“Incomodada ficava a sua avó” dizia a atriz Suzy Rêgo em um icônico comercial de absorventes internos na década de 1980. Isso significa que se você tem 20 e poucos anos, já nasceu numa geração com privilégios! Para quem tem acesso a farmácias pertinho de casa e não muda praticamente nada na rotina durante ~aqueles dias~, é quase inimaginável pensar que em países como Índia e Uganda há meninas que chegam a largar os estudos por causa da menstruação. E é pensando nessas mulheres que surgiram dois projetos maravilhosos: a Menstrupedia e o AFRIpads.
Criada pela indiana Aditi Gupta, a Menstrupedia é um livro didático que, através de quadrinhos, esclarece sobre a menstruação. O material é destinado a meninas de 9 a 12 anos de idade e se propõe a desmistificar os tabus que ainda existem ao redor do assunto. Aditi conta que menstruou aos 12 anos, em 1992, e que pouquíssimo sabia a respeito do que se passava com seu corpo. Em vez de aprender sobre como aquilo era natural, ela foi orientada quanto a nova rotina que precisaria seguir todo o mês no período menstrual. Ela não poderia tocar em objetos sagrados, nem comer pepino em conserva, nem sentar-se no sofá, nem frequentar eventos sociais. Por ter nascido numa família de classe média, ela podia ter acesso a absorventes descartáveis, mas não teve durante a adolescência, pois compra-los era um risco à imagem da família. Dentro de casa, a menstruação precisava ser 100% escondida dos homens e os tecidos sujos de sangue deveriam ser lavados em segredo.
“Ainda hoje existem templos com placas que advertem mulheres menstruadas a não entrarem”, diz Aditi em sua palestra no Tedx, e garante que nesse exato momento ainda há muitas mulheres passando pela mesma humilhação que ela sofreu há 20 anos. Segundo ela, hoje em dia 88% das indianas ainda utilizam panos ao invés de absorventes adequados e o risco de contaminação é grande, pois a higienização continua sendo precária. Tudo por causa da crença de que a menstruação torna a mulher impura e de que esse é um assunto proibido.
Aditi explica que esse cenário é duplamente preocupante. Por um lado é um problema de saúde pública, pois não há uma preocupação com a higiene feminina durante a menstruação (em alguns casos as mulheres são proibidas até mesmo de tomar banho quando estão menstruadas) e, por outro, há a dura opressão misógina envolvida nessas crenças. “É humilhante e acaba com a autoestima das garotas durante os anos de formação”, diz ela.
Inconformada, em 2013 ela resolveu iniciar o projeto da Menstrupedia, que hoje já conta com diversos apoiadores e está disponível em quatro línguas faladas na Índia (inglês, hindi, gujarati e marathi). O livro é fofíssimo e se propõe a ser “o guia amigável sobre menstruação para garotas”. São 88 páginas que explicam o que é a menstruação, quais são as mudanças que ocorrem no nosso corpo durante a puberdade, como funciona a reprodução humana, quais são os cuidados de higiene que devemos seguir e como podemos aliviar as cólicas.
A versão final da Menstrupedia foi lançada em 2015, depois de muita pesquisa sobre linguagem e formato. Adipi e sua equipe chegaram à conclusão de que a apresentação por meio dos quadrinhos não apenas chama a atenção das crianças, mas também faz com que professores e pais sintam-se mais confortáveis para falar sobre o assunto. Hoje a Menstrupedia já é utilizada em diversas escolas ao redor do país e conta com uma plataforma digital para debater o tema.
Saindo da Ásia e indo para a África, um problema semelhante é enfrentado por garotas em países como Uganda. Além de serem ensinadas que menstruar é algo vergonhoso, muitas mulheres simplesmente não tem acesso a absorventes. Em muitas regiões não há onde compra-los e, quando estão à venda, costumam ser caros demais. De acordo com a UNICEF, 10% das meninas africanas ainda perdem dias de aula e até mesmo abandonam a escola por causa da menstruação. Em diversas comunidades africanas o período menstrual ainda é conhecido como a “semana da vergonha”.
E é para ajudar essas mulheres que surgiu a AFRIpads, uma empresa que fabrica absorventes reutilizáveis de baixo custo. Eles são feitos de tecido e disponibilizados em kits com quatro unidades, que têm até um ano de vida útil. A AFRIpads é sediada na Uganda e se compromete a empregar gente local, sendo que 90% dos funcionários são mulheres. Além de vender o produto às consumidoras finais, a empresa também trabalha em parceria com organizações humanitárias, que disponibilizam os kits gratuitamente e promovem a desmistificação da “semana da vergonha”. Segundo a AFRIpads, mais de 750 mil mulheres já foram impactadas pelo projeto.
Apesar de não estarem diretamente conectadas, Menstrupedia e AFRIpads levantam a mesma bandeira: mais dignidade, menos misoginia! Não somos impuras e não devemos ter vergonha do nosso corpo. Merecemos respeito do 1º ao último dia do mês!