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O Nobel da Paz, os Capacetes Brancos, as Farc e a Julieta de Almodóvar

Para quem você daria o Prêmio? Resolvi entregá-lo a quem busca também a trégua interior

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
11 out 2016, 18h25
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Enquanto reflito sobre o Prêmio Nobel para o presidente colombiano Juan Manuel Santos me ocorre um mix de imagens fundindo os heróis da guerra síria – conhecidos como Capacetes Brancos –; o povo da Colômbia dizendo “Não” à paz negociada com as Farc; os países europeus pondo o pé na porta para que refugiados fiquem fora ou morram no mar; policiais matando negros americanos; PMs atirando em meninos pretos nas periferias do Brasil; e, por fim, a bela Julieta de Almodóvar. Um caleidoscópio de imagens para tipificar o momento tinhoso pelo qual passa a humanidade. Tinhoso demais: o escárnio e a rejeição fizeram escaladas homéricas entre nós, com o descarte do homem virando algo trivial. A conclusão: estamos carentes de relações mais amigáveis nos quatro cantos do planeta.

 Eu até torci para o Nobel ser dado aos 3 mil voluntários que, armados apenas com um capacete branco, correm entre fumaça, bombas, estilhaços para salvar adultos e crianças. Já tiraram dos escombros 62 mil pessoas arrasadas pela maldita guerra que consome a Síria há mais de cinco anos. E lembrar que o conflito começou com o povo protestando pacificamente nas ruas contra o ditador Bashar al-Assad. Torci por esses moços porque a guerra tem que parar. Foram mortos 400 mil civis, viraram retirantes 4,5 milhões – é essa gente que tem os fundilhos chutados quando tenta abrigo e comida em outras nações.

O prêmio para esse grupo seria o reconhecimento do mundo para a iniciativa do cidadão diante do horror produzido pela ganância política. Os Capacetes Brancos não integram missões da ONU. Não apoiam o exército oficial ou o Estado Islâmico. Nada têm em comum com a Rússia e os Estados Unidos, intrometidos na Síria em nome dos próprios umbigos.

Mas acato o Nobel para Juan Manuel Santos. Talvez vendo a repercussão no mundo, o povo colombiano entenda a urgência de finalizar um conflito que derrama sangue há 52 anos. Chamado a opinar nas urnas, os colombianos reagiram com rancor. Em 2 de outubro, tiveram de responder: “Você apoia o acordo para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura?” A maioria afirmou um rotundo “não”. Rechaçou o cassar-fogo costurado há 4 anos entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, com ajuda de interlocutores internacionais. Depois de 260 mil mortos, 45 mil desaparecidos e 7 milhões de deslocados internos, venceu a negativa raivosa.

O mundo anda assim: rachado ao meio. Duas forças antagônicas puxando a corda. O retrógrado contra o bom senso. Acabou a mediação, não tem meio termo. É tudo ou nada, com vitória para o campo conservador. Uma direita que floresce no pântano. Os distúrbios, os conflitos, os combates sanguinários acham morada ali.

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O melhor retrato é o milionário Donald Trump. Como um sujeito misógino, xenófobo, racista, homofóbico tem espaço na política norte-americana? Trump não está só, se parece com muitos no Congresso Nacional e no governo brasileiro. Outro exemplo do tufão carrancudo que sopra sobre a humanidade: os xingamentos dirigidos à Angela Merkel e à sua política de acolhimento aos refugiados. “Há ódio e egoísmo? Tô dentro.” Foi assim que, em setembro, o partido da chancelar alemã perdeu as eleições para a direita populista no estado federado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental.

Por que meti o filme Julieta, de Almodóvar, no panorama bélico e hostil do mundo? Não pelo fato de o diretor espanhol ter defendido o Nobel para os Capacetes Brancos. Mas porque é na personagem Julieta (Emma Suárez) que estamos nós. Nada de extraordinário, trata-se de uma mulher comum diante de seus conflitos internos.

O filme deveria se chamar Coisas Que Ficaram Por Dizer. Todas as personagens são vítimas de seus silêncios. Com Julieta protagonizando os piores prejuízos diante do não-dito. Por anos, ela sofre sem entender por que a filha adolescente a abandonou. Entre várias coisas, a mãe desconhecia a sigilosa homossexualidade da menina. Julieta se deprime com a morte do marido – em uma espécie de culpa por não ter notado o segredo que ele mantinha. E igualmente se atormenta diante da incapacidade de levar em frente a relação com o homem que a ama, e a quem não abre os próprios mistérios. Todos os temos. Saí do cinema pensando nos meus. Inclinada a negociar a trégua com o entorno e comigo mesma. Falar o que está calado. Não há paz alguma no sofrer; e o silêncio perde a nobreza quando vira um pesado e angustiado segredo.

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Parece um exagero, mas as turbulências externas e o mundo raivoso entram pelos poros. E quando se somam aos velhos embates pessoais sem solução tornam a vida insuportável. Construir o sossego, a serenidade, a paz no interior influencia o coletivo. É isso que torna os Capacetes Brancos tão especiais. Eles perderam com a guerra. Suas famílias, casas, empregos foram detonados. No entanto, permanecem no território conflagrado trocando a revanche por uma ação efetiva. Estão olhando para frente – como nós devemos olhar.

 

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