Silêncio punitivo: os impactos da falta de diálogo nas relações
Entenda como a prática revela desentendimentos e frustrações mal resolvidas em relacionamentos e dinâmicas familiares
“Depois de uma discussão, parecia que eu não existia.” O relato invisibilizado é de Yvez Carvalho, um jovem estudante de 25 anos que, desde muito pequeno, precisou lidar com os períodos de silêncio punitivos da mãe.
Tudo começou quando o casamento de seus pais chegou ao fim, após duas décadas unidos por um sonho e um negócio: a construção de um núcleo familiar e o prazer de tocar um salão de beleza juntos na capital paulista.
“Tanto minha mãe quanto meu pai se conheceram enquanto estudavam cortes e coloração em uma escola profissionalizante. Desde então, segundo as histórias que eles me contavam, nunca mais se separaram”, relembra o jovem. Logo após o casamento, vieram os filhos. Yvez, o mais velho, nasceu poucos anos depois da inauguração do tão sonhado salão de beleza. Em seguida, veio o irmão mais novo.
“Passávamos horas trabalhando com meus pais. Eu e meu irmão crescemos naquele lugar, seja recolhendo os tufos de cabelos espalhados pelo chão ou dobrando toalhas até a hora de irmos embora, todos juntos. Quem via de fora achava que tudo estava às mil maravilhas. O que ninguém sabia era que a família “perfeita” tinha um sério problema de comunicação”.
Em um curto espaço de tempo, o que antes havia sido se tornado a realização de um plano traçado pelo destino e pelas tesouras de cabelo se transformou em uma sequência de desentendimentos marcados, principalmente, pela falta de diálogo e acolhimento entre os pais.
“Lembro do meu pai passar dias fora de casa após brigar com minha mãe por conta do salão. Essas idas e vindas duraram tanto tempo que, pra mim, era normal ter que lidar com essa ausência do meu pai e com as consequências de uma mãe que preferia não falar sobre o que estava acontecendo. Só entendi quando cresci”, reflete o jovem.
O que é silêncio punitivo?
Aos 17 anos, Yvez presenciou o divórcio dos pais e, de cara, enfrentou o primeiro período de silêncio punitivo por parte da mãe, após informar que passaria um tempo morando com o pai cabeleireiro. Ele comenta que a matriarca, logo após a mudança, iniciou uma forma de “protesto” contra ele, o mesmo que acontecia com seu pai anos antes.
“Ela não me ligava e também não tinha o interesse em saber se eu estava bem. Não falava o motivo e tão pouco me deixava se aproximar dela ou do meu irmão. Parecia que eu estava carregando nas costas todas as consequências da separação da nossa família.”
A situação familiar que Yvez presenciou ao longo do relacionamento dos pais e durante a adolescência, segundo alguns psiquiatras, se enquadra em uma prática chamada de silêncio punitivo.
Trata-se de uma ação bastante comum em ambientes de conflito caracterizada pelo ato de ignorar ou se recusar a manter comunicação com alguém como forma de punição, desaprovação, frustração ou até mesmo manipulação emocional.
De acordo com a psiquiatra Yara Azevedo, essa prática, em contextos familiares, funciona como uma forma de desaprovação e sobrecarga emocional devido a expectativas frustradas, em que o indivíduo usa a falta de diálogo e a ausência de verbalização de sentimentos para impor suas condições.
“A pessoa que passa pelo tratamento do silêncio sofre, pois ela está de fato sendo agredida, apesar de não parecer. As consequências pessoais dessa tratativa são sempre negativas, além de causar deterioração da relação e o aumento de mal-entendidos devido a falta de abertura para a comunicação”, explica a médica supervisora do Instituto de Psiquiatria do HC.
Apesar de o silêncio punitivo parecer uma frustração momentânea e passageira para algumas pessoas, a frequência desse comportamento, do ponto de vista analítico, pode ser visto como uma forma de defesa contra conflitos inconscientes não resolvidos há anos.
Nesse contexto, Yara explica que o indivíduo, sem a capacidade de se expressar, acaba se isolando como forma de se proteger dos próprios sentimentos ou de sua vulnerabilidade.
“Quem pratica o tratamento do silêncio pode ter traumas e sentimentos reprimidos. Neste caso, a pessoa pode não estar plenamente consciente do impacto do silêncio ou das emoções que o motivam”, pontua a psiquiatra.
Como lidar com o silêncio punitivo?
Anos depois da saída conturbada da casa de sua mãe, Yvez comenta que para entender o protesto em forma de silêncio feito pela mãe só foi possível após o contato com a terapia e acompanhamento psiquiátrico.
“Eu me culpava o tempo todo pela falta de aproximação. Cheguei a cogitar que havia a abandonado durante o momento mais difícil de nossas vidas. Depois de anos, sem sequer falar sobre esses sentimentos, só fui entender que não se tratava sobre mim quando comecei a terapia”, assume.
Sim, em alguns casos, de acordo com Yara, a compreensão sobre o silêncio punitivo chega somente depois de um banho de consciência, que na maioria das vezes, acontece do lado de quem sofre.
“O silêncio constrange profundamente, o que pode levar o outro a pensar que suas opiniões, sentimentos e necessidades não são importantes, questionando inclusive seu próprio valor. Isso pode levar a quadros de ansiedade e até um sentimento de culpa exacerbada. Como não é possível resolver essa questão com quem ignora, essa situação, na maioria das vezes, é resolvida na sala de psicoterapia”, diz.
O silêncio não é a melhor saída
Com o jovem estudante não foi diferente. Para ele, um dos motivos pela qual a mãe não tornava a situação flexível sobre as mudanças familiares se dava pelo fato de que havia sinais de que a saúde mental da matriarca não andava bem há alguns anos. O afastamento, no caso, foi a melhor saída.
“Não é fácil lidar com a falta de intimidade, afeto e confiança. Tudo o que discordamos gerava uma discussão e, depois de uma discussão, parecia que eu não existia. Então pensei, ‘por que permanecer nessa situação?’. Foi aí que decidi manter apenas uma relação mediana”, conta o estudante.
“Nenhum filho quer estar longe de sua mãe, mas e quando nossa saúde mental é colocada em jogo? Entender que ela é um ser humano assim como eu, fez com que eu parasse de romantizar os abusos que até mesmo uma mãe é capaz de cometer”, finaliza.
Assim como Yvez, Yara também reforça: “As emoções do outro não são sua responsabilidade, principalmente se essa relação envolve um afeto tão intrínseco quanto o afeto parental”, alerta a psiquiatra. “Propor uma comunicação aberta, honesta e franca, é lutar para não normalizar esse padrão que reprime a dor e reforça uma pressão psicológica, seja em núcleos familiares ou amorosos”, acrescenta.
“Conversar e buscar apoio com seus amigos, familiares ou quem sabe, com um terapeuta poderá eliminar a sensação de sobrecarga e criar caminhos para que o diálogo retorne. Afinal somos seres de comunicação e sem ela, somos afundados em nossas próprias dores”.
Hoje, Yvez e a mãe mantêm uma relação estável, o que não significa que tudo voltou a ser como era antes.
“Falando a verdade, prefiro que seja assim. Encontramos um lugar onde eu e ela sabemos onde podemos chegar um com o outro. Espero que ela se cure dessa falta de confiança e sentimento de abandono e entenda que, contar os meus segredos e pensamentos é o meu maior sonho como filho”.
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