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Eco-ansiedade: o medo do futuro causado pelas mudanças climáticas

A eco-ansiedade é uma realidade cada vez mais comum, especialmente entre os jovens que enfrentarão os efeitos das mudanças climáticas

Por TEXTO Maurício Brum e Sílvia Lisboa COLABORARAM Mariana Alves e Valentina Bressan
Atualizado em 13 abr 2022, 09h13 - Publicado em 8 abr 2022, 08h18
eco-ansiedade
 (|Foto: Getty Images/Getty Images)
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Durante a redação da sua tese de doutorado, com foco nas mudanças climáticas, a bióloga Caroline Zank, 40 anos, começou a sentir um aperto no estômago. “Como se algo ruim pudesse acontecer a qualquer momento”, disse. Ao desabafar com o terapeuta, Caroline descobriu que se tratava de um sintoma de ansiedade. Uma ansiedade catalisada pelo desespero frente aos impactos do aumento da temperatura da Terra: a agora conhecida eco-ansiedade, que começa a aparecer nos consultórios. A psicologia não a considera um transtorno mental, mas uma sensação bem pragmática e racional de medo crônico sobre os efeitos já visíveis (e os futuros) da escalada nos termômetros.

Caroline sofreu mais ao ver nos anfíbios, seu objeto de pesquisa, as sequelas diretas do colapso ambiental, o que é considerado um “trauma climático”. Com o aumento dos períodos de seca, a maior dos últimos 17 anos no Sul do país, esses animais, que dependem da água para se reproduzir, sumiram até mesmo nos locais onde eram abundantes.

Quanto mais você conhece essa realidade, mais intenso fica o sentimento de incapacidade de mudar as coisas”, desabafou. Os grupos que lidam com o tema são mais suscetíveis a este tipo de trauma. Incluem, além de biólogos e cientistas, indígenas, comunidades rurais, ribeirinhos e populações periféricas: eles são testemunhas e vítimas das consequências da lógica predatória dos recursos naturais que nos colocou próximos a um ponto de não retorno, um conceito da física que significa um limite ou situação que, quando alcançado, não mais permitiria a volta à situação ou estado anterior. Como se trata de um problema que deve afetar a todos no futuro, o temor também começa a aparecer em moradores de áreas urbanas, entre crianças e adolescentes, bombardeados por informações sobre o que os aguarda, e em jovens adultos, que se deparam com a decisão de colocar filhos em um mundo sob ameaça.

Em 2020, uma pesquisa do sistema público de saúde britânico questionou os psiquiatras do Reino Unido sobre os sintomas de eco-ansiedade entre pacientes. Quase metade deles disse já ter escutado essas preocupações – e o número era ainda maior entre os que atendiam crianças e adolescentes, chegando a 57%.

O fenômeno tem se repetido ao redor do mundo, e o medo tem razão de ser: em fevereiro, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, vinculado à ONU e conhecido pela sigla em inglês IPCC, apontou que o mundo caminha para uma intensificação de catástrofes causadas pelo aumento de temperaturas.

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(|Foto: Getty Images/Getty Images)

No ritmo atual, a população afetada por enchentes e deslizamentos de terra no Brasil pode até triplicar nas próximas décadas, com perspectivas de mortes causadas pelo próprio excesso de calor e pela multiplicação de vetores como mosquitos causadores de doenças. A Unicef, braço da ONU que lida com a infância, também emitiu um alerta que ajuda a entender a preocupação de quem é mais jovem ou pensa em ter filhos: “Hoje, 1 bilhão das crianças mais vulneráveis do mundo estão em risco [pelo clima]. Amanhã, se o mundo falhar em agir, serão todas as crianças”.

A ansiedade é um alerta que nos prepara para algum perigo. Vemos a eco-ansiedade como uma condição até inevitável para quem é consciente sobre a situação ecológica

Viviane Carneiro, diretora da Climate Psychology Alliance
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O filósofo australiano Glenn Albrecht, um dos pioneiros no estudo desse medo generalizado, criou até uma tipologia para abordar as novas sensações para além da eco-ansiedade: transtorno de déficit de natureza, eco-nostalgia, temor global, eco-paralisia etc. Esta última, aliás, é uma das razões que mobiliza Albrecht e outros ativistas do clima. São tantas notícias sombrias e promessas de um futuro apocalíptico que corremos o risco de embarcar em uma postura niilista de que nenhuma atitude nos salvará – consequentemente, deixando de agir para rever nossos hábitos ou pressionar políticos e empresas para promover mudanças com impactos reais.

Também é de Albrecht um termo que ajuda a descrever de modo mais preciso o que Caroline sentiu: a “solastalgia”, desolação ao ver a natureza, a nossa casa, desfigurada. Ele se baseou no conceito de nostalgia, formulado pelo médico Johannes Hofer, no século 17. A nostalgia, que em inglês se confundiu com a ideia de “homesickness”, foi por muito tempo usada para definir o sofrimento de soldados que passam anos em situações-limite distantes da família e do lar. Para Albrecht, estamos como os soldados em guerra, com a diferença que não saímos de casa – a casa aqui entendida como a natureza.

É semelhante a um luto. Albrecht formulou a noção de “solastalgia” após ouvir indígenas e moradores rurais de uma região australiana chamada Upper Hunter, totalmente desfigurada ao virar uma grande mina de carvão. Uma de suas entrevistadas disse não abrir mais as janelas para não ver o cinza dos minérios. Outro desviava seu caminho para não encarar a paisagem lunar onde antes havia um verde exuberante. “Há um ponto de inflexão ocorrendo dentro de nós. É um drama global, mas é também um drama familiar, pessoal”, resumiu o autor do livro Earth Emotions em um TEDx.

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O psicanalista Christian Dunker concorda e vai além. Ele acredita que o meio ambiente substitui Deus. “Durante muito tempo, Deus foi essa grande alteridade, esse grande ‘Outro’ com quem tínhamos nosso diálogo moral, nossos compromissos, nossas formações de pecado e de virtude. Agora, isso está migrando, em parte, para a nossa relação com o ambiente. É uma moral mais contemporânea, mais à altura dos nossos tempos”, diz o professor da Universidade de São Paulo. Ele também encara esse processo como parte de nossa perda de confiança em instâncias transcendentais, que remetem, por exemplo, a outros mundos ou à vida após a morte.

“Esse processo de perda do encantamento com o mundo, como dizia o [sociólogo alemão] Max Weber, vai trazer valores que colocávamos em outro mundo para este mundo. A consciência ambiental faz parte desse processo. Estamos olhando para o planeta, para os ecossistemas, como se fizéssemos parte dessa totalidade”, detalha. Albrecht também entende que o temor pelo ambiente ecoa uma sensação de simbiose espiritual que sentimos com o que nos rodeia. Ao caminhar pela natureza, “eu sinto uma afinidade com a Terra e sua gravidade emocional”, escreve o filósofo na obra. “Sinto como se estivesse sendo observado e tendo minhas ações julgadas.”

Essa tomada de consciência ambiental surge no mesmo momento em que recebemos, enquanto sociedade, um ultimato de que precisamos agir agora para evitar a extinção do planeta. Mas essa urgência não deve gerar desespero ou negação. “A ansiedade é um alerta que nos prepara para algum perigo. Vemos a eco-ansiedade como uma condição até inevitável para quem é consciente sobre a situação ecológica”, explica a psicóloga radicada em Londres Viviane Carneiro, uma das diretoras da Climate Psychology Alliance, grupo de terapeutas que se uniu para estudar e criar estratégias sobre os impactos da crise climática na saúde.

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Para transformar o alerta em ação, uma forma de aplacar a eco-ansiedade, muitos recorrem a atitudes ambientalmente responsáveis, como reduzir o consumo de carne (quase 15% das emissões de gases do efeito estufa vêm da criação de animais e dois terços disso são diretamente relacionados à pecuária) e até mais difíceis, como não ter filhos. A bióloga Caroline Zank optou pela última. O desejo de ser mãe não ocupava o centro de suas atenções, mas a crise climática foi decisiva para não ter mais dúvida da opção. Ela também encontrou alívio em pequenas transformações alinhadas com a ideia do “pense globalmente, aja localmente”.

No sítio onde vive, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), Caroline conseguiu recuperar o solo e a vegetação de uma área de preservação permanente próxima a um riacho e já observa mais espécies de aves e répteis aparecendo. Também instruiu a família, que antes utilizava agrotóxicos no combate de pragas, a buscar alternativas naturais como fumo e café, transformando em orgânica a produção de hortaliças. “Quando cheguei nos 40, comecei a pensar que se eu não consegui salvar o mundo até aqui, não era agora que eu iria salvar. Mas aí percebi que, mudando os meus comportamentos e das pessoas à minha volta, já está de bom tamanho.”

Se a ação individual parece insuficiente, cada vez mais o ativismo ambiental tenta se voltar à organização coletiva. Contra a “pandemia de solastalgia”, diz Glenn Albrecht, precisamos atacar com outro conceito: a “solifilia”, a disposição a aceitar a responsabilidade de manter a saúde de nosso planeta, atuando ao lado de outras pessoas. O pontapé inicial é falar sobre o tema em grupos. “Nossa cultura é viciada no escapismo e na satisfação imediata, o que está relacionado ao nosso narcisismo. Temos uma tendência de entrar em negação ou de lidar com os sentimentos sozinhos”, acrescenta Viviane. A Climate Psychology Alliance, organização britânica da qual a psicóloga faz parte, por exemplo, criou o “Climate Café”. O evento funciona quase como uma terapia em grupo, em que as pessoas podem se reunir, em cafés ou de forma online, para conversar sobre a emergência climática, compartilhar preocupações e pensar em soluções de forma coletiva.

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Em grupo, a eco-ansiedade, acredita Viviane, pode inclusive se transformar em uma “esperança radical”. “Com a coragem de enfrentar a realidade, podemos ter a renovação de uma esperança, que não é ingênua ou otimista, mas que empodera para ação e dá suporte para outras pessoas.” Albrecht dá exemplos concretos, como a mobilização de moradores do oeste da Austrália para barrar projetos bilionários de extração de petróleo e gás natural perto do local onde viviam. Após anos de luta organizada, em 2017, o governo baniu o projeto na região. Mas a briga não pode parar: com a pressão pelo lucro sempre empurrando planos que podem afetar o ambiente e as pessoas, é preciso se manter alerta para novas batalhas. Quando a consciência ecológica desperta, não é possível voltar atrás.

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