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“Tive um AVC aos 32 anos”

A educadora e neuropsicóloga Adriana Fóz, 48 anos, não estava acima do peso, não fumava e mantinha uma rotina saudável, com exercícios e boa alimentação. Ela jamais poderia imaginar que engrossaria as estatísticas das vítimas do derrame

Por Liliane Prata
Atualizado em 28 out 2016, 14h38 - Publicado em 27 out 2015, 06h00
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  • “Eu tinha 32 anos e não estava acima do peso, não fumava, pelo contrário: tinha um alimentação saudável, nadava, velejava e jogava tênis. Mas, nos últimos dias, eu estava me sentindo estranha, quieta, meio triste, sem energia. E eu era do tipo que está sempre fazendo alguma coisa – trabalhava muito e vivia em atividade, sozinha, com meu marido, família ou amigos. Pensei que estava tendo uma virose e cheguei a cogitar uma gravidez, porque também me sentia enjoada. Fui ao ginecologista e a hipótese de gravidez foi descartada. Então fui a uma psiquiatra. A médica disse que eu estava com sintomas de depressão e me receitou um antidepressivo. Mas o remédio, que é vasodilatador, acelerou o derrame que estava prestes a acontecer. Três dias depois de começar a tomar o medicamento, tive o AVC.

    Eu estava em casa, jogando baralho com minha família, quando comecei a me sentir muito mole. Errava as jogadas, esquecia o que era para fazer, e minha mãe comentou que eu estava estranha. Fiz piada da situação: eu não entendia como meus sentidos pareciam estar se embaralhando. Era como se a minha atenção estivesse completamente prejudicada. Fui para o sofá e pedi para ligarem a TV. Então, me disseram: ‘Adriana, a TV já está ligada!’. De novo, minha mãe disse que eu estava estranha e pediu que eu me deitasse. Comecei a ter dor de cabeça, mas o pior de tudo era a crescente desorganização mental. Comecei a ficar com a fala mole e então vomitei, aquele vômito do tipo jato na parede, que caracteriza origem neurológica. Fui levada para o hospital.

    Fui operada e fiquei cerca de vinte dias internada. Quando finalmente voltei para casa, senti raiva: eu não era mais a pessoa que eu era vinte dias antes, e como aquilo era angustiante! Não sabia mais ler nem escrever, não conseguia nem falar direito, que dirá manter a rotina de antes: trabalhar, jogar tênis… Tive uma depressão séria até começar a aceitar que a recuperação seria longa e as sequelas, imprevisíveis.

    Bem aos poucos, fui voltando a falar, ler. Meu lema era: um dia por vez. A recuperação total levou 5 anos. Era duro demais ter esquecido coisas simples. Um dia, na frutaria com minha mãe, minha alegria foi identificar a cor das frutas! Minha mãe não sabia se ria junto comigo ou se chorava.

    Um momento que me marcou ocorreu cerca de dois anos depois do derrame: foi quando peguei carona na moto de um professor de dança. Eu tinha passado aqueles dois anos sendo cuidada o tempo todo: pelo meu enfermeiro, ou minha mãe, meu marido, minhas amigas… De repente, sentindo o vento no rosto, me senti eu novamente.

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    Os médicos explicaram que meu AVC foi causado por dois fatores: predisposição genética mais estilo de vida. O fato de você ter uma propensão genética não significa que vai ter o problema, mas sim que precisa mudar sua forma de viver. No meu caso, eu tinha uma má formação venosa que só fui descobrir no hospital, no dia do AVC. Já o estilo de vida, eu conhecia bem: eu era muito perfeccionista, rígida comigo mesma, e vivia preocupada com tudo. O problema não era o excesso de trabalho, mas de preocupação e estresse.  

    Depois do AVC, passei a praticar ioga e meditação, além de correr. Ainda jogo tênis, mas precisei trocar a mão – era canhota para jogar e, como a hemorragia foi no lado direito, prejudicou os movimentos perfeitos do lado esquerdo. Mas, tirando isso, não tive sequelas. Em 2012, lancei meu livro A Cura do Cérebro (Novo Século), em que conto minha jornada. Voltei a trabalhar como educadora, neuropsicóloga e psicopedagoga e coordeno o projeto Cuca Legal, que faz parte do departamento de psiquiatria da UNIFESP. Hoje ainda trabalho bastante, mas a cabeça ficou completamente diferente. Eu me tornei mais leve e mais equilibrada. Não fico tentando abraçar o mundo, fazendo tudo o tempo todo: agora faço pausas ao longo do dia, paro, contemplo, além de priorizar as atividades e vínculos que fazem sentido para mim. Quando eu estava em recuperação, pensava: do que eu mais sinto falta na minha rotina? E o que, pelo contrário, era pura perda de tempo e não preciso mais? Quando você perde a capacidade de fazer coisas simples, fica mais claro o que faz sentido de verdade na sua vida. É preciso viver com atenção, sem piloto automático, sem formatar a nossa vida em um monte de atividades seguidas.

    Mas não acho que ninguém precise sofrer um AVC para chegar a essa conclusão. Acredito que é possível cultivar uma postura mais serena, mas essa é uma opção que precisamos fazer diariamente. Não adianta falar: ‘De agora em diante, serei mais tranquila, vou me preocupar menos…’. Temos que escolher esse modo de vida todos os dias.”

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