Para algumas pessoas, a palavra “terminal” pode ter uma conotação de fim do trajeto. Para pacientes com câncer, essa palavra pode ser ainda mais difícil, e indicar o fim de uma luta ou até mesmo da vida.
Daniela Louzada, 43 anos, saiu de Itanhaém e veio para São Paulo. Ela desbravava as ruas da megalópole em sua bicicleta, e sempre esteve envolvida com causas sociais. Mas em determinado dia sozinha em sua casa, ela teve uma convulsão violenta.
Ao acordar, sem entender exatamente o que havia acontecido, precisou ser internada, e depois de uma bateria de exames, o susto: Dani foi diagnosticada com um câncer cerebral inoperável, e que já tinha tomado boa parte de seu cérebro. Seu ativismo com mobilidade urbana, valorização do SUS (Sistema Único de Saúde), e outras pautas, foram fundamentais para que enfrentasse o câncer com bravura.
Esse não seria o primeiro encontro de Dani com um tumor. Há cerca de 5 anos seu pai foi diagnosticado com câncer de pulmão, e o tratamento foi feito no mesmo hospital que ela frequenta. Antes, Dani adentrava o Instituto do Câncer do estado de São Paulo como acompanhante, mas agora, ela senta nas poltronas como paciente.
“Eu cuidei do meu pai até o fim e foi uma grande lição pra mim. Costumo ter uma frase que é assim: o câncer não é o fim. É só a vida sendo vida”, explica. “Tenho um câncer raro que mata cerca de 5% da população brasileira e a gente não fala dele”.
Terminal não é o fim, mas novas conexões
“Quando me vi com câncer, fiquei um pouco inquieta com as situações que não só eu vivia, mas que outros pacientes também viviam. Pessoas com câncer são invisibilizadas pela sociedade”, conta Dani, que como mencionado acima, transformou o significado da palavra “terminal” há 3 meses, e junto com seus amigos amigos Max Alvim e Roby Amaral, criaram o Canal Terminal – o nome faz uma alusão aos terminais de ônibus que fazem conexões para outros novos lugares.
“O Terminal veio com essa pegada de reconectar. Quando você recebe a notícia de um câncer, não adianta romantizar. Você perde seu chão, você fica um tempo realmente pensando sobre a sua vida. Mas depois não tem jeito, então, ou você se entrega pra doença ou você vai pra luta, então eu escolhi ir pra luta”, argumenta ela.
O canal é um espaço para pessoas diagnosticadas com o câncer ou pra quem cuida de um paciente oncológico. Através dele, Dani busca desmitificar os tabus associados a doença. “Falo no canal sobre a ressignificação do câncer através da vida. Eu sempre falo sobre isso porque as pessoa têm medo dessa palavra, sempre evitam falar “câncer” e falam “aquela doença”, além de se acharem pecadoras porque existe um estigma social e religioso”, explica ela.
“Eu não sabia que existia um câncer tão letal quanto o câncer cerebral e que isso poderia acontecer comigo. A gente não fala em prevenção do câncer cerebral, e a intenção do canal é essa, pensar como a gente pode amenizar essa dor pra que menos famílias sofram”, expressa Dani.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Brasil poderá ter cerca de 625 mil novos casos de câncer só no ano de 2020. Para Daniela, esses números sempre foram altos, e só existem pela falta de informação, e principalmente pelos tabus que ela busca desconstruir através do canal.
“Temos duas grandes campanhas por ano, que é a do outubro rosa, do câncer de mama, e novembro azul, do câncer de próstata, que são os dois que mais matam. Porque não falamos sobre esses números, sobre o câncer? Porque desde o seu surgimento ele vem com esse tabu de doença da morte”, elucida.
Dani explica que, sua rede de apoio para passar por esse processo são seus amigos, que ajudam nos custos desde o seu aluguel até os remédios que muitas vezes o SUS não fornece. Juntos, eles realizaram uma vaquinha online, que Dani a chama carinhosamente de “bezerro”. “Meus pais são falecidos e minha família é distante, então eu tenho essa rede de apoio que me sustenta. Eles suprem todas as minhas necessidades e me apoiam, decidem sobre as internações e principalmente os cuidados em casa, já que preciso de cuidado 24 horas por dia”, explica ela.
Apesar de ser uma das únicas pessoas que criam conteúdo a respeito desse tipo de câncer, Dani não se considera uma representante. O canal, por sua vez, além de ser uma forma de eternizar sua trajetória de vida, é também um espaço para que outras histórias também possam ser contadas.
“Eu sei que eu vou morrer. Só que eu não quero que as outras pessoas que venham depois de mim passem pelo o que eu estou passando. Não é só a minha trajetória, o canal terminal nasceu pra ser um canal de muitas falas”, diz ela, que em seu canal também fala sobre o machismo, e convida diversas pessoas e profissionais para falar sobre o câncer.
“Quando eu me for o terminal não pode acabar, ele precisa continuar seguindo com outras falas, com outras pessoas, não é o canal de uma pessoa só. Não somos pacientes diagnosticados com “aquela doença”. Somos pessoas com câncer lutando pelas nossas vidas”, finaliza.