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“O desaparecimento é um problema social”

A promotora Eliana Vendramini discorre sobre os desafios e as conquistas do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos

Por Carolina Scatolino
Atualizado em 15 abr 2024, 13h44 - Publicado em 29 ago 2017, 12h07
 (Thinkstock/Reprodução)
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O Live de sexta-feira (25) trouxe ao estúdio de CLAUDIA a promotora do Ministério Público de São Paulo, Eliana Vendramini. Em 2014, ela concorreu ao Prêmio CLAUDIA na categoria Políticas Públicas graças à sua atuação como coordenadora do  Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID).

O órgão foi criado por ela no ano anterior na cidade de São Paulo com o objetivo de sanar os problemas que, até então, impediam a identificação de pessoas desaparecidas.

Na época, um levantamento mostrou que, ao longo dos quinze anos anteriores à criação do programa, mais de 3 mil pessoas haviam sido enterradas como indigentes sem que os órgãos responsáveis tivessem sequer tentado encontrar as famílias.

Na conversa com a editora de CLAUDIA Isabella D’Ercole, a promotora falou sobre os desafios que o serviço tem enfrentado, o impacto do Prêmio CLAUDIA em seu trabalho e também das conquistas do Programa.

Confira os principais trechos da entrevista:

Falha de comunicação

Antes da criação do programa, havia uma importante falha de comunicação entre os órgãos responsáveis por autópsias e identificação de corpos encontrados pela Polícia Civil: o Instituto Médico Legal (IML) e o Serviço de Verificação de Óbitos.

“A descoberta (da falha de comunicação) foi bastante impactante. Quando nós conseguimos perceber a dinâmica desses fatos, olhávamos boletim de ocorrência de morte e boletim de ocorrência de desaparecimento com nomes. Não eram pessoas não identificadas.

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Descobrimos que o número era altíssimo e que havia uma falha grave de comunicação entre os órgãos de autópsia – o IML e o SVO –  e a própria Polícia Civil. O mais incrível disso é que todos eles fazem parte da mesma Secretaria de Segurança. Eles não dialogavam.”

Drama familiar I

Eliana relatou um caso extremo em que entre a data da morte e a da descoberta do paradeiro do corpo passaram-se quinze anos.

“Nós chegamos a casos de mais de quinze anos de procura quando, entre o desaparecimento e a morte, havia se passado apenas três dias. Dei a mão para um filho que procurava o pai, achando que, após quinze anos, ele estaria vivo, o que era crível mesmo, mas ele estava morto.

Tinha passado por sistemas públicos formais como hospital e autópsia. Foi muito triste”.

Drama familiar II

A entrevistada discorreu sobre um caso que chamara a atenção do Ministério Público. Afinal mostrava que algo de muito grave acontecia na cidade. É a história de um idoso que passou mal na rua, foi levado ao pronto atendimento de um hospital por policiais militares e acabou falecendo dias depois.

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A morte não foi informada à família. O mais dramático é que a filha daquele senhor, sabendo que o pai tinha lapsos de memória, bordava o nome dele e seis telefones para contato na roupa do homem. Era justamente uma medida para evitar que o idoso se perdesse na rua.

“Ele passou mal na rua, foi levado a um hospital em que a presença dele foi negada quando questionada pela filha. Eu digo que essas pessoas redesapareceram. Porque elas desapareceram, apareceram e o Estado desapareceu com elas, colocando-as num cemitério, numa área pública”.

Um problema social

Para lidar com a dor vivida pelos familiares do desaparecido, Eliana afirmou que o programa conta com equipe interdisciplinar, que auxilia para amenizar a angústia inerente a esse tipo de situação.

As pessoas estão perdendo um pouco a noção de humanidade e respeito à dignidade alheia. O desaparecimento é tido por especialistas como uma dor maior que a morte, porque ele traz a incerteza do encontro, não tem o fechamento do ciclo. É desesperador.

Então, o programa foi crescendo ao longo desse tempo e foi se tornando interdisciplinar, temos psicólogos que tratam com essas famílias”.

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A promotora alertou que, após a localização do corpo que já foi sepultado como indigente, são necessários três anos para que o direito à exumação do corpo –  e a um enterro digno –, seja cumprido. “É importante que a população saiba que só depois de três anos é possível fazer a exumação da ossada.

As pessoas precisam participar desse movimento em prol de todos. Eu digo que o desaparecimento é um problema social, não é só de quem está vivendo”.

190 e Boletim de Ocorrência

Em caso de desaparecimento, a promotora afirmou que o correto é notificar a Polícia Militar, por meio do telefone 190 com rapidez e, pessoalmente, registrar um Boletim de Ocorrência (BO).

“Quanto mais rápido, melhor. Pode avisar o 190 porque a polícia militar faz uma difusão local rápida de onde possa estar o idoso, por exemplo, que perdeu a memória. Tendemos, pela esperança, a imaginar que dá para esperar, mas se a pessoa não está no local, não volta ao local ou deixa de se comunicar com a habitualidade comum, não é incômodo nenhum pedir ajuda.

A partir do BO, nós orientamos contato com o Ministério Público no nosso Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos, via telefone 11 3119 7183 ou ainda via Facebook, no PLID SP .”

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Cartilha de Enfrentamento ao Desaparecimento

Em dezembro do ano passado o Ministério Público, junto com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos lançou a Cartilha de Enfrentamento ao Desaparecimento, que pretende instruir a população como agir em casos de desaparecimento. Tratam-se de instruções simples mas que, segundo Eliana, eram desconhecidas.

“A gente lançou uma cartilha sobre o que fazer no momento do desaparecimento, que é sempre um momento não esperado e desesperador. Ouvimos profissionais das mais diversas áreas: saúde, educação, atendimento de rua”.

O efeito Prêmio CLAUDIA

A promotora falou sobre a importância de ter sido finalista do Prêmio CLAUDIA. A indicação repercutiu em seu trabalho e possibilitou que o tema entrasse nas rodas de discussão da sociedade.

“A sociedade passou a perceber mais o tema. Precisamos nos comunicar entre todos. Estou na Faculdade de Direito, permaneço nela até hoje lecionando, estou no Fórum, no Ministério Público, mas eu preciso falar com a população. E CLAUDIA foi a primeira que permitiu isso.

Foi incrível, o Ministério Público ficou muito feliz com a visibilidade do tema. Eu, como pessoa, fiquei muito lisonjeada e muito feliz em concorrer com pessoas incríveis, que estão lutando pelo próximo”.

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Final Feliz

A promotora afirmou que desfechos felizes são, sim, possíveis. Ela contou um caso de reencontro ocorrido recentemente graças à página do PLID no Facebook.

Um rapaz, com um quadro grave de depressão, desapareceu e foi reconhecido por um homem em uma foto publicada na página. Ele ofereceu amparo ao rapaz até que sua mãe fosse contatada. Após um longo período de pedidos de ajuda para comprar uma passagem de ônibus até Tocantins, a mãe viajou e conseguiu reencontrar seu filho.

“Eu espero que as pessoas sintam o que eu sinto cada vez que eu falo isso, eu vivi isso. Arrepio total. Ele está bem e vai ser tratado. Eu digo que tem os efeitos graves do desaparecimento, mas nada como o encontro para, inclusive fazer parte da causa.”

Quer saber mais? Assista  a entrevista completa:

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