THC: substância da maconha pode trazer benefícios no uso recreativo?
Responsável pelos efeitos psíquicos da maconha, o THC é alvo de polêmicas tanto pela comunidade médica quanto por quem é usuário da planta
Quando falamos sobre o uso recreativo da maconha, logo nos vêm à cabeça o THC (Tetrahidrocanabinol) — substância psicoativa presente na maioria das plantas cannabis. Em outras palavras: esse é o elemento responsável pela famosa “brisa”, que traz pensamentos desconexos, ideias criativas, lentidão motora e por aí vai.
E é justamente por proporcionar esses efeitos que o THC acaba gerando uma enorme controvérsia. Há quem diga que ele é um grande vilão, capaz de desencadear crises emocionais intensas. Outros afirmam que a substância é extremamente benéfica para a saúde, sendo útil no combate de condições que vão da ansiedade às dores crônicas. Portanto… Qual é a verdade?
É possível ser beneficiado pela substância em um contexto recreativo ou medicinal? Existem contraindicações? Para responder a essas e outras perguntas, Claudia entrevistou a médica Maria Teresa Jacob, especialista em tratamentos canábicos com foco em dores crônicas. Confira:
O que é o THC?
Antes de comentar sobre seus benefícios e malefícios, Maria Jacob esclarece que é importantíssimo entender o que é a substância: “O THC é apenas um dos canabinóides presentes na cannabis. Até hoje, já identificamos mais de 125 canabinóides, mas falamos mais sobre o CBD e o THC porque foram os primeiros descobertos.”
Contudo, a especialista revela que, caso levarmos em consideração os terpenos e flavonoides — elementos responsáveis pelos odores e pigmentações da planta — o número de substâncias ativas na maconha sobe para 500. Portanto, a cannabis é extremamente complexa.
THC: por que ele gera a “brisa” da maconha?
Segundo Jacob, todos os canabinoides são psicoativos, pois atuam tanto no cérebro como no sistema nervoso. Porém, o THC possui o diferencial de ser psicodisléptico: “Isso significa que ele irá alterar atividades cerebrais, trazendo alucinações auditivas e visuais, algo que as outras substâncias da mesma classe não fazem”, esclarece.
“Quem busca a cannabis para fins recreativos, recorre às cepas com altas concentrações de THC. Atualmente, há espécies que ultrapassam níveis superiores a 80%. E claro, isso proporciona ‘viagens’ muito intensas”, afirma a médica.
Maria reitera que, no campo medicinal, as plantas até podem ter altos índices da substância psicodisléptica. No entanto, tamanha concentração é contrabalanceada por uma quantia equivalente de CBD, que bloqueia os efeitos mentais.
“Por mais que o medicamento canábico contenha altas doses de THC, essa quantidade é infinitamente menor do que a presente na maconha para uso recreativo, pois a combustão potencializa as doses da substância”, esclarece.
Mas e aí… O THC traz benefícios para a saúde física e psicológica?
Para a decepção de alguns, as “vantagens” do THC através do fumo não são muito diferentes daquelas encontradas na ingestão de álcool: “De forma recreativa, ele traz aquela tranquilidade e a sensação de descontração. É como tomar um vinho ou Whisky para relaxar. Mas realmente não passa disso. E aí precisamos ser realistas: qualquer substância fumada — seja maconha ou cigarro — pode ocasionar câncer nos pulmões, boca e outras complicações deste tipo”, alerta a médica.
Além disso, Maria diz que, enquanto o cérebro não está formado — algo que só acontece após os 20 anos de idade — o THC pode prejudicar o tecido cerebral, modificando a formação da massa cinzenta. “Quanto mais precoce for o consumo para fins recreativos, maiores podem ser os comprometimentos a longo prazo. Isso inclui mudanças nocivas de comportamento e doenças mentais.”
A médica também não recomenda o uso recreativo para pessoas com crises de ansiedade, síndrome do pânico ou arritmia cardíaca, já que o consumo pode desencadear a piora dos quadros.
“Não quero transformar o THC num vilão. Ele pode ser aproveitado em prol da saúde. Mas precisamos saber como utilizá-lo e em quais situações”, indica.
THC na medicina
Diferente do uso recreativo, o THC traz inúmeros benefícios ao ser encaixado num contexto medicinal. Maria Teresa listou algumas das inúmeras propriedades positivas da substância:
- Ação anti-inflamatória, antioxidante e neuroprotetora;
- Melhora a qualidade do sono;
- Útil para náuseas e vômitos secundários à quimioterapia;
- Recomendado no tratamento de glaucomas (aumento da pressão intraocular);
- Combate espasmos musculares (muito comuns na esclerose múltipla);
- Reduz a dor crônica;
- Estimula o apetite (algo muito recomendado para pacientes com AIDS, caquexia ou sob cuidados paliativos).
“A planta só age em nosso corpo porque temos o sistema endocanabinóide, responsável pelo equilíbrio do organismo. Ele entra em ação quando algum órgão ou região do corpo está em desequilíbrio. Assim que o problema é resolvido, as substâncias são metabolizadas. E é justamente neste processo que a cannabis e seus elementos vão ajudar”, explica.
Porém, é necessário ter cuidado ao escolher um especialista em medicina canábica, já que o sistema endocanabinóide é o mais individualizado de nossa espécie: “Existe muita variação de uma pessoa para outra. Por isso, é necessário achar um médico capaz de prescrever medicamentos adequados para o perfil do paciente e o quadro a ser tratado”, aconselha.
THC oferece riscos no tratamento medicinal?
Maria Teresa relembra que, assim como os medicamentos tradicionais, a cannabis também é metabolizada pelo fígado. E é aí que moram os riscos: “Existem interações medicamentosas e o especialista realmente precisa estar atento a essa questão. Quadros de arritmia cardíaca também requerem uma atenção maior na hora da prescrição”, alerta.
É difícil conseguir uma prescrição?
Mesmo que a passos lentos, a obtenção de medicamentos à base de canabinoides está sendo facilitada no país: “Normalmente, os produtos que contém um alto índice de THC são importados. Hoje, o paciente acessa o site da Anvisa, pede uma autorização e, muitas vezes, ele consegue o ‘sinal verde’ para importar o remédio no mesmo dia. Eu também não preciso fazer um enorme relatório explicando por que estou escolhendo aquele tipo de medicamento”, clarifica.
“Não temos uma legalização oficial, mas há uma legalização silenciosa. Lógico, quando tivermos mais produtos em farmácias, teremos um acesso mais imediato. Isso é imprescindível quando falamos de pacientes oncológicos, que precisam do tratamento com rapidez, por exemplo”.
Por fim, a especialista revela que, antigamente, quando você abria o processo na Anvisa, era necessário enviar um relatório complexo e esperar de dois a três meses para conseguir a liberação. Caso o pedido fosse autorizado, demoraria quase um mês para a pessoa receber o medicamento em casa. “Hoje temos alguns atrasos devido à pandemia e a guerra na Ucrânia. Mas mesmo assim, comparando com o que era, o avanço é muito grande”, conclui.