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Precisamos falar sobre depressão infantil

Segundo a OMS, o índice de crianças entre 6 e 12 anos diagnosticadas com o distúrbio saltou de 4,5% para 8% na última década.

Por Débora Stevaux Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 jan 2017, 10h20 - Publicado em 30 jan 2017, 09h33
 (Reprodução/ThinkStock)
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Nas próximas duas décadas, a depressão será uma das doenças mais recorrentes no mundo. Ela ultrapassará o número de indivíduos com câncer ou que sofrem de problemas cardíacos, conforme aponta a Organização Mundial da Saúde em dados de 2014. Hoje, cerca de 400 milhões de pessoas lidam diariamente com um profundo e duradouro sentimento de tristeza e desesperança — isto é, o equivalente a 7% da população mundial, sendo que a maioria está concentrada em países em desenvolvimento.

Todavia, essa epidemia silenciosa não se restringe aos adultos. Segundo a OMS, o índice de crianças entre 6 e 12 anos diagnosticadas com a doença saltou de 4,5% para 8% na última década. Para a medicina, a depressão infantil é uma patologia relativamente nova. Foi somente nos anos 1970 que ela passou a ser reconhecida na literatura médica, sendo que antes disso os casos eram considerados raríssimos ou inexistentes.

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Mas como identificar um transtorno psíquico em uma criança que ainda está aprendendo a nomear os sentimentos que a acometem? Muitas vezes, crianças depressivas acreditam que o desconforto e a tristeza são condições inevitáveis e naturais à sua existência. Dessa forma, não entendem essa situação como algo fora da normalidade, capaz de ser diagnosticado e resolvido. Isso faz com que os pequenos se escondam no próprio silêncio, se retraindo dos laços afetivos e inibindo uma das características mais importantes da infância: a surpresa da descoberta ao brincar.

Para a Dra. Mariana Bonsaver, psicóloga infantil da Maternidade Pro Matre Paulista, é necessário atenção redobrada dos pais e familiares em situações como esta. De acordo com ela, os sintomas da depressão infantil são comumente confundidos com crises transitórias decorrentes da faixa etária. “A criança também pode apresentar dificuldade em expressar o que há de errado com ela, o que pode interferir no diagnóstico”, explica.

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Como se trata de um distúrbio mental, a depressão ainda é incapaz de ser identificada através de testes laboratoriais. Portanto, a avaliação médica se respalda no Manual de Estatística e Diagnóstico de Transtornos Mentais. A partir da ocorrência de ao menos cinco sintomas listados no manual em um espaço de tempo de duas semanas, é possível diagnosticar a criança com a doença.

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A depressão infantil pode ser diagnosticada em crianças entre 4 e 9 anos. A partir dessa faixa etária, dependendo do diagnóstico e do quadro do pequeno, pode ser necessária a prescrição de medicamentos, além do acompanhamento psicológico. Os causadores da doença variam. Eles podem ser uma predisposição genética; traumas, como abuso sexual ou psicológico; convivência familiar, principalmente no que diz respeito à relação com a mãe; problemas durante a gestação e alguns traços próprios do temperamento.

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“Irritabilidade, alterações no padrão de sono e de alimentação, baixa autoestima, crises de choro, oscilações de humor, medo, agressividade, ansiedade” são alguns dos principais sintomas da depressão infantil, de acordo com a Dra. Mariana Bonsaver. Além disso, ela lista enurese e encoprese — emissões involuntárias de urina e fezes durante o sono, respectivamente — bem como dificuldades na escola, muitas queixas de dores físicas, e perda de interesse em atividades antes consideradas prazerosas como indícios da doença.

As alterações de sono são os sintomas mais significativos quando se trata da depressão infantil. Elas podem se manifestar como insônia e pesadelos constantes, que por sua vez causam fadiga excessiva, além de sonolência profunda e frequente. “Isso também é bem comum no quadro depressivo dos adultos”, explica a Dra. Gabriela Malzyner, psicanalista membro do CEPPAN (Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia) e psicóloga do Instituto Pensi, do Hospital Infantil Sabará. “Para adormecer, precisamos nos permitir [relaxar], assim nos desfazemos da energia diária. Então, quando não estamos bem psicologicamente, a permissão de se desligar e adormecer se torna uma tarefa árdua.”

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Como é recorrente em quase todos os distúrbios psíquicos, o diálogo ainda é a maneira mais efetiva para entender e diagnosticar a doença. No entanto, o que se observa — cada vez com mais frequência — é a medicalização compulsiva, às vezes realizada sem o devido acompanhamento psicoterapêutico, de pessoas com desordens psicológicas.

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De acordo com a Dra. Gabriela, isso não se restringe apenas aos adultos com depressão. “A tendência é patologizar a criança”, declara a psicanalista. “Em vez dos familiares e responsáveis observarem o ambiente e perceberem que uma criança certamente desenvolverá algum distúrbio caso passe o dia inteiro na frente da televisão, por exemplo, eles já atestam que ela está doente porque não presta atenção nas coisas.”

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“Lógico que esses casos existem e precisam ser tratados, mas e se trabalhássemos em combater as causas antes de buscarmos avidamente por um diagnóstico? Muitos familiares lembram de dar o remédio para os filhos, mas se esquecem do quão fundamental é a terapia familiar, por exemplo”, continua a especialista, que ressalta a importância do diálogo e da desmedicalização da infância para a eficácia do tratamento da doença. “Precisamos saber o que eles sentem. Mesmo que eles não saibam nomear com tanta destreza como nós, eles têm ciência do que nutrem dentro de si.”

Caso a depressão infantil não seja diagnosticada e tratada, a tendência é que a doença permaneça à espreita, acompanhando o paciente durante a adolescência. Neste caso, o quadro pode assumir contornos diversos como “isolamento, dificuldades de interação social, transtornos alimentares, abuso de drogas e ideações suicidas”, finaliza a Dra. Mariana.

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