesto político explicando suas motivações.
O problema é que a turbina da aeronave estava defeituosa e o veículo possuía autonomia de combustível para apenas duas horas de voo, o que forçou um pouso em Buenos Aires, na Argentina, para o reabastecimento e acabou chamando atenção da imprensa internacional, que informou o sequestro.
A notícia de que havia uma guerrilheira com duas crianças se espalhou rapidamente, e foi o que salvou suas vidas. O avião parou novamente no Chile para fazer seu segundo reabastecimento. Salvador Allende governava o país, o que foi favorável aos militantes.
Em Lima, no Peru, o cenário foi bastante diferente. O avião foi cercado por militares peruanos. O presidente esperava negociar a rendição, autorizando o reabastecimento, mas ofereceram asilo político à professora e seus filhos em troca dos reféns serem liberados.
O avião também estava com problemas técnicos, precisando de baterias novas, que foram enviadas do Chile depois de negociações.
No Panamá, um coronel brasileiro tentou convencer um tripulante que havia descido para abastecer a nave de atirar em algum dos guerrilheiros. O caos possibilitaria invadir a aeronave. O tripulante, entretanto, não aceitou.
Os problemas da turbina direita exigiram novas baterias e um lubrificante para turbinas, e este estava em falta no país. Após algumas horas, conseguiram partir para Havana. O avião quase sofreu uma pane, mas acabou por pousar em segurança.
Marília viveu 10 anos em Cuba com os filhos, voltando ao Brasil em 1980, depois da Lei de Anistia
A história completa de Marília Guimarães está no livro Habitando o tempo. Clandestinidade, sequestro e exílio.