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Inveja pode ser saudável? Entenda como aprender com o sentimento

Mesmo cercada de tabus, a inveja faz parte da estrutura psíquica do ser humano

Por Kalel Adolfo
2 mar 2022, 08h37
Carregamos uma herança sociocultural que não nos permite sentir a inveja.
Carregamos uma herança sociocultural que não nos permite sentir a inveja.  (CSA Images (Getty)/Reprodução)
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Aprendemos desde cedo que é normal sentir raiva, tristeza ou ciúmes. Mas e a inveja? Assim como os outros sentimentos, ela está presente em cada um de nós. Porém, existem tantos tabus acerca deste tema, que a maioria das pessoas não se sente confortável em admitir que já sentiu aquele leve “recalque”. Inclusive, muitos a consideram um sinônimo de fracasso. Será mesmo?

Em um mundo regido por um sistema capitalista, é extremamente comum que caiamos na armadilha de nos comparar excessivamente. As redes sociais também impulsionam a competição exacerbada: conferimos constantemente quem tem o melhor corpo, o trabalho ideal ou o relacionamento perfeito.

E a inveja nada mais é do que isso: a admiração e comparação incessante com o outro. Para aprendermos a transformar a “dor de cotovelo” em aprendizado, Claudia entrevistou a psicóloga e psicanalista Raquel Baldo. Dá uma olhada:

Inveja saudável existe?

Antes de tudo, é necessário aceitar que a inveja faz parte da condição humana: “Esse sentimento ativa uma área cerebral que causa dor e prazer. Nada mais é do que um conflito entre a minha existência e a realidade do próximo. É o desejo e desgosto pelo outro.”

Porém, nós carregamos uma herança sociocultural que classificou a inveja como algo muito ruim e destrutivo. “Nos contos, fábulas ou histórias religiosas, esse sentimento é apresentado como algo que destrói, ataca, mata e nos tira a humanidade”, esclarece.

Todavia, Raquel garante que todas as sensações humanas – não importa quais sejam – possuem um lado construtivo, que nos agrega. “A inveja pode estar atrelada ao aprendizado e oportunidades de crescimento. Quando invejamos o outro, também estamos admirando”, diz a psicóloga.

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E não precisamos de muito para ter aquela “dor de cotovelo”: um objeto, relacionamento ou profissão pode despertar esse sentimento. Contudo, o que fazemos com essa vivência é o que dita se ela será positiva ou negativa. “Desejar algo do próximo e transformar isso numa oportunidade para conquistar a mesma coisa é benéfico. Eu não preciso destruir quem está ao meu lado. Ao contrário, posso construir algo semelhante para mim. Esse é um ponto crucial para diferenciar a inveja construtiva da destrutiva”, pontua.

Aliás, não se sinta mal por experimentar certo incômodo ao desejar algo do próximo: “Esse sentimento de desgosto é causado pelo senso de vazio. Desde que o foco principal esteja sempre em você, não há problemas”.

E quando a inveja se torna destrutiva?

O famigerado recalque começa a tomar rumos destrutivos quando, além de querer o que o outro tem, também precisamos destruí-lo para não sentir a angústia do vazio: “Se eu começo a ofender, desmerecer, julgar e competir com a pessoa, é negativo. Às vezes, alguns processos psíquicos fazem com que eu destrua o próximo apenas para não encarar as minhas faltas. É como um mecanismo de defesa”.

Como reconhecer que sou invejosa?

Segundo Raquel, é difícil que as pessoas se percebam como invejosas, porque essa reflexão requer que o indivíduo se reconheça no mundo. “Normalmente, quem sente a inveja negativa, que provoca angústia e sofrimento, está deslocado do próprio ‘eu’”, afirma.

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Para ela, observar apenas a grama do vizinho é uma forma de não olharmos para a nossa história emocional, inseguranças, vitórias e derrotas. “Como vamos perceber a inveja se mal percebemos a nossa própria existência?”, provoca.

Mas calma, que existe esperança: a psicóloga recomenda pedir ajuda e conselhos à pessoas que confiamos, como amigos e familiares. E, claro, o essencial é buscar uma boa terapeuta que nos dê direcionamentos profissionais.

“Se você está muito incomodada com a vida alheia, a ponto de só pensar nisso, existe um problema. Acreditar que devo ensinar ao outro o que é certo ou errado, mostrar como ser feliz, desmerecer ou me vangloriar para te diminuir é um sinal de alerta”, explica.

“Você já deve ter visto alguma situação parecida: fulano passou num curso de vestibular. Aí chega alguém e fala: ‘Nossa, mas hoje em dia esse vestibular não vale nada, na minha época era muito mais difícil’. Essas cenas comuns do dia a dia retratam muito a inveja. Não perceber que as minhas verdades não são absolutas é outro forte indício de estar sendo invejosa”.

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Descobri que sou invejosa: o que fazer?

Quando somos confrontados com essa realidade, a nossa autoestima pode ficar bastante abalada. Por isso, Raquel reitera que é importante encarar a inveja como um sentimento que faz parte da estrutura emocional do ser humano. “Inveja não é doença ou sintoma de distúrbio psicológico. Não é algo que se cure ou trate”, esclarece.

O importante é entender a intensidade e quais caminhos ela nos faz seguir: “Este sentimento nada mais é do que um conflito entre quem eu sou e o outro. Quanto menos autoconhecimento eu tiver, maiores as chances de reagir destrutivamente, porque o próximo sempre será um espelho psíquico para nós. Podemos gostar ou não do que vemos, e o que muda sempre será o que fazemos a partir disso.”

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