Alguns transtornos de saúde mental têm sintomas que são facilmente confundidos com simples efeitos de uma vida agitada. “Muitas vezes a pessoa não percebe que está passando por algo mais grave do que uma simples sobrecarga do cotidiano”, diz a mestre e doutora em Ciências e Expressividade pela USP, Cristiane Romano.
Há sintomas físicos mas também alguns sinais mais sutis, de adoecimento psíquicos. Muitas pessoas não percebem ou não aceitam que algo não vai bem. “O desconhecimento em torno de questões relacionadas à saúde mental, bem como tabu e preconceito ainda são grandes barreiras” afirma Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude, startup que conecta psicólogos a pacientes.
Mesmo com notados os sintomas, leva ainda um tempo para assumir que algum tipo de ajuda poderá ser necessário. “É difícil para uma pessoa admitir que está acometida por algum transtorno mental”, diz Cristiane. Medo e vergonha ainda rondam o tema da saúde mental e prejudicam o trabalho de prevenção.
Mas, falar abertamente sobre o tema, buscar informações são atitudes importantes e este sábado, 10, é um dia propício já que é o Dia Mundial da Saúde Mental. A data foi instituída pela Federação Mundial de Saúde Mental em 1992 e vem ganhando relevância com o passar dos anos.
Problemas ligados à saúde mental são atualmente uma prioridade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), devido ao alto poder incapacitante dos transtornos mentais. Com a pandemia do novo coronavírus, e a necessidade de isolamento social, o adoecimento mental se agravou.
“O que mais tem sido visto é o aumento de quadros ansiosos, tanto em adultos como adolescentes. Futuramente, é esperado um aumento de quadros depressivos”, diz a psiquiatra da Unifesp Danielle H. Admoni, especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). As queixas mais frequentes além dos transtornos em si, segundo a psiquiatra, são cansaço, pela radical alteração da rotina, excesso de telas, sobrecarga e alteração do sono.
Casos de abuso de álcool estão em alta, assim como de dependência química, de Transtorno Obsessivo Compulsivo e de síndrome de Burnout, diz Tatiana. “A preocupação com o contágio tem feito algumas pessoas a lavarem as mãos e utilizarem álcool em gel de forma excessiva, que é um comportamento compulsivo, que pode desencadear outros como a compulsão alimentar, que levará a mais casos de obesidade no futuro”, diz.
Um estudo feito pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) apontou que os casos de depressão praticamente dobraram desde o início da quarentena. Entre março e abril, dados coletados online indicam que o percentual de pessoas com depressão saltou de 4,2% para 8,0%, enquanto para os quadros de ansiedade o índice foi de 8,7% para 14,9%.
“Em nossas pesquisas internas, principalmente dentro de algumas organizações, já chegamos a identificar prevalência de sinais de ansiedade severos e extremamente severos em 30% dos colaboradores”, diz Tatiana. Ela lembra o Brasil, já era considerado o país mais ansioso do mundo, antes da pandemia. “A OMS afirmava que o Brasil tinha 9,3% da população com transtorno de ansiedade. O que nossos mapeamentos sugerem é que esse crescimento de 80% apontado pela UERJ pode ser ainda maior entre as pessoas economicamente ativas, de até três vezes”, diz.
Diversos são os sinais que merecem atenção e que, segundo especialistas, podem ser indicativos de desordem mental. A lista é longa e reúne sintomas físicos, cognitivos e emocionais citados por cinco especialistas consultadas por CLAUDIA:
Alterações no sono: segundo a psiquiatra da Unifesp Danielle H. Admoni, especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) mudanças na rotina do sono tanto para mais quanto problemas de insônia, são sinais físicos mais comuns indicativos de transtornos de ordem mental.
Ausência ou excesso de apetite: também são os sintomas físicos mais frequentes. “A quarentena se tornou um gatilho para muitas pessoas, que viram na comida uma forma de aliviar a ansiedade”, diz Claudia Chang, pós-doutora em endocrinologia e metabologia pela USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Ela alerta para o aumento de casos de Transtorno da Compulsão Alimentar (TCA) se caracteriza pela ingestão, em um curto período de tempo, de uma quantidade exagerada de alimentos.
Dores no corpo: problemas emocionais não elaborados podem resultar em dores físicas, segundo as especialistas. Dores musculares e tensão nos ombros são frequentes.
Sintomas na lombar: Um estudo da Universidade Anglia Ruskin, no Reino Unido, mostrou, por exemplo, que esse incômodo pode ser o estopim para problemas psiquiátricos, em especial depressão e ansiedade.
Taquicardia e dores no peito: o batimento cardíaco acelerado e até arritmia são sintomas que também estão ligados a transtornos de saúde mental, segundo as especialistas.
Dor de cabeça constante, enxaqueca: quadros de estresse, depressão, ansiedade, excitação e choque podem desencadear uma enxaqueca eu tive uma época que tinha uma cartela de dorflex na primeira gaveta na minha mesa, era pelo menos um comprimido por dia.
Problemas digestivos: é sabido que angústia e problemas de ordem emocional podem resultar em indigestão, desconforto abdominal, distúrbios gástricos, refluxo gastrite, dores de estômago e até afecções intestinais.
Queda de cabelo, unhas fracas e amenorreia (ficar sem menstruar): podem ser efeitos físicos resultantes de transtornos alimentares, segundo a psiquiatra Danielle Admoni.
Queda na imunidade: passar a ficar doente mais constantemente do que ficava.
Falta de paciência e irritação: “situações cotidianas adquirem uma intensidade e dimensão exageradas”, diz Marcia Dolores, psicóloga e conselheira em Desenvolvimento Humano e Estudos da Família no IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).
Ausência de concentração: é um sinal mais silencioso e que muitas vezes não é relacionado aos transtornos mentais.
Problemas de memória: “esquecimentos das atividades que precisavam ser feitas”, diz Tatiana.
Agitação, inquietação e pensamentos acelerados: a pessoa tem dificuldade para relaxar. “Parece que a pessoa estácom bicho carpinteiro, como diriam os mais velhos”, explica Tatiana.
Tristeza sem motivo aparente, medo constante: muitas vezes a pouca vontade de sair da cama e realizar as tarefas está relacionada à depressão.
Sensação de incapacidade: “insegurança diante das situações e muito medo. Em algumas situações, um episódio de pânico já pode ser considerado um alerta”, diz Márcia.
Pessimismo: visão distorcida da realidade. Segundo Tatiana, é comum se usar a expressão síndrome de hiena, em referência ao desenho dos anos 1980 Lippy e Hardy, onde a hiena ficava o tempo inteiro repetindo: “oh vida, oh céus, oh azar”.
Fique atenta e procure ajuda, recomendam especialistas
O corpo fala. Se você coleciona os sintomas mencionados pelas especialistas, e tem percebido a recorrência deles não deixe de buscar ajuda.
Negligenciar o que seu corpo e mente estão tentando comunicar pode desencadear sintomas expressivos e que vão, sem dúvida, afetar sua rotina e responsabilidades. “O corpo humano é sábio: quando a pessoa passa a ter uma série de sintomas, de forma contínua, a ponto de interferir negativamente em sua vida, é certo que é hora de parar e dar atenção aos sinais que o corpo está dando”, diz Márcia.
O cuidado preventivo com a saúde mental é o mais indicado. Da mesma forma que tentamos nos alimentar bem, praticar atividade físicas, a saúde mental também pede um olhar anterior ao surgimento de sintomas.
“Outro dia ouvi um PhD em psicologia da saúde falando em uma palestra que o melhor sinal para buscarmos um trabalho com um psicólogo é o coração batendo. Se estamos vivos, deveríamos nos cuidar”, diz Tatiana.