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“Passei a noite agarrada ao travesseiro para abafar meu choro”

Do diagnóstico às conquistas do dia a dia, mãe conta sua luta para garantir o bom desenvolvimento da filha com síndrome de Down, hoje com 37 anos

Por Carolina Scatolino
Atualizado em 15 abr 2024, 13h55 - Publicado em 14 ago 2017, 19h48
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  • “Quando engravidei pela segunda vez, a minha filha mais velha, Francine, já estava com 3 anos e 5 meses. Na época, eu trabalhava em um escritório de contabilidade, área em que tenho formação técnica. Ao mesmo tempo, eu fazia um curso pré-vestibular, pois planejava completar o segundo grau.

    Mesmo esperando outro bebê, eu e meu marido decidimos que eu tentaria a faculdade, ainda que tivesse de estudar à noite ou pagar por um curso particular. Mas, então, Fernanda nasceu e tudo mudou. (Fernanda Honorato, a primeira repórter com síndrome de Down do Brasil, concorre ao Prêmio CLAUDIA na categoria Trabalho Social.)

    Na maternidade, demoraram para me dar a notícia de que algo não estava bem. As médicas fizeram tanto suspense que mandei minha irmã seguir uma delas para descobrir o que estava acontecendo. Foi assim que soube do diagnóstico: Fernanda nasceu com síndrome de Down.

    Passei a noite agarrada ao travesseiro para abafar meu choro. No dia seguinte, eu só queria ir embora do hospital para poder tratar da minha filha. Como ninguém me dava explicações claras, quando cheguei em casa, peguei um exemplar da Enciclopédia Médica do Lar e o que li me deixou muito nervosa.

    Na descrição do livro, dizia algo como ‘mal comparado a um idiota’. Dei um soco na estante e disse a mim mesma que a MINHA filha não seria uma idiota.

    Desesperada, abandonei o trabalho e os estudos. Eu só queria me dedicar às meninas. Não foi uma decisão fácil. Nasci para trabalhar fora, para ter uma carreira, mas não me arrependo do que fiz. Naquele tempo, há 37 anos, não tinha creches como as de hoje.

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    Não era fácil encontrar um lugar que aceitasse uma criança com Síndrome de Down, muito menos um que tivesse pessoal adequado para cuidar dela. Tudo o que eu queria era que minha filha fosse aceita na sociedade e que tivesse um bom desenvolvimento. Mas isso exigia tempo e dedicação.

    Levei Fernanda logo ao médico e, com 21 dias, ela já estava fazendo tratamento de estimulação precoce no Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR). A partir de então, comecei a procurar informações, que, na época, eram muito escassas.

    Só fui conhecer um pouco mais a fundo sobre a síndrome quando uma amiga trouxe da Espanha um livro chamado El niño con sindrome de Down (A criança com síndrome de Down, em tradução livre para o português).

    Era o início da minha busca por inclusão. Demorou bastante até encontrar uma escola adequada para Fernanda.

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    Ela passou a frequentar a Sociedade Pestalozzi do Brasil depois que o IBMR encerrou atendimento à pessoas com deficiência intelectual. Uma psicóloga de lá me falou uma coisa fundamental: para eu dar à caçula o mesmo tratamento que dava a Francine, sua irmã mais velha, sem superproteção.

    Quando elas brigavam, por exemplo, eu colocava as duas de castigo – mas Fernanda, espertinha, sempre tentava me comprar com um beijo. A especialista também me orientou a nunca esconder minha filha. Muito pelo contrário: eu deveria introduzi-la à sociedade.

    Passei a ir a todas as festinhas de criança com Fernanda e, se as crianças a olhassem feio, eu me aproximava delas com Fernanda e dizia: ‘Oi, eu sou a Fernanda Honorato, e você? Vamos brincar?’ Num instante as crianças começavam a brincar com ela. Aquilo tinha um efeito maravilhoso.

    Quando Fernanda tinha cinco anos, meu marido foi transferido para a Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu (PR). Sofri muito no início porque, no Rio, não percebíamos tanto preconceito quanto na nova cidade. Matriculei as meninas em uma escola de freiras onde maltrataram Fernanda por ignorância.

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    Por isso, Fernanda passou a estudar na Escola Dinâmica, onde o processo de alfabetização começou. A professora me contava que minha filha a ajudava a  tomar conta da turma, organizava as crianças e, na saída, se posicionava ao lado dela para receber os beijinhos dos coleguinhas.

    Era encantador ver como as outras crianças gostavam de minha filha. Teve até um episódio em que ela, que já não usava fraldas desde os 2 aninhos, ajudou uma outra amiguinha com síndrome de Down a desfraldar.

    É muito gratificante perceber como minha filha se desenvolveu tão bem. Algumas mães de pessoas com síndrome de Down que eu conheço reclamam bastante. É mesmo puxado, mas, também por causa da Fernanda, eu passeio muito. E é excelente para nós duas.

    Eu ando sempre com três, quatro Downs perto de mim. Eu os levo a festinhas, para cinema, teatro, escola de samba… Isso não me incomoda, muito pelo contrário. Quando ela nasceu, as pessoas me diziam: ‘Agora você vai ter que carregar a Fernanda o tempo inteiro’.

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    Eu costumo dizer que é o contrário. Ela é quem me carrega. Se fosse diferente, talvez ela já tivesse saído de casa e eu estaria sozinha.

    Mas também temos nossas individualidades. Eu a deixo sair com outras mães, com outras pessoas, desde que tenham a responsabilidade de olhá-la. Fernanda até foi aos Estados Unidos com a família de um ex-noivo.

    Mas fico sempre atenta porque as pessoas com síndrome de Down não têm maldade, se deixam levar por qualquer coisa. É preciso ter alguém sempre ao redor deles. E isso me preocupa. Eu também saio com minhas amigas.

    De vez em quando, nós vamos ao teatro, ao cinema, saímos para almoçar ou jantar fora. E a Fernanda não vai. Tenho meus momentos, fico sozinha.

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    Se eu pudesse voltar no tempo e fazer algo diferente, eu não mudaria nada, sinceramente. Sinto que sou uma pessoa muito feliz. Acho que foi um sacrifício, sim. Mas não um grande sacrifício. Porque eu também me divirto.

    Fernanda é muito parecida comigo. Nunca diz ‘não’, nem que está cansada. Minha filha é uma guerreira, tem um brilho que é só dela, onde chega contagia a todos. Esse é o jeito dela: coloca todo mundo para cima.

    Tem horas em que sinto um cansaço, mas, depois, deito, durmo e passa. Costumo dizer que, quando morrer, vou dormir bastante. Agora quero aproveitar a vida.

    *Maria do Carmo Honorato, 65, mãe de Fernanda Honorato, em depoimento a Carolina Scatolino.

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