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Jornalista sobre o câncer de mama: “Ele me mostrou a força do momento presente”

O processo de cura de Daniella Zupo não se resumiu a uma traumática experiência pessoal: tornou-se uma íntima e visceral websérie, intitulada "Amanhã Hoje É Ontem"

Por Débora Stevaux (colaboradora)
Atualizado em 15 abr 2024, 08h49 - Publicado em 6 out 2016, 21h08
Divulgação/Amanhã Hoje É Ontem
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O que você faria se descobrisse, abruptamente, durante a realização de exames de rotina, que é portadora de uma doença que pode acabar com a sua existência a qualquer momento? Foi a situação que a apresentadora do programa Agenda – da Rede Minas – Daniella Zupo, viveu aos seus 43 anos, em um gélido consultório médico. “Não me senti traída pelo destino com a ciência do diagnóstico de câncer de mama, mas, por um instante, veio o sentimento de ter sido derrubada pela vida quando estava olhando para o outro lado – algo que jamais esperava e que me machucou muito, que doeu lá no fundo”, relembra. 

Depois da realização do auto-exame, a mineira descobriu uma área endurecida na mama esquerda e resolveu ir ao médico: “Fiquei em choque, muito angustiada. Ninguém está preparado para isso, mesmo que possua histórico familiar, o que não era o meu caso. De cara já me submeteram a uma ultrassonografia, e logo depois, a uma biópsia. É uma certeza que você vai recebendo em etapas conforme os resultados vão saindo. Aquelas semanas duraram muito mais tempo para mim.” 

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Logo depois da notícia, a jornalista foi submetida a sessões de quimioterapia, radioterapia e à ressecção (retirada parcial) da mama esquerda, em outra unidade hospitalar. O processo, iniciado no final de 2015, totaliza até agora 11 meses. E não se resumiu apenas a uma traumática experiência pessoal: tornou-se uma delicada, íntima e visceral websérie, intitulada Amanhã Hoje É Ontem, que retrata a superação diária de Daniella pelos caminhos tortuosos da cura.

Divulgação/Amanhã Hoje É Ontem
Divulgação/Amanhã Hoje É Ontem ()

A aceitação do diagnóstico talvez seja uma das tarefas mais árduas e necessárias de todo o tratamento que, a princípio, também é negado pela própria família: “Quando você admite para si mesma que aquilo é real, passa a se concentrar na cura. Nesse momento, o susto passa, porque há duas escolhas: permanecer na postura de vítima ou aceitar a enfermidade entendendo que você não é a única nessa, há milhares de pessoas na mesma situação. O que você pode é fazer a sua parte e se aprofundar em si mesma durante o tratamento – o que eu chamo de despertar. Porque no meio de tanta dor, dúvida e medo, há uma possibilidade de transformação, de salvar a própria vida.”

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“Lembro até hoje que, quando saí do hospital no primeiro dia, o médico deu dois tapinhas no meu ombro, com a naturalidade que só eles conseguem ter, e disse: ‘Depois de um ano, tudo isso vai acabar, você vai ver'”, conta sobre o comportamento da equipe médica que a tranquilizou e a apoiou desde o início. “As pessoas pensam que o câncer de mama é uma coisa só, mas há vários tipos, níveis, o meu foi extremamente agressivo. Evitei a superinformação para não me abalar mais. Fiz questão de esquecer essas palavras técnicas, porque o objetivo desde o início foi tentar não pensar muito estatisticamente, e assumir mais a minha subjetividade”, explica sobre a temática escolhida para retratar a sua história.

“Da maior importância”

Até hoje, foram divulgados 5 de 9 episódios, com distribuição totalmente gratuita, prevista até o fim de outubro, em seu canal no Youtube. Os momentos foram registrados por seu marido, Marcus Leskovsek, e editados pelo jornalista Gustavo Kassamba, em uma ilha de edição criada na própria casa da apresentadora – ambos integram o que podemos chamar de “equipe íntima”. O título do projeto foi criação da própria filha do casal, Maria, de apenas 10 anos, que aos 5, fez a seguinte pergunta: ‘Mamãe, amanhã, hoje, é ontem?’, rememora Daniella: “Naquele momento, parei para pensar no sentido daquilo porque me surpreendi com a profundidade da frase, típica da pureza das crianças. Quando decidi colocar a ideia em prática, senti que o que queria fazer era a síntese da questão – que acabou virando uma afirmação.”

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E o significado da união das 4 palavras não poderia ser mais tocante: “Para mim, Amanhã Hoje É Ontem, expressa que tudo à nossa volta está conectado e vai passar. O tratamento pode significar muitas coisas e depende muito da vivência de cada um, mas para mim, foi capaz de mostrar a força do momento presente, num mundo em que estamos sempre nos projetando no futuro, ou agarrados ao passado. Essa sequência de acontecimentos na minha vida ‘me puxou’ para o presente, foi mais ou menos como um chamado de que precisava viver o aqui e o agora para superar. E foi algo que a minha filha me ensinou: a supremacia do ‘hoje’ sobre qualquer outro tempo que está por vir ou que já tenha existido.”

O maior porto-seguro de Daniella foi, desde o início, sua pequena. “Eu sentia nela uma confiança, algo que me dizia que ia dar tudo certo. Ela sempre foi a minha maior razão para suportar tudo aquilo.” A apresentadora também buscou forças nas situações que a mostravam que aquele não era um problema só seu: “Quando fui fazer a minha primeira sessão de radioterapia, vi uma criança da idade de Maria e comecei a chorar. Foi muito dolorido ver aquilo, porque ver é diferente de saber apenas. E eu buscava alguma inspiração naquilo, de enxergar que não é um sofrimento só meu – isso, para mim, foi um exercício de compaixão muito forte.”

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O medo por trás da palavra

Um dos momentos mais atribulados de todo o processo foi, sem sombra de dúvida, explicar à Maria porque a mamãe ficaria fraca e perderia os cabelos de uma hora para a outra: “Não entrei em detalhes para não assustá-la, mas resolvi abrir o jogo porque ela já estava com 9 anos, e achei que tinha idade o suficiente para entender o que estava acontecendo. Foi muito difícil porque há muito medo por trás da palavra câncer, algumas pessoas nem ousam dizê-la, preferem substituir por ‘problema’, e isso é muito nocivo para a própria aceitação”, analisa. 

A ‘ficha’ dos familiares apenas caiu depois da retirada do tumor: “O choque é tão grande que eles queriam acreditar que realmente ‘não era nada’, mas era. Acho que isso acontece porque é uma questão muito individual. Percebi muito isso pela minha mãe, que ficava se perguntando o porquê disso acontecer com a filha mais nova. Cada um tem suas próprias percepções, que variam muito para quem nunca passou por isso. Depois eles entendem que possuem um papel fundamental e passam a te acompanhar nos procedimentos, cuidar de você nas fases em que está mais fragilizada.”

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Daniella ainda relata que alguns amigos se afastaram completamente e acredita isso ocorra porque a maioria das pessoas não sabem lidar com uma doença tão estigmatizada: “De maneira geral, percebi que as pessoas não lidam muito bem porque se sentem impotentes e, talvez por ,isso tenham dificuldade de ajudar. Mas também há aqueles que te surpreendem com tanto afeto. De qualquer forma, tenho certeza que há muita gente que se isola por compartilhar do medo de encarar a enfermidade de frente.” O projeto foi realizado sem nenhum tipo de apoio financeiro, contando apenas com a ajuda institucional da clínica onde a autora realizou o tratamento, a Oncomed. 

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A perda da imagem construída

“Construí a minha imagem por anos como apresentadora de televisão, então me senti extremamente abalada quando os primeiros fios começaram a cair”, desabafa sobre sua decisão de não esperar a queda gradual do cabelo e raspá-lo de uma vez: “Antecipei a perda inevitável da percepção de mim mesma. Mas com o tempo, isso vai se tornando menos importante – mesmo que seja angustiante porque todo os procedimentos afetam as noções que temos do ‘feminino’ – a mutilação dos seios, a queda capilar. Já ouvi diversas vezes que ‘cabelo cresce’, mas todos que me disseram isso não estavam carecas como eu.”

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A autora ganhou uma peruca, tentou usá-la mas não se sentia bem – preferiu o chapéu, a touca, o lenço e até mesmo a ausência dos acessórios: “Não julgo quem teve uma escolha diferente da minha, porque é muito duro olhar no espelho e não se reconhecer, mas não deixa de ser uma tentativa de reconstituir o real. Mas aos poucos você vai deixando isso de lado, e entende que é mais do que aquilo, que há questões mais importantes em jogo.”

Bel Diniz
Bel Diniz ()

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A cura do espírito

Coincidentemente, uma amiga próxima da mineira recebeu o diagnóstico de câncer na mesma época: “Fomos as primeiras a passar por isso naquele círculo. E mais tarde descobri que outras mulheres próximas a mim também haviam travado a mesma batalha, mas nenhuma falava abertamente sobre isso. Outras pessoas passam a frequentar grupos de apoio. Eu preferi me aprofundar em mim mesma e documentar tudo isso – como num memorial, para que servisse a quem precisasse enxergar a doença de uma forma mais humanizada.”

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Essa investigação de si trouxe muitas dúvidas, esclarecidas com o acompanhamento terapêutico: “Também precisei enfrentar tudo muito rápido, quando soube do grupo já estava fazendo quimioterapia. Acho sempre muito válido todo tipo de atitude para se sentir um pouco melhor, porque ninguém atravessa essas turbulências sozinho.” Além da preocupação com a sanidade mental, Daniella, que já havia meditado antes, voltou à prática para restabelecer-se espiritualmente: “Como os procedimentos médicos são muito invasivos e agressivos, passei a fazer ioga diariamente – sentia que estava mais serena, mais calma. Para realizar um ‘tratamento integralista’, é fundamental apoiar-se em várias fontes que a devolvem toda a energia necessária para continuar.”

A mineira ainda relata que os sintomas variam de dificuldades para dormir até fadiga: “Caminhava regularmente mas dei uma pausa porque a radioterapia me deixava muito cansada. Também passei a fazer acupuntura e ingerir alimentos orgânicos para tentar lidar um pouco melhor com as toxinas violentas que estavam no meu corpo. Sempre acreditei que redescobrir pequenas alegrias da vida, como a leitura, ajudariam a aguentar este trauma.”

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Olhar para o céu

Para as mulheres que, assim como Daniella, estão na luta para alcançarem a cura, um recado: “Antes de mais nada: aceite o diagnóstico. A negação só vai te fazer perder um tempo precioso. Então, concentre-se na sua cura que será ampla: da alma, do espírito, do corpo. E não se esqueça de olhar pro céu. O caminho é como um deserto – árido, longo. Quem passa por isso e quem acompanha de perto amigos e familiares nesta situação sabe que olhamos muito para o chão. Mas a gente tem que respirar fundo e e se alimentar dessa força que a natureza nos ensina diariamente, feita de ciclos, eternos recomeços.”

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Assista ao primeiro episódio da websérie Amanhã Hoje é Ontem

 

 

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