Movimento propõe reflexões e mudanças para o mundo pós-pandemia
O movimento Liberte o Futuro alega que fazer essa reflexão evita que nos tornemos passivos diante de tantos acontecimentos
Em momentos de caos, fica mais difícil imaginarmos o futuro ideal, mas fazer essa reflexão evita que nos tornemos passivos diante de tantos acontecimentos. O movimento Liberte o Futuro convoca a sociedade a pensar no mundo que desejamos pós-pandemia
Esta matéria começa com uma proposta. Vá, sozinha, a um lugar silencioso da sua casa e respire fundo. Procure acalmar a mente. Agora, pense no futuro. O que você vê acontecendo com você e sua família? E com o país ou o mundo? Se pudesse escolher, como seria o amanhã? “Pode parecer algo ingênuo a princípio, mas o que estamos fazendo é libertar a imaginação. Isso já é uma ação, tira você do lugar passivo. Sonhar um futuro melhor é político”, explica Eliane Brum, jornalista, autora de Brasil, Construtor de Ruínas (Arquipélago) e participante do coletivo que fundou o movimento Liberte o Futuro (liberteofuturo.net). O projeto, lançado em julho com 200 vídeos de pessoas de comunidades indígenas, quilombolas, ativistas negros e acadêmicos, entre outros, dividindo suas visões transformadoras, quer promover uma reflexão sobre o mundo pós-pandemia e parte desse exercício de meditação acima.
O coro já foi engrossado por outras centenas de pessoas. “Nós, brasileiros, estamos há alguns anos vivendo em uma realidade espasmos, de sobressaltos constantes. É um presente expandido que nos impede de olhar adiante”, diz Eliane. Ela cita como exemplo a situação de descaso do governo com a saúde pública em meio à pandemia do novo coronavírus, levando a um número recorde de mortes. Mas não é só a batalha contra a Covid-19 que suscitou ponderações. Para Bel Juruna, da Aldeia Muratu, terra indígena Paquiçamba, no Pará, os constantes ataques ao meio ambiente devem ser detidos urgentemente. “O que precisa acontecer para você entender que nós precisamos da floresta?”, questiona ela. Rodando pela plataforma, é possível passar o dia assistindo às fascinantes pílulas de um minuto, com a garantia de sair inspirada, com o espírito inflado, pronto para a luta. “O consumo deveria não mais ser visto como um elemento importante deste tempo, mas, sim, a liberdade e a alegria de viver o amor”, diz o padre Júlio Lancelotti em outro vídeo, pedindo o fim do consumismo estimulado pela sociedade capitalista. Participam também personalidades da área cultural, como Wagner Moura, Alice Braga e Zé Celso Martinez. “O futuro é uma experiência coletiva, queríamos possibilitar encontros de diversidade, essa pluralidade de vozes”, justifica Eliane. “Se não fosse amplo, se não atingisse todas as classes, cores, gêneros, locais, não faria sentido.”
O movimento não identifica criadores e responsáveis nem impõe barreiras aos sonhos e projetos propostos – são proibidos discursos de ódio e declarações violentas ou preconceituosas, claro. “Prezamos por uma organização horizontal, em que ninguém determina o que o outro imagina para o futuro. Nós nos inspiramos no texto de Elio Alves da Silva, poeta alfabetizado no rio, que diz: ‘Eu sozinho posso pouco. Mas se eu chamar mais 1 e este chamar mais 1… Podemos muito. É eu + 1 + 1 + 1’. Nasceu dessa ideia bonita e do desejo por um ato de resistência”, afirma Eliane. O movimento reassegura um direito que foi tirado de muitos brasileiros, o de sonhar, e questiona a arbitrariedade da política atual, além do padrão de normalidade, que é benéfico para uma parcela muito pequena da população. “O futuro foi sequestrado e o governo atual não tem nada para oferecer. Essa é uma das fragilidades da extrema direita reveladas na pandemia. O que esses grupos vendem é um passado falso, como se não existissem conflitos em um tempo em que os vulneráveis aceitavam a posição subalterna pacificamente. Isso é uma mentira. Agora, o futuro que se apresenta é bastante hostil, tem uma crise climática grave, porém o governo nega e segue em seu projeto, que corrói nossos corpos e sequestra nosso tempo dia após dia, esse projeto de genocídio das populações originárias, de crimes contra a humanidade”, alerta a jornalista. Nessa condição crítica, ela sugere ser essencial nos questionarmos constantemente sobre qual é a nossa responsabilidade nesse cenário e o que podemos fazer para mudá-lo.
A reflexão do início do texto invariavelmente se tornará ação. “Assim que você imagina algo para seu futuro, passa a a agir nessa direção. Eu admito que foi complicado para mim, mais difícil do que eu pensava. Fiquei dentro da caixinha, imaginando só o que parece viável agora. Depois me propus um estímulo maior, de buscar fora dos parâmetros. Fiz mudanças na minha vida pessoal, porque entendi que não queria viver de certa forma”, conta Eliane. Quanto mais frequente o exercício, mais intenso ele fica e se torna mais fácil extrapolar a razão e ir além das vontades óbvias. “Eu imagino que todo sujeito ao nascer vai ter como direito básico fazer terapia, admitir suas fragilidades, evitando assim homens ressentidos que não sabem lidar com suas sombras. As pessoas vão projetar menos fora e olhar mais para dentro”, declara a atriz Maeve Jinkings, propondo também que todo ministro da Economia tenha uma assessor sociólogo ou filósofo para lembrá-lo dos seres humanos por trás dos números.
Uma construção criativa de tamanha potência jamais ficaria limitada. Por isso, nas últimas semanas, expandiu as fronteiras nacionais e recebeu registros de outros países, como do ganense Bibariwiah Godwin Fuoh. “Estamos em contatos com organizações e pessoas de várias nações porque há interesse em criar uma rede global de revisão e mudança”, explica Eliane. Ainda devem acontecer laboratórios online, que transformarão as ideias em planos de ação para tornar os desejos realidade.
O Liberte o Futuro surge neste período, em que muitas pessoas vêm se perguntando o que poderiam fazer para causar impacto verdadeiro na sociedade, e parece oferecer uma resposta simples, mas poderosa. Querer mudar é necessário. Dedicar-se para imaginar um amanhã melhor é outro passo, que deve ser seguido por encontrar uma rede de pessoas que estejam na mesma jornada de inquietação. Ainda dá tempo de construir o lugar com o qual você sempre sonhou.
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