O México vive atualmente uma epidemia muito mais perigosa que qualquer vírus. Por dia, dez mulheres são vítimas de feminicídio. Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 136% nos casos de feminicídio no país – só na Cidade do México, o aumento foi de 35% em 2019, ano em que 1.006 mulheres foram assassinadas.
Em 2018, o número de vítimas fatais da violência de gênero atingiu 3.752 mulheres, segundo os dados da Rede pelos Direitos da Infância, além de 1.463 menores de idade.
No mês de fevereiro, dois casos revoltaram a população mexicana. Ingrid Escamilla, de 25 anos, foi brutalmente assassinada e teve o corpo desmembrado por seu namorado, que confessou o crime, na capital do país. Setenta e duas horas depois, a pequena Fátima Cecilia Aldrighett, de 7 anos, foi raptada, torturada e teve o cadáver encontrado dentro de uma sacola plástica.
O que gerou ainda mais revolta foi a forma como a mídia local abordou os casos. O tabloide Pásala estampou as fotos do corpo já sem vida da jovem Escamilla em sua capa com a manchete “A culpa foi do Cupido”, referindo-se ao fato de que o assassinato aconteceu “a poucos dias do Dia dos Namorados”, comemorado no país em 14 de fevereiro.
Já o jornal La Prense preferiu usar apenas uma palavra para definir a vítima: “Esquartejada”. A manchete sensacionalista ainda veio acompanhada de uma foto do detento, outra do corpo da jovem e mais uma do prédio onde o casal morava. A Procuradoria-Geral de Justiça da Cidade do México investiga suspeitos pelo vazamento das imagens.
Um dia sem mulheres
A explosão dos casos de feminicídio e o silêncio no presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, diante deles impulsionaram protestos ao redor do país. Em fevereiro, logo quando foram divulgados os feminicídios de Escamilla e de Fátima, coletivos feministas protestaram em frente ao Palácio Nacional e pintaram a porta do edifício com a frase “presidente indiferente!” e “Estado feminicida”.
A resposta do governante foi rasa, colocando o problema da violência de gênero dentro de um contexto geral de pobreza, desigualdade e corrupção. “Temos que proteger a vida de homens e mulheres”, disse ele em uma coletiva. Alguns dias depois, pediu que as feministas “não pintassem novamente as paredes do palácio”.
O silêncio e indiferença de López Obrador serão respondidos através de um ensurdecedor protesto no dia 8 de março, com uma marcha que partirá do Monumento à Revolução até a Praça da Constituição, na Cidade do México.
Mas o impacto maior está reservado para o dia seguinte. Na segunda-feira (9), as mulheres prometem paralisar todas suas atividades. Organizada pelo coletivo feminista Las Brujas del Mar e disseminada nas redes pela hashtag #UnDíaSinNosotras (#UmDiaSemNós, em português), a greve pretende dar visibilidade para a importância da mulher nos setores sociais, econômicos, administrativos, acadêmicos e laborais.
“Queremos mostrar a importância que temos como cidadãs e romper com a estabilidade econômica do sistema capitalista e patriarcal em que vivemos que, cada vez mais, nos oprime”, explica María Fernanda Acosta, uma das integrantes do coletivo, a CLAUDIA.
Mas muito além do impacto econômico causado pela ausência de mulheres nas empresas e nas escolas, a greve pretende empatizar com mães de vítimas de feminicídio e denunciar a impunidade diante dos casos. “A violência de gênero é uma emergência em nosso país e queremos confrontar as esferas de poder, os atores políticos e empresários a respeito disso. É preciso que se dê conta de que se nós paramos, eles não produzem”, reitera.
Cerca de cem cidades mexicanas já aderiram à greve, segundo a ativista, e mulheres de diferentes faixas etárias apoiam a causa. “A greve e as próximas manifestações terão meninas de 4 anos a mulheres da terceira idade, porque a violência de gênero atinge a todas nós”, afirma.
Após o silêncio do presidente, a ausência das mulheres nas ruas no dia 9 promete ser ensurdecedora. Para elas, a postura neutra de López Obrador já é uma resposta. “Ficou claro para nós que não estamos entre suas prioridades e que o governo não nos apoia”, opina María.
Apesar do sensacionalismo da mídia mexicana que taxa as feministas como “vândalas”, o grupo segue forte, com o apoio de outros coletivos. “Ninguém vai nos deter. Não necessitamos que ninguém nos represente e tampouco que nos dêem permissão para nos manifestar e paralisar”, afirma a jovem. “Se ao México não interessam as mulheres, então que produzam sem nós”, finaliza.
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