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As corajosas mulheres voluntárias nos testes da vacina contra a Covid-19

Fazendo história ao participar dos testes no Brasil e nos Estados Unidos, elas dividem também suas preocupações com a pandemia

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Gabriela Teixeira (colaboradora)
Atualizado em 1 fev 2021, 12h51 - Publicado em 15 jan 2021, 09h00
Mulher negra vestida de branco e sorrindo diante de um fundo azul claro
A enfermeira intensivista Jane Alves conseguiu convencer o pai a também se voluntariar. (Foto: Palmiro Domingues/CLAUDIA)
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Quando essa matéria estava sendo finalizada, no começo de janeiro, cerca de 14 milhões de pessoas em 50 países já haviam sido emergencialmente imunizadas contra a Covid-19, de acordo com o site Our World in Data, que reúne informações de publicações científicas e dados do mundo todo.

No Brasil, segundo o Plano Nacional de Imunização (PNI), divulgado pelo Governo Federal em dezembro, há negociações em andamento para que ao menos 350 milhões de doses sejam obtidas ao longo de 2021 – das quais 108 milhões devem ser utilizadas entre os quatro grupos definidos como prioritários.

Contudo, apesar de contabilizarmos quase 8 milhões de casos da doença e 200 mil mortes, enquanto não houver aprovação dos imunizantes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a data de início da vacinação em território nacional segue indefinida – estendendo uma espera que já tem ares de eternidade, mas que poderia ser ainda maior.

Do desenvolvimento e análise da composição até o momento da aprovação, a produção de uma vacina pode levar até 10 anos. O aprimoramento tecnológico tem reduzido esse prazo, que compreende rigorosas avaliações para determinar a eficácia e a segurança dos compostos, comprovando a qualidade do produto final.

No caso das vacinas para a Covid-19, a rapidez de suas fabricações é justificada não só pela urgência imposta pela crise pandêmica mas também pelo conhecimento prévio da família do coronavírus, o que ajudou na elaboração mais acelerada de um ataque ao vírus.

“O desenvolvimento em tempo recorde foi possível por causa de anos de pesquisa anteriores e a experiência acumulada de cientistas que já trabalhavam em imunizantes de outros vírus respiratórios, como o SARS e o MERS”, explica a farmacêutica bioquímica Amanda Farage Frade Barros. “Além disso, houve um trabalho intenso nos últimos dez meses, injeção de grandes quantias de dinheiro, talento científico e também de um pouco de sorte.”

Para chegar à população, é imprescindível que os imunizantes passem por três etapas, incluindo os testes em voluntários humanos, que acontecem na chamada fase clínica, após embasamentos científicos e testes em animais. O vínculo firmado pelos participantes começa antes de receber as doses.

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Um voluntário precisa passar por uma bateria de exames, deve se comprometer a registrar em diários de acompanhamento toda e qualquer reação ou efeito colateral que possa surgir, e, acima de tudo, confiar na seriedade do procedimento. O compromisso não termina após a vacina ser aprovada para uso em larga escala. Por no mínimo um ano, os voluntários seguirão sendo monitorados para fins de comprovação da eficiência, impactos e duração da imunização.

Das noites em claro embaladas pela ansiedade ao desejo de recuperar a vitalidade coletiva, há muito em comum entre as mulheres voluntárias das vacinas da Pfizer, AstraZeneca (Fiocruz), Jansen (Johnson & Johnson) e da Coronavac (Instituto Butantan). Longe do heroísmo, é a humanidade das participantes, com suas certezas e fragilidades, que embasa a decisão de participar de um estudo científico histórico.

Inspiração

Enfermeira intensivista, atuando no paulistano Hospital São Paulo, Jane Alves, 43 anos, divide-se entre o atendimento de pacientes acometidos pelo novo coronavírus e aqueles que sofrem de doenças crônicas, cuja demanda aumentou significativamente nos últimos meses. “Os cuidados ambulatoriais e hospitalares a essa população foram retomados e tivemos que redimensionar leitos de atendimentos aos pacientes com Covid-19”, explica.

Além de sua presença constante na linha de frente, Jane também encontrou no conhecimento prévio dos procedimentos e cuidados envolvidos em pesquisas clínicas a motivação e segurança de que precisava para testar a vacina de Oxford. “Sou formada pela Universidade Federal de São Paulo, que coordenou o estudo da vacina aqui. É uma instituição séria no desenvolvimento de pesquisas, conheço de perto os critérios e considero-os confiáveis”, afirma.

Mulher negra com cabelo cacheado olha para a câmera
Jane Alves (Foto: Palmiro Domingues/CLAUDIA)
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Esclarecer dúvidas com embasamento científico, aliás, é um mandamento que ela leva para a vida. “Aprendemos essa prática quando somos estudantes. Devo seguir as melhores evidências não apenas como enfermeira, mas também como cidadã responsável por influenciar positiva ou negativamente as pessoas.”

Foi com essa iniciativa e argumentos firmes que ela convenceu o pai, de 72 anos e parte do grupo de risco, a também se voluntariar para os testes. “Somos inspiração”, afirma ela. “Contribuir com projetos que visam a preservação humana me motiva e acredito que nossa postura ativa em busca de melhores condições de vida para a sociedade é extremamente valiosa.”

A Universidade Federal de São Paulo é uma instituição séria no desenvolvimento de pesquisas, conheço de perto os critérios e considero-os confiáveis

Jane Alves, enfermeira intensivista

 

Reencontro

Pular Carnaval é uma paixão de M.K., 43 anos, de Belém. Morando na cidade de São Paulo, a farmacêutica já tinha aberto mão da festa em 2020, pelo receio de contrair o novo coronavírus. “Tinha certeza que chegaria ao Brasil, mas falavam que não. Quando começou a quarentena, eu e minha família não saímos para nada mesmo. Montamos uma estrutura para higienizar, que segue até hoje. Eu jogo álcool em tudo, tento deixar a casa tão limpa quanto uma unidade intensiva hospitalar”, descreve ela sobre os cuidados para evitar, principalmente o contágio do pai, diagnosticado com leucemia.

Participar dos testes da imunização contra a Covid-19 serviu como uma tentativa de alento. “Com a vacina, senti um alívio por ter um caminho em meio ao caos. Meu mestrado foi sobre imunização, mas quando a pandemia começou não dava para acreditar que estava vivendo o que via nos livros”, lembra a voluntária da vacina da AstraZeneca.

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Para ela, as possíveis reações físicas serão o grande desafio no combate da pandemia. “As informações falsas e o medo dos sintomas, que podem acontecer com qualquer imunizante, geram um risco da população não retornar para a segunda dose. Ou seja, não teríamos a imunização completa”, considera. Ao tomar a vacina, que pode ter sido contra a Covid-19 ou meningite, usada como placebo nesta pesquisa, ela sentiu reações leves, similares as do início de uma gripe.

As fake news em torno de imunizantes não são novidade para a farmacêutica, que se afastou da carreira acadêmica por causa do descaso com o qual a ciência padece há décadas. “Saí da área de pesquisa por ver que tudo virou um grande comércio e jogo político, isso me desmotivou. Porém, acho que, mesmo sem a colaboração do nosso governo, a pandemia resgatou a autoestima do pesquisador”, fala.

O voluntariado para M.K. está longe de ser uma atitude heroica. “Na verdade, foi uma satisfação pessoal ter contribuído. Acredito que essa pandemia vai mudar não só o interesse da população com estudos científicos, como a agilidade nos resultados. O trabalho em conjunto finalmente aconteceu”, celebra ela, que não vê a hora de voltar a sair com o pai e rever os amigos sem medo.

Esperança

Mulher branca, de cabelos pretos e lisos, na altura do ombro, posa para foto. Na segunda foto da montagem, ela está com equipamento de segurança, máscara e luvas, pronta para trabalhar
Denise Abranches (Fotos retrato, Palmiro Domingues/CLAUDIA • paramentada/Acervo pessoal)

A estadia de um paciente com Covid-19 na Unidade de Terapia Intensiva é permeada de solidão. Por isso, a cirurgiã-dentista Denise Abranches faz o possível, dentro de suas limitações, para torná-la menos penosa.

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Diariamente, ela cuida da higiene bucal dos entubados no Hospital São Paulo, diminuindo a carga viral de suas bocas e evitando que elas sejam portas para outras infecções. Um trabalho carregado de riscos e também de silêncio, quebrado vez ou outra, quando ela conversa com os pacientes. “Me perguntam o que falo com alguém que nem sequer está consciente. Eu peço licença, consentimento para estar ali. É uma fala de carinho e respeito.”

Longe da família há mais de 10 meses – pela primeira vez em 47 anos, ela não pôde passar o Natal na companhia da mãe –, Denise se coloca no lugar daqueles que não conseguem se despedir de seus entes queridos. “Presenciei muitas mortes solitárias, é o pior e mais impressionante dos cenários que já vivi. Ninguém consegue ver essas coisas e não ficar impactado. São feridas que ainda estão abertas e que não dá tempo de cuidar, porque temos que trabalhar”, diz.

Transformada pela batalha diária contra o vírus, ela conta que sentiu uma esperança imensa nascer dentro de si quando soube do estudo para a vacina de Oxford. O anúncio da parceria entre o hospital e os pesquisadores veio durante uma reunião administrativa e, no mesmo momento, ela decidiu que precisava se voluntariar. “Assim que a reunião acabou, fui com o coração disparado até o Centro de Referências para Imunobiológicos Especiais (Crie). Meu medo era chegar lá e não ter mais vagas”, lembra.

Dias depois, Denise se viu no centro dos holofotes: era a primeira voluntária brasileira dos testes da vacina de Oxford. Entrevistada por veículos de todo o mundo, ela se sente privilegiada por participar de um acontecimento de tamanha magnitude, mas, por razões emocionais, evita ler o que publicam a seu respeito. “Depois da biossegurança, a saúde mental é o maior desafio. Chego em casa e só quero esvaziar a minha mente. É o único lugar em que posso ficar cem por cento em paz, onde não tenho medo de contaminar alguém”, desabafa.

Vivendo o contraste de lidar constantemente com a morte e ao mesmo tempo representar uma esperança de vida, a médica hesita em aceitar o título de heroína. “É uma palavra com muita simbologia, o heroísmo está no gesto de cada profissional que cuida de quem precisa, de cada voluntário. Com ou sem exposição por ser a número um, eu estaria aqui do mesmo jeito. Escolhi essa profissão e estou cumprindo meu dever”, afirma.

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Junto com a gratidão por estar viva e pelos ensinamentos deixados por colegas e pacientes que já se foram, outro sentimento acompanha Denise enquanto caminha pelos corredores do hospital: a esperança de, em um futuro seguro, poder abraçar a mãe.

Renovação

Jovem branca, de cabelos lisos e pretos, na altura dos ombros, posa para foto sentada em sofá de couro marrom
Ana Beatriz Lotto (Foto: Palmiro Domingues/CLAUDIA)

Oito horas. Esse era o tempo que a estudante de relações públicas Ana Beatriz Lotto, 20 anos, ficava em casa até março, quando o isolamento foi decretado. Moradora de São Bernardo do Campo (SP), boa parte da rotina se passava no transporte público, que a levava para o estágio e a faculdade, na região central de São Paulo.

“Saia às sete da manhã e voltava quase meia-noite. Foi difícil me adaptar com tudo online. Ainda mudei de trabalho e o primeiro contato com a nova equipe foi totalmente virtual. A vida estava de cabeça pra baixo”, diz Ana, que se assusta com o novo coronavírus cada vez mais perto da sua realidade.

“No começo, não tive nenhum caso próximo. Mas, há três meses, minha tia pegou. Ainda bem que não precisou ser internada. Agora, tenho dois tios infectados. A gente vai ficando apreensiva”, aponta a estudante, que é voluntária da vacina Jansen-Cilag, produzida pela seção farmacêutica da Johnson & Johnson.

A oportunidade de participar da terceira fase de testes do imunizante chegou por mensagem de texto no celular da sua mãe, que, por ter comorbidade, não pôde participar. “Fiquei sabendo por uma amiga dela, que é biomédica. Como não tinha restrição apenas para profissionais da área da saúde, preenchi o formulário, mas de forma despretensiosa e sem achar que iriam me chamar”, lembra.

Um mês depois, Bea teve o retorno do laboratório, instalado em sua cidade, para fazer a triagem e receber o possível imunizante. “Ligaram em uma quinta-feira e no sábado já estava lá. Minha mãe era a única que sabia até então, mas na hora acabei contando para meu irmão e meu pai. O apoio dos dois foi essencial, já que fiquei em dúvida na reta final”, revela a voluntária.

A internet também foi uma aliada para decidir se participaria ou não. “Vi que, no máximo, teria uma reação parecida com qualquer outra vacina”, lembra a neta da Marlene e da Neuci, que não teve a aprovação das avós. “Não dá para acreditar em qualquer coisa que todo mundo fala aleatoriamente. Se a profissional que faz parte da pesquisa afirma que é seguro, eu vou confiar nela”, afirma a voluntária. Outra informação que a tranquilizou foi saber que, caso seja infectada pelo novo coronavírus, o laboratório fornecerá todo suporte para o tratamento.

Portando o oxímetro e o termômetro, que a acompanham diariamente, a estudante saiu do laboratório ansiosa para sentir alguma reação, indicando que teria recebido a vacina, e não o placebo. Até agora, não sentiu nada. Entretanto, a satisfação de participar deste momento supera a vontade de estar imunizada já.

“É gratificante fazer parte de um estudo que o mundo acompanha e espera o resultado. Nunca tinha tido uma experiência parecida, mas tenho certeza que fez ainda mais sentido passar por isso durante a minha formação profissional. O coletivo é o que mais me fascina na área e essa oportunidade agregou valor de forma ímpar ao meu crescimento; é algo que não aprenderia na sala de aula ou no ambiente de trabalho”, acredita.

Amparo

Mulher loira com blusa azul marinho e colar de pérolas posa para foto, olhando para câmera
Samantha Alvares (Acervo pessoal/CLAUDIA)

Quando uma amiga comentou sobre a abertura de vagas para uma nova etapa de testes da vacina da Pfizer, a advogada Samantha Alvares, 45 anos, de imediato se interessou. Era a chance de não apenas ter acesso a uma possível prevenção eficaz contra o novo coronavírus, como também contribuir para a ciência e a sociedade. “Essa é uma fase em que, por medo de se infectar, não se pode fazer trabalho voluntário, é preciso ficar em casa. Eu tinha uma sensação de impotência muito grande”, conta.

Trabalhando em regime de home office e sem muita exposição ao vírus, a princípio ela achou que não seria aceita, mas uma semana depois foi convidada a comparecer ao laboratório. Porém, diante das reações de familiares e amigos ao contar que seria uma voluntária, Samantha pela primeira vez experimentou incertezas quanto à sua escolha.

“Houve quem me apoiou e achou o máximo. Outras pessoas tiveram dificuldades de entender a motivação, acharam que eu estava me expondo a um risco desnecessário, que era louca. Meu marido e minhas enteadas não quiseram participar, então comecei a me questionar se estava fazendo algo errado”, lembra.

Hoje o marido a chama de heroína e ela tem certeza que tomou a decisão certa. “Não me arrependo. O laboratório oferece uma tutela muito grande, eles ligam imediatamente caso qualquer coisa seja reportada. Há um amparo.” O único efeito colateral foi uma dor de cabeça leve, que sequer atribui às doses e faz com que seu marido brinque dizendo que ela tomou o placebo.

Como essa possibilidade é real, Samantha se mantém fiel aos cuidados para se proteger contra o vírus e deixou até de encontrar as enteadas no Natal, pois elas testaram positivo para a Covid-19 dias antes. “Não me permiti nada de diferente do que já estava fazendo pelo fato de participar da pesquisa. Uso máscaras, não vou a bares ou a restaurantes. Sou bem conservadora na minha conduta. Não vou correr riscos desnecessários”, conclui.

Não me permiti nada de diferente do que já estava fazendo pelo fato de participar da pesquisa

Samantha Alvares, advogada

 

Confiança

Mulher jovem, de cabelos castanhos, vestindo uma blusa social azul marinho. Ela sorri e está de braços cruzados, posando para a foto diante de uma lousa branca preenchida por anotações científicas
Izabella Penna (Fotos/Acervo pessoal)

Fora da lista de imunizantes testados no Brasil, a vacina norte-americana produzida pelo laboratório Moderna não está prevista para chegar em nosso país tão cedo. Mas ao menos uma brasileira já pode ter recebido as duas doses do composto.

Pesquisadora de doenças degenerativas no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), a geneticista e bioquímica Izabella Pena, 31 anos, está mais do que familiarizada com rotinas de laboratórios e testes clínicos, mas não como participante. Assim, quando os recrutamentos para as pesquisas da Pfizer e da Moderna começaram, em julho, ela decidiu se candidatar para ambos.

“Para uma vacina ser aprovada, é preciso que haja diversidade genética entre os participantes. Como sou latina, me disponibilizei para aumentar o pool genético do teste. E também porque é um momento histórico da ciência e precisamos de pessoas engajadas”, explica.

Convocada pela Moderna, Izabella relata que em nenhum momento teve medo, mesmo após sentir efeitos colaterais brandos. Ela, que sonha em um dia ser mãe, também não se preocupou em ter que assinar um termo se comprometendo a não engravidar pelos primeiros três meses após ter recebido as doses.

A restrição faz parte do protocolo de qualquer medicamento em fase de testes, mas 13 colegas voluntárias de Izabella acabaram ficando grávidas. “O FDA (Food and Drug Administration, agência americana que fiscaliza a segurança de fármacos e alimentos) concluiu que a vacina não causou nenhum efeito adverso na fertilidade ou no desenvolvimento fetal, mas ainda é preciso testá-la em mais mulheres grávidas e lactantes. Confio no rigor científico e, biologicamente, é impossível que essa vacina de RNA altere meu DNA, minha fertilidade ou meu genoma”, explica.

O momento mais delicado veio quando seu marido contraiu a Covid-19. Com um histórico familiar de doenças crônicas pulmonares, a geneticista temeu ser mais suscetível. Porém, durante as duas semanas em que esteve confinada com o companheiro, testou negativo para a doença não apenas uma, mas cinco vezes, o que a faz acreditar que pode estar entre os 50% dos voluntários que de fato receberam a vacina.

Enquanto aguarda o momento em que descobrirá se sua intuição está certa, ela ajuda a combater a desinformação sobre as vacinas e a pandemia. Além do perfil no Twitter (@izabellapena1) e um canal no YouTube, a geneticista se juntou a colegas do MIT e de Harvard para criar um site sobre a Covid-19.

“Acredito que parte das notícias falsas surge porque o cientista não consegue se comunicar direito com o público. Estamos tentando traduzir o conhecimento para outras línguas e de forma simples, para que todos possam entender.” Disponível em diversos idiomas, o material pode ser encontrado em pt.contracovid.com.

Conhecimento

Selfie de mulher branca, com cabelos loiros curtos. Ela usa uma boina azul e uma blusa da mesma cor
Tatiana Ferraz (Acervo Pessoal/CLAUDIA)

Jornalista e filha de médico, o interesse pela área da saúde foi ganhando cada vez mais espaço na trajetória de Tatiana Ferraz, 48 anos, de São Bernardo do Campo (SP). Ela é a segunda jornalista aceita no doutorado de saúde baseada em evidências, oferecido pela Universidade Federal de São Paulo, e também criou um curso sobre cobertura jornalística na área médica.

“Esse setor lida muito com informação, ensaio clínico e pesquisa. Para mim, que tenho esse olhar de fora, era importante participar desses testes e estar do lado de lá, como paciente”, afirma a voluntária da vacina da Jansen-Cilag. Ela se inscreveu após o marido ter recebido uma mensagem de texto com a oportunidade.

“Sempre tive vontade de ficar à disposição das pesquisas. Não fiquei assustada, porque já sabia quais seriam os procedimentos. Até estranhei que, quando postei nas redes sociais, as pessoas me agradeciam, como se fosse algo extraordinário e que exigisse muita coragem. Se a gente tem tanto remédio no mercado, é porque um dia eles foram testados em humanos. Nenhuma grande indústria vai colocar o seu nome em risco”, considera.

Para Tatiana, a contradição de consumir complementos vitamínicos sem qualquer eficácia comprovada cientificamente e, ao mesmo tempo, temer o imunizante é falta de informação. “Luto para que jornalistas tenham formação em saúde, mas não dá para culpar só o comunicador. Há erros de interpretação por parte do receptor. Por exemplo, nos primeiros anos em que um medicamento está liberado para consumo, qualquer acontecimento deve ser reportado, mas não pode ser imediatamente associado ao fármaco.”

Altruísmo

Mulher com cabelo castanho claro liso e blusa preta
Bárbara Estivalli (Acervo pessoal/CLAUDIA)

Como representante de vendas da indústria farmacêutica, Bárbara Estivalli, 30 anos, já tinha confiança na Pfizer quando decidiu que seria voluntária da vacina desenvolvida pela empresa. “Eles precisavam de pessoas saudáveis e jovens e, como eu me enquadrava e sabia que era algo que ajudaria o mundo, resolvi participar”, explica.

Uma vez cadastrada no site do Centro Paulista de Investigação Clínica, instituição que coordena os estudos no país, bastou responder algumas perguntas por WhatsApp e então agendar o dia e horário para ir ao centro de estudos.

As duas doses foram tomadas em um intervalo de um mês e em ambas a jovem sentiu febre, moleza, dor no local da aplicação e perda de paladar, reações que ficaram mais amenas na segunda dosagem. Mesmo assim, ela garante que não foi “nada que um remédio não resolvesse”.

Bárbara revelou que seria voluntária apenas a alguns amigos mais próximos e a família, que esteve em seus pensamentos durante todo o processo. “Todos ficam muito curiosos quando se toca no assunto. Meus familiares tiveram um pouco de receio, mas me apoiaram bastante.”

Sentindo-se corajosa e satisfeita por poder contribuir com o estudo e com um futuro mais seguro para todos nós, ela lamenta as polêmicas relacionadas aos testes e a recusa de alguns em cooperar para o bem comum. “No meio desse caos que estamos vivendo, pensar que ainda tem quem não queira se vacinar, na minha opinião, é muito egoísmo!”

Aprendizado

Mulher branca, de cabelos longos e grisalhos, vestindo uma bulsa preta olha para a câmera.
Andrea Nestrea (Acervo pessoal/CLAUDIA)

Assim como boa parte da população brasileira, a fotógrafa e artista visual, Andrea Nestrea, 49 anos, se viu encurralada no início da pandemia com as despesas incessantes e o corte brusco em sua renda. “Não tive trabalho. Inspirada em minha falecida avó, dona Maria, que tinha um bar em Uberlândia (MG), passei a cozinhar e vender comida para poder pagar as contas. Faço bolos e conservas de alho, tomate e berinjela”, conta a mineira sobre o seu empreendimento, a Casa Cajarana (@casacajarana), que ajuda a manter as necessidades dela e da filha.

No planejamento, o ano passado seria marcante para as duas, marcado pela liberdade. “Era para ser um tempo de passagem para nós, porém nossos sonhos foram adiados. Eu ia morar na Europa por um tempo e ela ficaria no Rio sozinha. Decidi me inscrever por causa de todos esses planos e, principalmente, para recuperar a vitalidade da minha filha. Se não tiver voluntário, não tem vacina”, defende.

Quando preencheu o formulário para se inscrever nos testes da vacina da Jansen, produzida por uma parceria da Universidade de Oxford com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Andrea não tinha muita esperança de ser escolhida. Ela não tinha contato com outras pessoas além da filha e acreditava ter sido contaminada no começo do ano, o que foi descartado com um teste feito na triagem. “Foram quase seis horas no laboratório, andando de um lado pro outro. No consultório, também fiz um voto de castidade, já que não tomo hormônio e me explicaram que eu não poderia de forma alguma engravidar”, revela.

O processo foi feito sem alarde. Os familiares só souberam depois que a aplicação do possível imunizante ocorreu. “Sempre expressei minhas opiniões e disse o que penso, mas fiquei muito receosa de me expor, inclusive isso me deu mais medo do que tomar a própria vacina”, diz. Para ela, as críticas recebidas não se sobressaíram à solidariedade dos amigos. “Tenho uma família e quero acompanhá-la da melhor forma. Isso que vivemos não é vida, temos que superar esse momento o quanto antes”, afirma Andrea.

Vocação

Mulher posa para a foto sentada no capô de um carro vintage azul. Ela usa um vestido preto com detalhes prateados na gola e está com as pernas cruzadas, levemente inclinada para o lado.
Millena Machado (Acervo pessoal/CLAUDIA)

Para a jornalista Millena Machado, 39 anos, de São José dos Campos (SP), as primeiras informações já sinalizavam que o isolamento, a máscara e a higienização constante de mãos, objetos e alimentos não seriam suficientes para salvar todas as vidas.

“Passei seis meses me inteirando e pesquisando principalmente sobre a vacina. Vi que a da Pfizer estava na fase 3 e tinha inscrições abertas para voluntários. Mesmo com a técnica inovadora, me senti segura em participar. Afinal, se o imunizante tivesse casuado alguma morte, não teria chegado à essa fase”, explica ela, sobre os testes desenvolvidos em parceria com o laboratório alemão BioNTech.

A inovação a qual Millena se refere é a do uso do RNA mensageiro. Nesse caso, em vez de utilizar o vírus inativado na vacina, dá-se preferência à cópia de um pedaço dele. No organismo, o imunizante provoca a produção da proteína do vírus, gerando os tão sonhados anticorpos. Não há risco de adquirir a doença no processo, assim como em nenhum outro imunizante.

Além de catalisar informações sobre a produção do imunizante e da trajetória da pandemia no Brasil e no mundo, Millena também mobilizou amigos e familiares para colaborarem com os testes.

“Uma pessoa aceitou, mesmo sem ter muita informação, mas confiou em mim pela profissão. Meu pai e minha irmã também toparam e uma amiga levou até o marido. Mas também escutei de pessoas, por exemplo, que não fariam porque o companheiro é contra ou tem asma, o que não demonstraria parceria, segundo elas”, lembra a jornalista, que notou que a decisão é realmente particular. “Alguns me acharam louca por ser ‘cobaia’, quando, na verdade, todos vão tomar o mesmo fármaco”, afirma.

A transparência é a chave para um processo tranquilo. Millena, que leva a sério o compromisso que tem firmado com o laboratório por dois anos e meio, lembra que todas as intercorrências com voluntários precisam ser divulgadas. “Não é um pensamento meu, mas um protocolo.”

Assim como a ciência e em especial os ensaios clínicos foram abraçados pela jornalista, ela espera que a pandemia proporcione o envolvimento de causas por parte de mais cidadãos. “Não somos obrigados a nos voluntariar, mas essa é uma oportunidade de encontrar uma pauta que sensibilize. O voluntariado pode ser feito de diversas formas, inclusive com outras vacinas que precisam de pessoas para os testes”, reflete.

Responsabilidade

Em uma varanda, mulher posa para foto olhando para o horizonte. Ela tem cabelos cacheados e curtos e usa uma roupa amarela. Atrás dela, é possível ver prédios, casas e árvores ao longe. Na outra foto da montagem, o registro é de um pedaço do braço dela, usando a pulseira hospitalar com identificação
Maria Goretti (Retrato Palmiro Domingues/CLAUDIA • detalhe da pulseira/Acervo pessoal)

“Eu nunca havia sido voluntária de nada”, revela a médica Maria Goretti. Aos 60 anos e trabalhando no setor designado para cuidar dos casos de Covid-19 do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, a médica paliativista está desde março imersa no atendimento de pacientes infectados pelo novo coronavírus.

De lá para cá, viu o caos se abrandar por pouco tempo, só para então voltar com força total. “Chegamos a ter oito casos na UTI, agora estamos com quarenta. Em duas semanas, o número cresceu de forma assustadora. Estávamos nos animando e, de repente, aconteceu tudo de novo.”

Em outubro, ao ver o anúncio de que buscavam profissionais de saúde para os testes das vacinas, ela percebeu que se encaixava bem nos critérios da pesquisa e resolveu se voluntariar. “Meu desejo que essa crise passe é tão grande que qualquer coisa que eu puder fazer para contribuir está valendo. Eu vi muita gente sofrer e morrer, não tem como não se comover.”

A idade e o fato de ter tido um quadro da doença em julho não impediram que Maria fosse aceita como voluntária da Coronavac, desenvolvida em parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac. Pelo contrário, a equipe de pesquisadores demonstrou interesse em saber se a vacina tem potencial para aumentar a imunidade de quem já contraiu a doença.

As conspirações criadas sobre a Coronavac, muitas até disseminadas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, não preocupam a médica, que reprova a postura do governante e de seus pares. “Ele tem que ter responsabilidade pelo que fala. É irritante ver tantas fake news, inclusive vindas de profissionais da saúde. As vacinas, de modo geral, são seguras. Os testes possuem o mesmo rigor”, diz.

Ela aponta ainda a importância do imunizante para além do âmbito individual, uma vez que, ao ser usado em massa, diminui a propagação da doença. “Não se trata de cada um fazer o que quer, é uma responsabilidade coletiva. Ninguém toma a vacina só por si mesmo, mas por todos os outros.”

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