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Médicos divergem sobre lei que permite cesárea sem indicação médica no SUS

O projeto de lei de Janaína Paschoal (PSL) dividiu opiniões quanto à sua eficácia e proteção da mulher

Por Gabriela Maraccini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 fev 2020, 13h58 - Publicado em 2 set 2019, 16h02
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  • O projeto de lei que garante à mulher a opção pela cesárea no SUS sem indicação médica a partir da 39ª semana de gestação foi sancionada pelo governador João Dória (PSDB) na sexta-feira (23). De autoria da deputada Janaína Paschoal (PSL), o projeto divide opiniões de especialistas.

    Há quem acredite que a lei trará mais igualdade e o direito à mulher de optar pelo procedimento a ser realizado, mas há também quem defenda que a lei trará mais riscos à mãe e ao bebê, além de potencializar o número de cesáreas feitas no Brasil, que já é alto – o país é o segundo no ranking mundial, de acordo com estudo publicado pela revista Lancet no ano passado.

    A ginecologista e obstetra Elis Nogueira, membro da Sogesp (Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), defende que a cesárea deve ser uma decisão tomada pelo médico em casos de necessidade, como em patologias relacionadas ao parto, esgotamento do útero, fetos em posições que dificultam o parto normal e enfraquecimento dos batimentos cardíacos da mãe e do bebê, por exemplo. Caso contrário, a cirurgia pode trazer riscos.

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    “A cesárea é muito boa, já salvou muitas vidas, mas quando bem indicada. Se não houver uma boa indicação, ela aumenta os riscos de hemorragia, de infecções, de imaturidade do pulmão do bebê e aumenta os riscos de icterícia [presença de uma cor amarelada na pele, nas membranas mucosas ou nos olhos]”, aponta Nogueira.

    Já para Alexandre Pupo, ginecologista e obstetra membro do corpo clínico do Hospital Albert Einstein, a lei pode promover uma maior igualdade e direito às mulheres, desde que venha acompanhada com uma boa reestruturação do SUS.

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    “O objetivo da lei é dar direitos igualitários para as mulheres a partir da 39ª semana de gestação. A Janaína tentou dar esse mesmo direito à paciente do SUS, até aí eu não vejo nenhuma imperfeição. Mas o nosso sistema de saúde é complicado”, defende ele. “Para que os direitos sejam iguais, não basta que ela possa optar, também devem haver condições necessárias no SUS.”

    O texto final do projeto de lei contempla as mulheres que já estão em trabalho de parto. Para Nogueira, isso representa um risco à mãe. “Se ela já está em trabalho de parto, tudo está acontecendo dentro do normal. Se o bebê já está bem encaixado, bem na parte de baixo do útero, é mais difícil tirar pela cesárea do que pelo parto normal”, explica.

    Para Pupo, a cesárea em mães que já estão em trabalho de parto pode ser uma “rota de fuga” da dor, temida por muitas gestantes, já que há aplicação de anestesia. Mas ele volta a ressaltar a necessidade de uma maior estruturação do SUS. “É preciso estimular isso também no parto normal, para que ela tenha as mesmas condições em ambos os tipos de parto e possa realmente escolher qual ela quer”, aponta.

    Parto mais ou menos humanizado?

    Ao defender seu projeto de lei, Janaína Paschoal usou a violência obstétrica sofrida pelas gestantes no SUS como principal argumento. “O que está ocorrendo com as mulheres mais pobres neste país é inadmissível. Com 40 semanas de gestação, os bebês já estão prontos para nascer. Mandam as mulheres nessas condições voltarem para suas casas, uma série de vezes de ônibus, esperando a hora do bebê nascer”, afirmou.

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    O Brasil é um dos recordistas na quantidade de cesáreas feitas por ano – a taxa de nascimentos por esse tipo de parto é de 55,5%, segundo pesquisa publicada na revista Lancet. Para Nogueira, ao facilitar o procedimento pelo SUS, onde 60% da população brasileira é atendida, a demanda por cesárea pode ser ainda mais potencializada, reduzindo a possibilidade de um parto humanizado. “Você acha que após o atendimento [de cesárea] vai ter uma enfermeira para ajudar a paciente, no SUS? Não. No parto normal, ela consegue segurar o bebê. Na cesárea, ela precisa de apoio de uma enfermeira que a ajude naquele momento. Isso acontece na rede privada, mas na rede pública, não.”

    Na visão dela, o número de intervenções médicas desnecessárias nas pacientes aumentará com a sanção da lei. “A própria cesárea é uma [intervenção]. Se a mãe não apresenta risco ou já está em trabalho de parto, não tem porque ela fazer”, explica. “E o médico nem vai poder contestar se a paciente pedir [para fazer uma cesárea], porque ele estará respaldado pela lei. Isso é muito complicado.”

    Pupo, por outro lado, defende que a cesárea seja feita a partir de uma decisão mútua e que não haja imposição médica. “A comodidade vem dos dois lados. O médico não força uma paciente a fazer uma cesárea. Eu não costumo ver isso. Todo médico tem que seguir um código de ética, ele jamais vai promover sofrimento ou agravar um quadro de saúde de uma paciente se ele puder evitar.”

    O governo de São Paulo ainda não comentou se haverá aporte de verbas no orçamento da saúde para absorver um eventual aumento de cesáreas no SUS. O governador João Dória disse que “em São Paulo, estamos preparados” para atender a demanda.

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    Em âmbito nacional, um projeto com o mesmo tema foi apresentado pela deputada Carla Zambelli (PSL), mas aguarda tramitação.

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