Política brasileira ainda é dominada por homens. Quem vamos colocar no lugar deles?
O eleitorado feminino vai decidir as próximas eleições. E pode fazer crescer o número de vereadoras e prefeitas nas 5,6 mil cidades brasileiras. Nesta matéria está o retrato da desigualdade vigente. Para começar, do grupo das 55 cidades maiores e mais importantes, incluindo as 26 capitais, apenas três são dirigidas por uma prefeita (vide foto).
Quem souber se comunicar com as mulheres, entender suas demandas e propor as soluções que elas esperam governará as cidades brasileiras pelos próximos quatro anos. No dia 2 de outubro, 75 milhões de eleitoras registrarão nas urnas 52% dos votos. Elas vão decidir o resultado não só por serem o grupo numericamente maior mas também porque passaram a influenciar o voto do marido, dos filhos e dos próprios pais. Há, porém, um fator temerário: apesar dessa força, elas estão entediadas com a política e com os que comandam o país. A conclusão é de pesquisadores de opinião pública reunidos em agosto, em São Paulo, pelo Instituto Patrícia Galvão, de mídia e direitos: Jacira Melo, diretora da ONG; Márcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência; Alessandro Janoni, diretor de pesquisa do Datafolha; e Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
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Por que há tédio e descrença? Um show de horrores se repete no arcaico e misógino Congresso Nacional, o governo interino não inclui mulheres e negros no primeiro escalão, e práticas de corrupção perpassam os três poderes e as representações municipais. “Ainda que três em cada quatro declarem se interessar de alguma forma por política, é comum não se sentirem representadas pelos políticos”, disse Meirelles. “Fazem mais críticas ao momento atual: entre elas vem caindo a visão de que alguns direitos sociais estão garantidos no Brasil”, afirmou Cavallari. “Dois terços têm certeza de que o país está no rumo errado”, completou Meirelles.
Há inúmeros problemas. Entre eles, o pequeno número de mulheres nas diferentes esferas do Executivo e do Legislativo. Do grupo das 55 cidades maiores e mais importantes, incluindo as 26 capitais, apenas três são dirigidas por uma prefeita (vide foto em destaque). Dárcy Vera (PSD), na paulista Ribeirão Preto; Rosinha Garotinho (PR), na fluminense Campos dos Goytacazes; e Teresa Surita (PMDB), que tenta se reeleger em Boa Vista. Os homens mandam em 88% dos 5,6 mil municípios brasileiros. Nas câmaras, apenas 12% das vagas são ocupadas por elas. Muito parecido, o Congresso tem 10% de senadoras e deputadas, o que coloca o Brasil na traseira do mundo em termos de representatividade feminina, na frente apenas do Haiti e de Belize.
RELAÇÃO COM A CIDADE
Os pesquisadores também mostraram que as mulheres acham as eleições municipais mais importantes que as disputas pelos governos estaduais e federal. Afinal, precisam de ruas limpas e bem iluminadas para reduzir o risco de assaltos e estupros; transporte coletivo eficiente para diminuir o tempo no trânsito; creches seguras e com horário expandido… Nos últimos 20 anos, mais de 10 milhões de brasileiras entraram no mercado formal de trabalho, um crescimento de 139%. Com isso, as demandas só aumentaram. “Elas enfrentam uma série de desafios no dia a dia, em grande parte agravados pela carência de políticas públicas que poderiam aliviar a carga sobre seus ombros”, explicou Meirelles. Na volta do trabalho, 98% lidam com filho ou com roupa, comida, plantas, cachorro. Delas, 14,6 milhões são “mães solo”. Cerca de 95% das 105 milhões de brasileiras usam a educação pública; 88%, a saúde pública; 80%, o ônibus. Portanto, é dos prefeitos que elas esperam mais ações – mesmo sabendo que eles dependem de recursos dos estados e da União.
ELAS DERRUBARAM UM CANDIDATO
Na pesquisa realizada pelo Locomotiva em julho passado, com 1,8 mil mulheres das cinco regiões, nota-se que estão fartas da incompetência e reprovaram os prefeitos: em uma escala de 0 a 10, deram a eles a nota média de 2,8. O curioso é que, apesar de considerarem os impostos mais altos do que deveriam e os serviços ruins, não optaram pelo rebaixamento das taxas. “Se pudessem escolher, oito em cada dez dariam preferência à melhoria dos serviços, em vez de tê-los barateados”, disse Meirelles. A pesquisa também revela o lado prático feminino. “A prevenção da zika é uma pauta para as mães. Pesa mais do que saber quem votou contra ou a favor do impeachment.” Melo concordou: “A mulher olha para quem pode resolver suas necessidades. Não vota por ideologia”. Cavallari alinhavou: “Elas acham que os partidos são parecidos”.
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Os especialistas estão convictos de que as mulheres viram uma eleição. “O candidato que construir uma identidade com elas leva”, garantiu Meirelles. Ele só não pode errar. “Russomano disse que o ônibus ficaria mais caro para quem morava na periferia e perdeu as eleições passadas, em São Paulo. Não há espaço para deslizes”, afirmou Janoni. Isso porque a nova lei eleitoral cortou pela metade o tempo de campanha e proibiu empresas de darem dinheiro para os políticos fazerem suas propagandas milionárias.
Mas mulheres derrubam candidatos há algum tempo. Em 2002, ao disputar a Presidência, Ciro Gomes se referiu à atriz Patrícia Pillar, sua parceira na época, de um jeito machista. “Minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo. E dormir comigo é algo fundamental.” Estava bem cotado e despencou – sem dúvidas, com um enorme empurrão delas.
FESTA PARA AVENTUREIROS E CONSERVADORES
Já perto do primeiro turno das eleições, as mulheres precisam deixar a descrença e assumir sua responsabilidade. Ou padeceremos. “O cenário é ótimo para a aparição de aventureiros”, afirmou Cavallari. Janoni lembra que, quando os eleitores lavam as mãos, triunfam os retrógrados. “É preciso lembrar que ainda há um percentual elevado de brasileiras que vão aonde os conservadores mandam.” Ele cita a opinião sobre o tráfico de mulheres: “Parte do público feminino ainda acha que a culpa é da traficada”. Melo também lembra que as mulheres aparecem nas pesquisas como indecisas até a véspera da votação: “Na verdade, não hesitam mais que os homens, mas demoram a decidir por não verem na imprensa as informações que precisam para escolher”. Invariavelmente têm mais voz os políticos com mais poder, o que gera um ciclo vicioso que mantém sempre os mesmos no comando.
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ELAS SÃO DIGITAIS
A brasileira que muda o voto do parceiro mantém relação íntima com a internet. Faz compras, estuda, busca dados na rede. Segundo Meirelles, 63% estão conectadas, índice que dobrou entre 2006 e 2015. Isso influencia o modo como veem a vida e se comportam. “Na web, o modelo de organização é não vertical, como as mulheres. Elas são digitais; já os políticos, analógicos”, comparou. Eles não sabem falar com o público feminino. “Usam discursos atrasados, longos, quando 68% das mulheres reclamam da falta de tempo”, refletiu. Além disso, as mensagens no horário eleitoral são chatas. “Não conheço marqueteiro mulher. A narrativa é feita por homens e para eles.”
AGORA É COM VOCÊ, ELEITORA
Eleição é oportunidade de expressar desejos. E o nosso é de que haja equilíbrio entre homens e mulheres nas esferas onde são tomadas as grandes decisões. Precisamos estar nesses lugares. Olhe atentamente as candidatas que em geral prestam muitos serviços à comunidade local antes de se lançarem na política partidária. Investigue os perfis. Algumas se parecem com você, com suas lutas pessoais, e podem ser grandes representantes. Na disputa pelas 26 prefeituras das capitais, há uma boa amostra da qualidade: as 30 candidatas têm ensino superior completo. O grau de instrução prevalente entre os 489 mil postulantes no país é o ensino médio. Algumas têm mais de 25 anos de vida pública, o que facilita a pesquisa sobre o desempenho delas. As mais conhecidas são a senadora e ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PMDB-SP), a ex-senadora Serys Slhessarenko (PRB-MT), as deputadas Luiza Erundina (PSOL-SP), Jandira Feghali (PC do B-RJ), Alice Portugal (PC do B-BA) e Luizianne Lins (PT-CE), a ex-deputada Luciana Genro (PSOL-RG), a deputada estadual Márcia Maia (PSDB-RN) e a ex-prefeita Angela Amin (PP-SC). A maioria defende causas feministas.
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No final de agosto, as pesquisas do Ibope apontaram que a situação mais árida era de Alice Portugal. Ela trava um duro embate com o atual prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), herdeiro daquele que foi um dos políticos mais poderosos e controversos do país, o ex-senador Antônio Carlos Magalhães. A deputada tinha 8% das intenções de voto; ele, 68%.
Luciana Genro (23%) detinha, também em agosto, as condições mais favoráveis entre as candidatas. Pode vencer o petista Raul Pont (18%) e assumir Porto Alegre. Filha do ex-ministro Tarso Genro (PT), ela milita desde os 14 anos. Deu uma medida das dificuldades da mulher, em entrevista a CLAUDIA, em 2010: “Elas são líderes em muitas áreas e rejeitam a vida partidária por falta de estômago. Para mim, política é opção. Mas não é fácil aguentar o jogo do toma lá, dá cá, a corrupção e as concessões, que põem fora o interesse público. Essas práticas causam nojo”. “É duro também deixar um filho pequeno, viajar, participar de reuniões que, em geral, ocorrem no bar, à noite.” Melo fez uma pesquisa com candidatas de 2012 e notou que até as solteiras demoram a equalizar a vida pessoal e a política. “Elas negociam muito com a família, abrem mão de várias coisas.” Depois, nos partidos, a briga é obter apoio logístico e dinheiro, já que os principais recursos são postos nas candidaturas masculinas.
São minoria – 31% dos candidatos do país –, mas há nomes que podem levar os nossos problemas e o jeito feminino de resolvê-los. Muitos municípios, porém, não têm sequer uma mulher na disputa. Em outros, as candidatas atuam longe da honestidade, da democracia, das perspectivas de gênero e da defesa dos nossos direitos. Ser mulher não garante a seriedade. Nesses casos, escolha um homem que tenha caráter, boas realizações na vida pública e se comprometa com o progresso das mulheres. Quando as urnas se fecharem, teremos que abrir um país melhor. O retrato não pode ser o mostrado nestas páginas: apenas três prefeitas. E no Legislativo precisamos ir além dos magros 12%. A Câmara de Vereadores é a porta de entrada das mulheres na política. Ali, elas fazem um treino para uma carreira que ascende para as Assembleias Legislativas e o Congresso. Vamos mirar na eleição de pelo menos 30% de combativas vereadoras. Nós podemos.