Dominar o próprio dinheiro não é sobre egoísmo ou alienação quanto à realidade da sociedade na qual vivemos. Ter o controle das finanças pessoais, independentemente se a sua situação é de lucro ou de dívidas, é ter autonomia para decidir passos importantes em uma longa caminhada. Nem sempre há liberdade para escolhas dentro das cruéis engrenagens do capitalismo, mas a busca pelo poder de decisão — com sabedoria e confiança — deve ser um dos itens da lista de prioridades de qualquer mulher.
Lá no século XIX, na Inglaterra, o movimento sufragista iniciou as reivindicações pelo direito da mulher votar e ser votada. No século XX, as exigências políticas e econômicas femininas seguiram ganhando força e a maioria dos países teve de se transformar.
O discurso de igualdade de gênero, que se manteve por anos até as conquistas chegarem, poderia parecer óbvio, mas era mais que necessário revolucionar a forma como se pensava naquela época. Assim como hoje, ainda é fundamental reagir à baixa participação da mulher no mercado financeiro — uma estatística atravessada por diferentes realidades.
A bolsa de valores brasileira, a B3, tem registrado 1.380 milhão de mulheres. Elas somam 24,6% do total de investidores. Os homens são 4.227 milhões (75,4%). A quantidade delas cresceu quase 10 vezes nos últimos dez anos: em 2013, o gênero feminino era representado por apenas 148 mil investidoras.
Podemos dizer que a evolução foi grande nesta última década, sim, mas a participação se manteve estagnada. Naquele ano, as mulheres já representavam 25,2%.
“De fato, as mulheres ainda são minoria, mas há um dado interessante: o valor médio que elas aportam em seu primeiro investimento em renda variável é relativamente maior. Enquanto o dos homens é de R$ 119, o das mulheres é de R$ 436. E quando olhamos para outros tipos de investimento, como o Tesouro Direto, a participação feminina sobe para 38%”, analisou Christianne Bariquelli, superintendente de educação da B3.
Para explicar essa notável diferença, existem algumas hipóteses, segundo Christianne, que consideram desde fatores históricos e sociais até características que tendem a estar mais presentes nas mulheres.
Uma delas é a tendência em correr menos riscos e se preparar mais para algo que ela não compreende em profundidade e não se sente segura para fazer.
Isso justificaria, por exemplo, a maior presença de mulheres no Tesouro Direto, que é um investimento mais conservador, e o fato de ela fazer aportes maiores quando toma a decisão de investir. “Também precisamos considerar que, sendo a principal responsável pela gestão do orçamento familiar, ela se preocupa em garantir o bem-estar da família, e isso significa, para grande parte delas, priorizar as necessidades de consumo ao investimento”, diz a superintendente.
Júlia Abi-Sâmara, fundadora do projeto As Investidoras, acredita que o domínio sobre o próprio dinheiro é imprescindível devido ao histórico de dependência financeira ligado a papéis de gênero tradicionais. “Seja no cotidiano ou em momentos em que a gestão financeira é delegada ao outro, é essencial que a mulher entenda o que está sendo feito com o seu dinheiro e saiba agir por sua conta”, afirma.
Dina Prates, consultora, educadora financeira e uma das fundadoras do Espaço Interdisciplinar Estrela Preta, lembra que vivemos numa sociedade desigual, na qual as referências de finanças foram construídas historicamente de uma perspectiva masculina e eurocêntrica. “No Brasil, mulheres ganham menos do que homens, são responsáveis pelo sustento de quase 50% dos lares brasileiros, executam uma tripla jornada de trabalho, porém ainda são colocadas no lugar de consumistas e desinformadas”, critica.
“Saber lidar com o nosso dinheiro permite ainda criar estratégias perante situações de violência, além de possibilitar maior mobilidade e decisões no mercado de trabalho”, completa Dina. Em coro, ela, Christianne, Júlia, CLAUDIA e tantas outras vozes femininas concordam: precisamos de educação financeira para quebrar tabus, dominar o próprio dinheiro e conquistar a autonomia de fazer escolhas.
Onde investir seu dinheiro
Conservadora, moderada ou arrojada. Esses são os três perfis que o mercado financeiro atribui às mulheres investidoras. Independentemente de qual você se encaixe neste momento da vida, vale investir em conhecimento e saber mais sobre os produtos e oportunidades à disposição
1. Para todas
Ganhando muito ou pouco, todas podem — e devem considerar — ser uma investidora. Se há alguma folga no orçamento, é hora de buscar melhores rendimentos. O primeiro investimento a ser feito é em educação financeira, que começa aqui e não há mais hora certa para parar. Seja por meio de leituras, cursos ou grupos de estudos, ela é importante até mesmo para caso a decisão seja contratar uma assessoria ou gestor financeiro, uma corretora ou um banco.
O próximo passo é definir o quanto você quer destinar para os investimentos. Como diz a consultora e educadora Dina Prates, é possível começar aos poucos, em produtos da renda fixa e que tenham cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), como os CDBs oferecidos pelo próprio banco no qual se tem uma conta, para ganhar segurança nas fases seguintes.
De acordo com a superintendente de educação da B3, Christianne Bariquelli, também é fundamental conhecer o seu perfil de risco, ou seja, entender como você se sente ao ver as oscilações que são características de grande parte dos investimentos. A análise também leva em consideração a situação financeira (renda e patrimônio), a idade, o conhecimento do mercado e, claro, qual destinação será dada ao dinheiro.
2. Conservadoras: devagar se chega longe
“É renda fixa ou variável? Quais são os riscos aos quais estou me expondo? Existe algum tipo de proteção associada a esse investimento? Quais os custos envolvidos? Vou poder resgatar quando eu quiser ou existe um prazo em que eu não poderei mexer nesse dinheiro? Essas são perguntas básicas”, destaca Bariquelli.
Dificilmente um ativo combina, ao mesmo tempo, segurança, liquidez e rentabilidade — pontos que formam o chamado tripé dos investimentos. Muitas vezes, para buscar uma rentabilidade maior, a investidora precisa abrir mão de uma segurança e vice-versa, por exemplo.
Quem tem mais medo de arriscar e quer investir no longo prazo pode optar pelas aplicações de renda fixa, como Tesouro Direto, CDB, LCI e LCA e debêntures.
Com isso, preza-se pela segurança abrindo mão da rentabilidade potencialmente maior da renda variável. A mulher conservadora assume os menores riscos possíveis, não quer surpresas no futuro, prioriza a manutenção do patrimônio e acredita que devagar se chega longe.
3. Moderadas: a busca por equilíbrio
As mulheres com perfil investidor moderado também consideram a segurança, mas às vezes se sentem confortáveis para abrir mão dela em uma certa parcela dos recursos que têm em prol de um rendimento maior a longo prazo.
Elas tendem a diversificar a carteira entre as rendas fixa e a variável, apostando em fundos de investimento que mitiguem os riscos, como os híbridos, e em outros ativos, como fundos imobiliários (FIIs) e fundos de índice (ETFs, na sigla em inglês), por exemplo.
Ela topa alguns riscos, sim, para agarrar a chance de ter mais rentabilidade, mas desde que esses riscos sejam controlados. Assim, aceita que parte de seu patrimônio seja alocado em renda variável e o restante nas aplicações mais estáveis.
Diversificar a carteira é uma estratégia simples e efetiva para se investir melhor, uma vez que se distribui os recursos próprios e também o risco. É aqui que entra o ditado “nunca coloque todos os ovos em uma cesta só”.
4. Para as que gostam de arriscar
As mulheres que entendem melhor a dinâmica do mercado e estão mais dispostas a correr riscos em busca de retornos maiores, valorizando a liquidez (facilidade e agilidade para compra e venda dos ativos), investem uma parcela maior da sua carteira em renda variável, como fundos multimercados, ações, derivativos e criptoativos, mesmo que isso signifique abrir mão da previsibilidade nos resultados — sem medos.
A investidora de perfil arrojado, muitas vezes também chamado de “agressivo”, precisa de inteligência emocional no momento de investir para que não haja grandes frustrações causadas pela volatilidade do mercado.
Um erro muito comum é acreditar que se é menos capaz de lidar com assuntos financeiros por isso ainda ser um tabu na nossa sociedade.
O ambiente de investimentos ainda é predominantemente visto como masculino, o que pode ser intimidador. Entender a importância da resiliência e formar uma rede de apoio feminina ajuda o processo a ser mais leve. É essencial que as mulheres falem sobre dinheiro entre si, compartilhem experiências, dicas e conselhos, para que, juntas, possam ter uma vida financeira saudável”, diz Júlia Abi-Sâmara, fundadora do projeto As Investidoras.